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Toron condena prisões temporárias a granel pela justiça

Documento assinado por 12 advogados criminalistas entregue ao presidente do superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, manifesta preocupação com “a forma açodada e descriteriosa com que o Judiciário tem deferido medidas de força” nas recentes operações realizadas pela Polícia Federal e com as dificuldades criadas para o exercício da defesa. Um dos signatários, o secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB, Alberto Toron, considera “inaceitável que, em pleno período democrático, se utilizem práticas que lembram o período da ditadura militar: a invasão de escritórios de advocacia, não porque haja cocaína nesses locais, mas para facilitar a obtenção de provas”.

Toron condena “a decretação de prisões temporárias a granel, sem qualquer parcimônia”. “Decreta-se a prisão temporária, a Polícia Federal exibe o preso como um troféu, algema-o desnecessariamente e o exibe em horário nacional. É um “escracho”. O que se fazia, antes, contra preto, pobre e p… é feito com outros presos. E há quem aplauda”, diz: “Pior é ver a polícia dar informações à imprensa, que as divulga em horário nobre, e os advogados não têm acesso aos autos”.

Estão previstos encontros semelhantes nos próximos dias com a presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, com o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e com o ministro da Justiça, Tarso Genro. Também assinam o documento entregue no STJ os advogados Aloísio Lacerda Medeiros, Adriano Salles Vanni, Celso Sanchez Vilardi, Arnaldo Malheiros Filho, Eduardo Pizarro Carnelós, Dora Cavalcante Cordani, José Luís de Oliveira Lima, Theodomiro Dias Neto e Roberto Podval.

Eis a íntegra da carta:

Ao Excelentíssimo SenhorMinistro Raphael de Barros Monteiro FilhoDigníssimo Presidente do Superior Tribunal de Justiça

A corrupção, fator impeditivo do desenvolvimento econômico e político da Nação, deve ser combatida com o apoio de todos os segmentos da sociedade, mas eliminá-la não pode ser um fim que justifica meios ilegais.

É isso o que temos vivenciado no dia a dia: graves desrespeitos aos direitos instituídos pela Constituição, sem que algumas autoridades, parte da mídia e setores da sociedade percebam que ultrapassar os limites da legalidade é tão grave para a cidadania quanto a impunidade, pois traz o risco do desrespeito generalizado à ordem jurídica. Quer sejam políticas ou ideológicas as motivações, quer sejam ligadas à segurança nacional ou à luta contra a corrupção, como se alega, toda e qualquer ação oficial empreendida ao arrepio da lei representa a negação do Estado de Direito e a adoção de um regime de exceção.

Da Constituição do Império (1824) à atual, sempre se garantiu ao preso o direito de saber os motivos de sua prisão. Esse direito está sendo reiteradamente descumprido: em todas as operações da Polícia Federal, autorizadas por Juizes federais de todo o país, é preciso, em média, mais de dois dias para ter conhecimento da decisão (os mandados sempre dizem “conforme decisão em anexo”, sem que exista anexo) e dos elementos de investigação em que ela se apoiou. Isso, quando não se é obrigado a recorrer aos Tribunais, o que torna a demora é ainda maior.

Preocupa-nos, sobremodo, a forma açodada e descriteriosa com que o Judiciário tem deferido medidas de força – busca e apreensão e prisão – sem a observância dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da eficácia, e sem o apoio de fatos concretos e devidamente provados, justificadores de tais providências. É imprescindível denunciar que muitas dessas medidas são requeridas e deferidas com exclusivo apoio em relatórios de interceptações telefônicas, impregnados do perigoso subjetivismo de um agente anônimo que interpreta o que as vítimas do grampo quereriam dizer, levando a injustiças irreparáveis.

Métodos meramente simbólicos, de duvidosa eficácia para combater a corrupção, muitos flagrantemente ilegais, têm como conseqüência exclusiva criar a ilusão de uma atuação eficiente contra a chamada criminalidade das elites.

Ser investigado hoje, no Brasil, significa ter enormes dificuldades para verificar o Inquérito policial, ter sua vida privada devassada e correr o risco de ter decretada uma busca e apreensão, acompanhada de prisão processual antes mesmo de ter sido intimado para qualquer esclarecimento. Por outro lado, a execução de tais medidas não necessita da parafernália bélica utilizada contra homens e mulheres, moços e velhos, ao raiar do dia dentro de suas casas. Basta que se observe serem raros ou até inexistentes os casos de resistência ao cumprimento dos mandados de busca ou de prisão. A utilização desse método constitui outra prova cabal do caráter cinematográfico das ações.

Nós, contudo, que vivenciamos o processo criminal até seu fim, podemos afirmar que o caráter ilusório das providências adotadas reside na verificação de que muitas delas, tomadas de chofre e sem o exigido rigor legal, são mais tarde anuladas pelos tribunais. Ademais, passada a fase inicial, marcada por intensa pirotecnia midiática, caem no esquecimento, pouco importando o resultado do processo, tal a humilhação suportada pela busca e pela prisão, diante da exposição das diligências à mídia, com efeitos permanentes e indeléveis.

É nosso dever alertar a sociedade de que não se combate o crime sem o estrito cumprimento da Leis, até porque só é possível a condenação de um criminoso se o Inquérito e o processo transcorrerem na legalidade. Há quatro anos, no entanto, temos visto ações que impressionam a sociedade, mas que são objeto de intermináveis discussões judiciais, tantos são os abusos e ilicitudes.

Muitos se encantam com o estrépito das diligências, sem atentar para a absoluta dificuldade – ou até impossibilidade – de fazer valer direitos e garantias fundamentais do cidadão no curso delas. Não importa saber se isso ocorre por um motivo nobre – o combate à criminalidade – até porque nunca se viu regime totalitário que não se apoiasse em motivos “nobres”.

Daí o nosso alerta à sociedade e à mídia e nosso apelo ao Judiciário, para que medidas de força somente sejam determinadas quando indispensáveis e executadas com moderação e respeito à pessoa. De nada nos valerá viver num Estado sem corrupção nem direitos individuais!