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Eutanásia: Análise Crítica do filme Menina de Ouro

“Se existe magia em lutar além dos limites da resistência, esta é a mágica de arriscar tudo por um sonho que ninguém enxerga só você.”

Ficha Técnica:

Título Original: Million Dollar Baby Gênero: DramaTempo de Duração: 137 minutosAno de Lançamento (EUA): 2004Site Oficial: http://milliondollarbabymovie.warnerbros.comEstúdio: Malpaso Productions / Lakeshore Entertainment / Albert S. Ruddy Productions Distribuição: Warner Bros. / Europa Filmes Direção: Clint Eastwood Roteiro: Paul Haggins, baseado em estórias de F.X. Toole Produção: Clint Eastwood, Paul Haggis, Tom Rosenberg e Albert S. Ruddy Música: Clint Eastwood Fotografia: Tom Stern Desenho de Produção: Henry Bumstead Direção de Arte: Jack G. Taylor Jr. e Jack Taylor Figurino: Deborah Hopper Edição: Joel Cox

Elenco:

Clint Eastwood: Frankie DunnHilary Swank: Maggie FitzgeraldMorgan Freeman: Eddie Scrap-Iron DuprisJay Baruchel: Danger BarchMike Colter: Big Willie LittleLucia Rijker: Billie “Urso Azul” Brian F. O”Byrne: Padre HorvakAnthony Mackie: Shawrelle BerryMargo Martindale: Earline FitzgeraldRiki Lindhome: Mardell FitzgeraldBruce MacVittie: Mickey MackMarcus Chait: J.D. Fitzgerald.

Introdução:

Menina de Ouro é um filme que trata de questões simples da vida, se trata de força, perseverança, solidão, superação e acima de tudo lealdade. Esse filme não tem a pretensão de travar uma discussão sobre a eutanásia, pois o problema é tratado pelo diretor de uma forma bem linear e clara.

Conta à história de um treinador, Frankie Dunn (Clint Eastwood) dono de uma academia de boxe por onde passaram grandes boxeadores. Dunn apesar de ser bem conhecido no mundo do boxe era uma pessoa solitária, que sofria pelo afastamento de sua filha. Ele contava apenas com um amigo, Scrap (Morgan Freeman), ex – boxeador que o ajudava a administrar sua academia.

Até que então aparece Maggie Fitzgerald ( Hilary Swank), uma aspirante boxeadora que larga sua cidade natal para buscar um sonho: ser uma boxeadora de sucesso.

Maggie tem uma base familiar desestruturada, seu pai faleceu quando ainda era criança, sua mãe se sustenta através de golpes previdenciários contra o Estado, e seus irmãos, são pessoas sem sonhos e sem futuro. Tudo o que resta pra Maggie é seguir atrás de seu sonho, e ela o faz. Para tanto ela se depara com várias dificuldades, porque mal tem dinheiro para se sustentar, leva a vida como garçonete e consegue pagar a academia de boxe com as gorjetas deixadas pelos clientes. A única coisa que Maggie conta é com a sua perseverança e força de vontade.

Quando Maggie procura Frankie Dunn para lhe treinar ele se recusa, pois não quer ter a responsabilidade de treinar mulheres e diz ainda que ela aos trinta anos, já é considerada velha para o mundo do boxe. Porém mesmo com a recusa ela não desiste, e com a ajuda de Scrap começa a treinar duro para conquistar o apoio de Frankie Dunn.

Com o passar do tempo Frankie começa a perceber o potencial e a determinação de Maggie e resolve treiná – la. Durante os treinos eles percebem que possuem muito mais em comum do que o boxe. Ambos procuram dentro de sua solidão, um amparo, uma família, que se desenvolve a cada luta, fazendo nascer um amor fraternal entre eles.

Quando Maggie alcança o auge de sua carreira um incidente numa luta, provocado por uma lutadora desleal, a deixa tetraplégica, retirando de Maggie todas as probabilidades de continuar com o seu sonho.

