A homofobia tem se revelado um importante jogo político para a sociedade brasileira, marcada pela manipulação das massas e encoberta por um disfarce conceitual e analítico que visa enquadrar a aversão e o mero desgosto pelo “comportamento” homossexual em planos distintos, afirmando que a conduta homofóbica não pode ser caracterizada pela simples discordância, muito embora esta discordância implique a retirada paulatina dos direitos fundamentais da totalidade de um grupo de pessoas.
É interessante observar que grande parte da luta política contra a homossexualidade mantém a mesma ideologia que a história revela, contudo, apresentando uma nova face. O catolicismo, que antes se mostrava como o maior obstáculo à concessão de direitos civis – direitos estes plenamente admitidos aos heterossexuais, contudo, restringidos aos casais homoafetivos -, atualmente não é o maior pilar da intolerância sexual, embora não tenha modificado sua postura. Hoje o protestantismo inovador de Lutero tem tomado conta de respeitosa parcela da população brasileira, inculcando em seus pensamentos os ideais criacionistas de forma um tanto mais fundamentalista do que aquela adotada pela Igreja Católica. Não se está aqui afirmando que o medievalismo retornou às ruas e às casas, mas que seus ideais não sucumbiram, tendo sido resgatados pelas igrejas evangélicas que, cada vez mais, tomam conta das famílias brasileiras.
Um processo de alienação é facilmente verificado quando se observa as classes menos favorecidas, para as quais as palavras proferidas por um pastor soam como uma epifania divina, um alcançar de uma verdade objetiva que, por óbvio, será absoluta. Afinal, como contestar a palavra de Deus? Argumentos são inúteis, por mais lógicos que pareçam ser. Basta uma frase para contestar qualquer argumento, aparentemente de maneira heroica e eivada de brilhantismo: “está escrito”, diz o alienado crente. A discussão se torna impossível logo após tal frase ser dita de maneira tão ingênua e confiante.
Curiosa é a observação de que a evangelização do Brasil se revela diretamente proporcional ao crescimento da onda de reacionarismo que avança em todos os setores do país. Especialmente integrado pela egoísta e, muitas vezes, medíocre classe média que habita os centros das metrópoles, o movimento reacionário se alastra como um incêndio numa casa de madeira velha, depreciando as conquistas das minorias da mesma forma que o fogo a tudo destrói e só conserva as lembranças de um tempo melhor. Classe média não apenas em poderio econômico, mas média em ideologia, em conhecimento político, em senso democrático, sempre circunscrita a si mesma, sem jamais se preocupar com o interesse alheio. Pessoas de bem, irão dizer. Reprodutoras incorrigíveis de lendas urbanas acerca das vantagens das minorias oprimidas. Afinal, dizem, hoje é mais vantajoso ser oprimido do que ser opressor.
Lamentável é a consonância entre a expansão evangélica e o aumento do discurso reacionário. Monstro mitológico que surge da alienação provocada pela cobiça de muitos que ignoram a necessidade de outros ainda mais numerosos e a discriminação de alguns nem tão maioritários. Surge no seio do totalitarismo fascista que prega a ilimitada liberdade de expressão, mesmo quando essa significa a opressão daqueles sem bom humor.
O movimento reacionário corrobora com o aumento dos preconceitos ao reagir contrariamente à tentativa de revolucionar o sistema político e econômico que visa igualar as classes sociais, etnias e gêneros. Afirma-se que não se é homofóbico, afinal, não se é doente. O que parece não ser levado em conta é que a expressão “homofobia” carrega em seu âmago um sem-número de significados que não mais podem ser resumidos a uma mera análise etimológica da palavra. A complexidade de tal fenômeno social em muito extravasa o temor irracional que uma pessoa pode sentir ao se deparar com uma barata em sua cama. A homofobia ainda pode configurar um quadro clínico, consistindo numa psicopatologia que gera, no agente, um medo incontrolável, um transtorno de ansiedade que se manifesta quando o mesmo entra em contato com tal situação. O que parece ser olvidado, talvez propositadamente, é que o medo circunscrito caracteriza uma minoria de atitudes homofóbicas que não podem ser entendidas apenas como uma manifestação doentia que requer tratamento médico ou psicológico. Mas por que uma pessoa que claramente demonstra desgosto, ódio ou elevado incômodo com o que toda uma classe de pessoas fazem ou gostam não assume seu preconceito? Talvez a resposta venha rapidamente e, num piscar de olhos, já se afirme que não se trata de um preconceito, dado que tal palavra denota um conceito atribuído a algo ou alguém antes de se tomar conhecimento da realidade desse algo ou alguém. Tal pessoa logo diria conhecer essas pessoas de que desgosta, assim como conheceria seus comportamentos, os quais igualmente repulsa, o que, é claro, eximir-lhe-ia de toda culpa, dado que seu conceito não foi preconcebido, mas pós-concebido, quando já se conhecia tal realidade. O problema se encontra no fato de que essa realidade é um tanto quanto distorcida quando sua verificação se dá por meio do método científico de confirmação de hipóteses