Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito administrativo militar, que envolve as questões disciplinares relacionadas com os integrantes das Forças Armadas e Forças Auxiliares, vem passando por transformações em decorrência do disposto no capítulo que trata das garantias e direitos fundamentais do cidadão.
O militar possui os mesmos direitos que são assegurados ao civil sendo que esta condição já é aceita em nosso direito, quando este é levado perante os juízes e Tribunais para ser julgado em decorrência de um ilícito administrativo, penal ou civil.
Mas, ainda existe certos postulados previstos na Constituição Federal que não são observados pelas autoridades administrativas quando dos seus julgamentos, que ferem a ampla defesa e o contraditório trazendo prejuízos ao acusado e a sua defesa.
A Constituição Federal assegurou o devido processo legal aos acusados em processo judicial ou administrativo, o que significa que o militar não poderá ser punido ou perder seus bens sem que lhe seja assegurada a ampla defesa e o contraditório com todos os recursos a ela inerentes.
A legalidade é também segundo a Constituição um princípio, que deve ser observado pela Administração Pública, sendo que o Texto em nenhum momento excluiu a Administração Pública Militar.
Em decorrência das exceções que foram vivenciadas por nosso país houve um distanciamento da Administração Pública Militar, onde esta passou a ser regida por normas próprias, fundamentadas em decretos, portarias, decreto-leis, sendo que alguns ou parte destes (artigos, incisos, alíneas) não foram recepcionados pelo vigente Texto Constitucional.
Defender à aplicação do princípio do devido processo legal e do princípio da inocência no direito administrativo militar ainda é uma novidade, em um área que existe o entendimento segundo o qual a autoridade administrativa militar possui discricionariedade no julgamento dos seus subordinados. Mas, é importante se observar a lição de Hely Lopes Meirelles no sentido de que, “discricionariedade não é arbitrariedade”, não se esquecendo que vige no direito administrativo militar o princípio da legalidade, art. 37 “caput” da C.F.
No direito penal ninguém pode ser condenado sem que exista provas concretas que demonstrem a autoria e a culpabilidade do acusado, uma vez que o “jus libertatis” é um direito fundamental do cidadão, não admitindo meras ficções ou suposições para ser cerceado.
A prova é feita de forma dialética, ou seja, existe igualdade entre defesa e acusação na busca da verdade dos fatos, uma vez que vige no direito penal o princípio da verdade real, e não formal, como ocorre no processo civil.
O direito administrativo militar é um campo autônomo do direito, possui seus próprios fundamentos e princípios, mas estes possuem estreitas relações com o direito penal, sendo que muitas faltas administrativas podem levar a um processo crime perante as Auditorias Militares.
O militar das forças armadas ou forças auxiliares que cometer uma transgressão disciplinar poderá ter o seu “jus libertatis” por até 30 dias em regime fechado, devendo permanecer no quartel até o cumprimento da punição. Em decorrência deste fato é necessário que ao acusado de uma falta disciplinar seja assegurada todas as garantias constitucionais, uma vez que seu direito fundamental poderá ser cerceado por força de uma decisão administrativa.
No processo administrativo em regra a prova da acusação é feita pelo próprio órgão julgador, o que lhe retira a imparcialidade necessária para a realização do julgamento, uma vez que àquele que deveria julgar passa a buscar os elementos necessários que comprovem as acusações constantes do termo acusatório.
Na busca da aplicação do devido processo legal seria necessário que nos processos administrativos fosse instituída a figura do oficial acusador, que ficaria responsável pela colheita dos elementos que comprovassem a acusação constante do termo acusatória, o que permitiria ao oficial julgador ter isenção no momento do julgamento.
A ausência desse figura faz com que muitas vezes a instrução probatória seja tumultuada em decorrência da mistura da atuação por parte de uma mesma pessoa da função de julgador e acusador.
No curso da instrução probatória pode ocorrer a dúvida, ou seja, os depoimentos colhidos não levarem a certeza da autoria ou materialidade da transgressão disciplinar, o que não autoriza a prolação de um seguro decreto condenatório.
Deve-se observar que a transgressão disciplinar exige a comprovação da autoria e materialidade para que o acusado possa ser responsabilizado, sob pena de se estar praticando excesso ou até mesmo uma arbitrariedade, uma vez que a manutenção da hierarquia e disciplina deve ser feita em conformidade com o princípio da legalidade e do devido processo legal.
A ausência de provas seguras ou de elementos que possam demonstrar que o acusado tenha violado o disciplinado no Regulamento Disciplinar leva a sua absolvição com fundamento no princípio da inocência.
A Constituição Federal no art. 5.o, inciso LVII disciplina que, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Deve-se observar ainda que o art. 5.o, inciso LV, preceitua que, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Com fundamento nos dispositivos constitucionais fica evidenciado que o princípio do inocência é aplicável ao direito administrativo militar, uma vez que ampla defesa e contraditório pressupõe respeito ao princípio do devido processo legal, no qual se encontra inserido o princípio da inocência.
As questões administrativas que envolvem punições, sanções, não são mais meros procedimentos, mas processos, uma vez que o Texto Constitucional igualou o processo judicial ou administrativo, ou seja, assegurou as mesmas as garantias processuais e constitucionais aos litigantes em questões administrativas.
A autoridade administrativa deve atuar com imparcialidade nos processos sujeitos a seu julgamento, e quando esta verificar que o conjunto probatório estampado nos autos é deficiente deve entender pela absolvição do militar, federal ou estadual, uma vez que segundo Eliezer Rosa é melhor absolver o culpado do que condenar o inocente, que poderá sofrer humilhações, constrangimentos de difícil reparação, e que deixará suas marcas mesmo quando superados.
É bem verdade que devido a estrutura adotada nos processos administrativos militares, onde existe uma mistura entre a figura do acusador e do julgador, que exercem a mesma função, fica difícil para autoridade administrativa entender pela absolvição em decorrência do princípio da inocência, por estar envolvida diretamente na busca da prova necessária para dar fundamentação ao termo acusatório.
Além disso, em muitas casos ainda existe uma confusão entre discricionariedade e arbitrariedade. A primeira fica sujeita ao princípio da legalidade, moralidade, que foram disciplinados no art. 37, “caput” da Constituição Federal. A liberdade do administrador deve se pautar pelo respeito à Lei, porque este foi o sistema adotado por nosso país, que pertence a família romano – germânica. Talvez para se evitar os abusos, que ainda são vivenciados nos quartéis como noticiou Eliezer Pereira Martins em sua obra, “O Militar Vítima do Abuso de Autoridade” seja necessário a edição de uma lei disciplinando princípios e normas que devem ser observadas no processo administrativo.
Mas, o princípio da inocência é uma realidade do processo administrativo militar, e deve ser aplicado pela autoridade julgadora toda vez que esta após uma análise imparcial do conjunto probatório que lhe é apresentado chegar a conclusão que as provas são deficientes para a prolação de um seguro decreto condenatório.
A justiça é elemento essencial de qualquer Instituição, pois somente com a observância do devido processo legal e das garantias constitucionais é que se pode alcançar os objetivos do Estado democrático de direito, que pressupõe o respeito a dignidade humana na busca da construção de um país fundamentado na igualdade, solidariedade e fraternidade, onde o respeito à Lei em todos os seus aspectos é condição essencial para a construção de uma sociedade melhor, livre da violência, e das desigualdades sociais.