No momento em que mais precisa de apoio, sua família só se interessa pelo dinheiro que pretende herdar, e lhe vira as costas. Ela agora só conta com a ajuda de Frankie que se mostra uma pessoa muito dedicada. A situação de Maggie só piora e sua perna tem que ser amputada. Sem possibilidades de melhora, ela pede para Frankie que acabe com o seu sofrimento, e desligue seus aparelhos.

Frankie se recusa a conceder esse pedido, e Maggie num ato de desespero para ser atendida, acaba se machucando, para tentar sensibilizar Frankie. Ele termina cedendo ao seu apelo e lhe dá o medicamento que provoca seu falecimento.

Longe de travar uma batalha entre os que são a favor ou contra a eutanásia, Menina dos Olhos está um patamar acima disso. O diretor não tem o intuito de dar um ponto final sobre o tema, quer apenas contar uma história de vida, e a decisão individual de uma pessoa de por fim ou não nela, ultrapassando as barreiras da lei.

Até onde vai o poder de uma pessoa de dispor de sua própria vida? Pode o Estado, a Igreja, ou a Família reclamar o direito de decidir, contra a vontade do indivíduo de continuar vivo ou não? A eutanásia é um crime ou um ato de solidariedade? Essas são questões polemicas e que ainda remanescem dúvidas. Para tanto faz – se necessário algumas lições sobre o que é de fato a eutanásia.

Eutanásia, Suicídio Assistido, Distanásia e Ortotanásia:

O termo Eutanásia vem do grego, podendo ser traduzido como “boa morte” ou “morte apropriada”. O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua obra “Historia vitae et mortis”, como sendo o “tratamento adequado as doenças incuráveis”. De maneira geral, entende-se por eutanásia quando uma pessoa causa deliberadamente a morte de outra que está mais fraca debilitada ou em sofrimento. Neste último caso, a eutanásia seria justificada como uma forma de evitar um sofrimento acarretado por um longo período de doença. Esta palavra deve ser utilizada no seu real sentido de utilizar os meios adequados para tratar uma pessoa que está morrendo.

Existem dois elementos básicos na caracterização da eutanásia: a intenção e o efeito da ação. A intenção de realizar a eutanásia pode gerar uma ação (eutanásia ativa) ou uma omissão, isto é, a não realização de uma ação que teria indicação terapêutica naquela circunstância (eutanásia passiva). Desde o ponto de vista da ética, ou seja, da justificativa da ação, não há diferença entre ambas.

Importante ressaltar que o caso tratado no filme não se trata de eutanásia, mas sim de um suicídio assistido. A diferença entre eles é que o suicídio assistido ocorre quando uma pessoa, que não consegue concretizar sozinha sua intenção de morrer, solicita o auxílio de um outro indivíduo.

A assistência ao suicídio de outra pessoa pode ser feita por atos (prescrição de doses altas de medicação e indicação de uso) ou, de forma mais passiva, através de persuasão ou de encorajamento. Em ambas as formas, a pessoa que contribui para a ocorrência da morte da outra, compactua com a intenção de morrer através da utilização de um agente causal. No caso em tela trata-se da forma ativa por Frankie a pedido de Maggie injeta no tubo de alimentos a medicação que faz com que ela morra.O suicídio assistido em nada se confunde com a indução, instigação ou auxílio ao suicídio tipificado no nosso Código Penal no seu artigo 122. A morte aqui não depende de uma atuação exclusiva de terceiro, ela deriva de uma vontade ou ato próprio da vítima que deseja morrer. Trata-se de uma morte voluntária, que só observa o consentimento do indivíduo.

Importante ressaltar também, a diferença entre a distanásia, que é o emprego de todos os meios terapêuticos possíveis, inclusive os extraordinários e experimentais, no doente agonizante, já incapaz de resistir, e no curso natural do fim de sua vida. Tais meios são empregados na expectativa duvidosa de prolongar-lhe a existência, sem a mínima certeza de sua eficácia, nem da reversibilidade do quadro.

Insta salientar também, sobre o procedimento da ortotanásia é a omissão voluntária de meios extraordinários que, embora eficazes, atingem o objetivo buscado apenas transitoriamente, de tal forma que a situação do paciente logo retorna à condição anterior ou a outras condições que anulam o benefício atingido. O tratamento é fútil quando a sua adoção apenas prolongará a morte, não sendo efetivo para melhorar ou corrigir as condições que ameaçam a vida do paciente.