cujas respostas já foram previamente e, em tese, provisoriamente, estabelecidas. Qualquer pesquisador sabe que o objetivo de seu projeto científico é encontrar a resposta para determinado problema e que esta resposta pode ser facilmente induzida quando se pesquisa apenas nas fontes que parecem corroborá-la, ignorando solenemente as demais. A homofobia não é e nunca foi individual, de modo que o seu combate voltado especialmente a indivíduos ou mesmo a pequenos grupos não tem como se mostrar efetivo. O enfrentamento de tal fenômeno somente pode ocorrer dentro do âmbito institucional, uma vez que são as instituições que o promovem a partir da veiculação de discursos enraizados pela noção de moral absoluta e pelos sempre lembrados bons costumes, alicerces da sociedade e da família (convencional) brasileira. Na era do suposto “politicamente correto”, deixou-se de se demonstrar orgulho ao se autoafirmar homofóbico, afinal, finge-se pregar a tolerância e o repúdio à discriminação quando se está em público, permanecendo, contudo, a manifestá-lo dentro de seu seleto círculo social. Ainda se vive, embora não completamente, a época em que ser homofóbico é sinônimo de virilidade e hombridade. Não é difícil encontrar um homem que, gabando-se de sua homofobia, afirma odiar homossexuais e não se assemelhar em absolutamente nada com eles. Ocorre que tais indivíduos não necessariamente o fazem por vontade própria, mas porque o verdadeiro temor provocado pela homofobia não se configura em um medo de quem se relaciona com o mesmo sexo, mas sim num infindável temor de ser intitulado de homossexual pela sociedade e por aqueles de seu convívio. Homens que se dizem tão seguros de sua sexualidade não precisariam ficar tão ofendidos quando confundidos com um homossexual, mas o ficam porque aquilo que pensam sobre ele se mostra mais relevante do que aquilo que ele efetivamente é ou acredita ser. A moral de uma sociedade julga seus componentes, relacionando-se ao modo como determinada pessoa é vista pelos demais e como ela teme ser vista ou deseja ser vista por estes, impondo um desejo de ficar bem diante dos outros. A moral refere-se às ordens e costumes que regem os indivíduos isoladamente e em seu convívio em sociedade, mas o que deve ser levado em conta é que pode realmente haver apenas uma, mas também podem haver várias morais em coexistência.
Hoje a homofobia tem sido vista com maus olhos por uma numerosa parcela de pessoas que não o deixaram de ser, mas intentam disfarçar tal repulsa numa hipócrita busca pelo título de tolerante, intelectual e politicamente correto. Assim, não é incomum escutar comentários de pessoas que já iniciam suas frases afirmando não serem homofóbicas e seguem com um sempre presente “mas”. Afirmam: “não sou homofóbico, mas não concordo com o casamento igualitário”; “não sou homofóbico, mas não quero que meus filhos vejam dois homens se beijando”; “não sou homofóbico, mas não preciso aceitar essa imoralidade”; “não sou homofóbico, mas Deus não concorda com o comportamento homossexual”; “não sou homofóbico, mas a homossexualidade é a porta para a pedofilia”. Para tais indivíduos, a homofobia parece estar circunscrita ao homicídio e às agressões físicas, estas, preferencialmente, representadas por lesões corporais de natureza grave ou gravíssima, porque “gay precisa apanhar de vez em quando para aprender a deixar de ser sem-vergonha”.
A vida sexual precisa atender aos requisitos previamente estabelecidos pela moral heterossexual, machista e monogâmica. A homossexualidade é confundida com uma ideologia, com um culto a comportamentos “inadequados”, contrários à boa moral cristã. Héteros são héteros apenas por que virão muitos casais héteros se beijando nas ruas? Héteros não conseguem controlar sua exacerbada heterossexualidade e estupram crianças do sexo oposto sempre que a oportunidade vem à tona? Ora, se a homossexualidade de um indivíduo é tão elevada que seu luxurioso desejo de estar com alguém do mesmo sexo se torna incontrolável a ponto desse indivíduo não poder evitar constranger uma criança do mesmo sexo a com ele praticar um ato libidinoso, por que com os heterossexuais seria diferente? “Mas esses homossexuais querem impor o seu modo de vida para todos, inclusive para aqueles que não concordam”. Bem, é de se crer que proibir os homossexuais de fazerem tudo aquilo que os heterossexuais têm direito parece ser uma maneira de impor o modo de vida heterossexual para todos. Ou não?
Há quem defenda a ideia de que a moral é absoluta e apriorística, cuja validade é atemporal e suprema, o que faz com que suas normas sejam intrinsecamente objetivas. Dessa concepção de moral absolutista decorre a ideia de que não há uma criação de valores, mas um descobrimento de quais são esses valores. Contudo, essa visão se revela intolerante em relação àquilo que não concorde com o preceituado por tal moral, afinal, sendo ela superior, não haveria sentido em não lhe conferir razão, sendo impreterível que se descarte o que se revela como discordante. O fundamentalismo religioso é um exemplo de manifestação da crença numa moral única e universal, inerentemente inflexível e intolerante para com a diversidade que caracteriza os indivíduos.