Direito a Vida versus Direito de Morrer:

O sistema jurídico brasileiro é orientado por diversos princípios fundamentais, que traduzem os valores acolhidos e respeitados pela sociedade. A presença destes valores é mais evidente, para a população em geral, nas situações que envolvem bens jurídicos de maior relevância, como a vida.

No que concerne à eutanásia existem dois argumentos válidos: um contra a sua aplicação e outro a favor. Os que se opõe a eutanásia não admitem que uma agonia mesmo que dolorosa, se outorgue um direito de uma antecipação da morte, como forma de combater a dor e o sofrimento. Seus fundamentos encontram-se centrados na proposição de que a vida, que é o bem jurídico de mais alto valor, de direito personalíssimo e indisponível, inalienável e intransferível, que exige dever geral de abstenção, de não lesar e não perturbar, oponível a todos. Assim sendo verifica-se a ilicitude do consentimento, tendo em vista que não se pode consentir a respeito do que não se dispõe.

Alega-se a incurabilidade ser um critério muito perigoso para auferir sobre a disponibilidade ou não da vida, pois a medicina não é uma ciência exata. É mister atentar-se que não há prognostico infalível. Considerar a morte em qualquer circunstância é o maior mal que se pode fazer a alguém.

Em oposição, há aqueles que são favoráveis, considerando a morte eutanásica como um bem, como um ato de piedade e solidariedade ao enfermo. Acreditam que o homem sendo um ser racional, possui “um verdadeiro direito de morrer” ou de “morrer com dignidade” ante uma situação irremediável e penosa, que tende a uma agonia prolongada e cruel. Admitem que o homem goza de um privilégio de dispor da própria vida, tendo a faculdade subjetiva de fazer com ela o que bem entender(desde que faça no uso de suas faculdades mentais).

Com esse pensamento, chegam a aceitar que o indivíduo pode dispor em qualquer situação, de sua existência, muito mais quando gravemente enfermo e em doloroso sofrimento. Não haveria um delito a punir-se, mas um alívio na angústia e no sofrimento torturante. Aqueles que defendem o princípio da liberdade asseguram que o homem possui, dentre seus direitos, do privilégio de dispor de sua própria vida, quando, por sua livre e espontânea vontade, desistir de viver.

O alicerce de sua defesa consiste na impossibilidade de cura frente a dores imensuráveis e insuportáveis. Seria mais desumano deixar um enfermo padecendo por anos, a espera de uma cura que talvez nunca chegue, do que livrá-lo de um sofrimento no “presente incurável” e no “futuro incerto”.

Conclusão:

Nestas questões existe uma interminável polêmica: deve prevalecer a vitalidade ou a qualidade de vida? A primeira representa aquilo que a vida humana tem na dimensão que exige a dignidade de cada homem e de cada mulher. E a qualidade de vida representa um conjunto de habilidades físicas e psíquicas que facultam o ser humano a viver razoavelmente bem.

A eutanásia sempre foi considerada conduta ilícita no Direito brasileiro. É crime, tal o grau de rejeição à sua prática, em coerência com os valores fundamentais que estruturam o ordenamento jurídico do país, notadamente o respeito à vida humana. Por isso, o consentimento do paciente à prática da eutanásia ou a motivação piedosa de quem a pratica não retiram a ilicitude do ato, tampouco exoneram de culpa quem a praticou.Considero plenamente válido o direito do ser humano poder dispor de sua própria vida, no entanto, é mister encarar o desafio ético que se coloca à sociedade: humanizar a vida, garantindo a liberdade, a cidadania, a autonomia, a dignidade da pessoa humana, a beneficência e a justiça. Resta saber se diante de tal complexidade, conseguiremos em algum momento o equilíbrio entre avanços médicos tão almejados, uma legislação vigente que respeite ao mesmo tempo a independência e a proteção dos direitos individuais, a vontade do homem, bem como desígnios da natureza.