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Busato: credibilidade nas instituições está no fundo do poço

A credibilidade nas instituições políticas brasileiras chegaram ao fundo do poço e o Brasil vive hoje um dos momentos mais dramáticos de sua história, diante da sucessão de escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos. O processo eleitoral em curso reflete essas circunstâncias, revelando pouco entusiasmo e reduzida participação popular. Nesse quadro, cabe importante papel à magistratura e à advocacia brasileiras, no sentido de preservar a legalidade e não deixar que a descrença contamine a situação política ao ponto que ela descambe para o autoritarismo. A advertência foi feita hoje (18) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, em forte pronunciamento da tribuna da antiga sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em solenidade que marcou os 178 anos de existência da Corte suprema da Justiça, que se transferiu para Brasília em 1960.

“Sabemos que sem credibilidade nenhum regime se sustenta; sem credibilidade, o Estado democrático de Direito corre sérios riscos”, sustentou o presidente nacional da OAB, falando da mesma tribuna em que por diversas vezes se pronunciou o patrono da advocacia brasileira, Ruy Barbosa – citado por Roberto Busato em várias passagens do pronunciamento. “O descrédito das instituições estimula a aventura autoritária, cujas conseqüências danosas a nossa República já as viveu sucessivas vezes, desde sua origem, quando Ruy ocupou esta tribuna para denunciá-las”.

Convidado da presidente do STF, ministra Ellen Gracie, que conduziu a solenidade, Roberto Busato fez uma veemente defesa da legalidade e destacou o papel que o Supremo desempenha nessa tarefa. Ele observou que a despeito dos sucessivos casos de corrupção dos últimos tempos, as instituições republicanas do País “estão funcionando na plenitude de suas prerrogativas, investigam ações deletérias de maus agentes públicos”.

Busato reforçou a importância da parceria entre magistratura e advocacia na administração da Justiça “e numa ação contínua, firme e serena no sentido de preservar valores e de não permitir que a sociedade descreia de vez de sduas instituições”. Ele acrescentou: “É aqui, nesta Casa, que a legalidade encontra sua referência máxima – o que, nesta etapa histórica que vivemos, ainda marcada pela cultura da impunidade, realça o papel institucional e moral do Poder Judiciário”

O presidente nacional da OAB lembrou que as pesquisas de opinião pública têm constatado crescente ceticismo e desencanto por parte da sociedade em relação às instituições políticas. Para ele, “a sociedade brasileira não se sente devidamente representada pelos que elege, o que, mais que um paradoxo, sinaliza para a precariedade do sistema político representativo vigente”.

Nesse sentido, pregou a necessidade de uma mudança profunda no sistema político brasileiro, por meio de uma reformam a ser efetivada pelo futuro Congresso Nacional, como forma de restaurar a credibilidade nas instituições do Estado. “Esse é um compromisso já assumido publicamente por todos os partidos e pelos candidatos à Presidência da República – e nós, da OAB, em nome da sociedade civil brasileira, iremos cobrá-lo”, salientou Busato, lembrando que a entidade dos advogados, em verdade, já o está cobrando. “Já instalamos no âmbito do Conselho Federal, mês passado, o Fórum da Cidadania para a Reforma Política, que mobilizará partidos e sociedade civil, em busca de propostas que efetivamente atendam às demandas de aprimoramento de nosso sistema político”.

A seguir, a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB, Roberto Busato, da tribuna da sede antiga do Supremo Tribunal Federal (STF) no Rio de Janeiro:

“Exma. Sra. Presidente do Supremo Tribunal Federal,Ministra Ellen Gracie;

Exmos. Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal;

Exmo. Sr. Procurador Geral da República,Sr. Antonio Fernando de Souza;

Exmo. Sr. Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região,Desembargador Frederico Gueiros;

Exmo. Sr. Diretor-Geral do Centro Cultural da Justiça Federal,Desembargador Paulo Barata;

Meus colegas advogados da OAB do Rio de Janeiro, aos quais saúdo na pessoa de seu presidente, dr. Octávio Augusto Brandão Gomes;

Demais autoridades presentes,

Senhoras e senhores

Esta solenidade, de que tenho a honra de participar, representando a Ordem dos Advogados do Brasil, reveste-se de forte simbolismo.

Nesta sede histórica do Rio de Janeiro – capital do Império e da República em suas sete primeiras décadas – este egrégio Supremo Tribunal Federal viveu dias de glória, em memoráveis embates, protagonizados por personagens que hoje figuram no Panteão da Pátria.

Entre eles, destaco e aqui evoco – numa homenagem que abrange tanto a advocacia quanto a magistratura – o advogado e jurista Ruy Barbosa, apóstolo do Direito em nosso país.

Desta mesma tribuna, que numerosas vezes ocupou, requereu, em 1892, o primeiro habeas-corpus em favor das vítimas dos atos arbitrários do governo do marechal Floriano Peixoto – momento em que reuniu audácia, veemência e erudição em prol da justiça e do bem comum.

A República, que ajudara a fundar, tendo sido mentor de sua primeira Constituição, vivia dias turbulentos, em que o arbítrio sobrepunha-se à lei e semeava injustiça e desordem a seu redor.

Ruy, que acabaria vítima do arbítrio que desafiava – e que o levaria na seqüência a se exilar -, não hesitou em buscar nesta Corte o socorro da legalidade e do bom senso. E encontrou-os.

Nessa ocasião, aqui emitiu conceitos e reflexões a respeito da importância desta instituição no cenário da República, que julgo de grande valia e oportunidade rememorá-los, neste momento em que o Brasil tanto carece de referências éticas e morais consistentes.

Faço das palavras de Ruy as da advocacia brasileira, nesta solenidade tão significativa, que transcende as razões protocolares que a motivaram.

Segundo Ruy, os povos ou são governados pela força ou pelo Direito. E advertia: “A democracia mesma, não disciplinada pelo Direito, é apenas uma das expressões da força, e talvez a pior delas”.

Palavras sábias e oportunas que sublinham a inestimável importância desta Corte Suprema, guardiã da Constituição, e, por extensão, da cidadania – sobretudo neste momento, em que a indignação causada pela série de escândalos que abalaram nossa República cede freqüentemente à tentação de minimizar ou relativizar premissas inarredáveis à administração da Justiça, tais como a presunção de inocência e o devido processo legal.

Esta Corte, felizmente, não se deixa levar por impulsos e pressões, venham de onde vierem, e a que pretexto venham – e exerce com critério e temperança sua sublime missão, garantindo o princípio da ampla defesa, indissociável da administração da justiça.

Também Ruy Barbosa destacava essa qualidade nesta Corte. Lembrava que (aspas) “qualquer indivíduo, lesado por uma exorbitância do Congresso ou do Presidente da República, tem sempre, nos remédios judiciais, o meio de preservação do seu direito, provocando, na qualidade de autor, ou na de réu, a sentença reparadora e irrecorrível do Supremo Tribunal Federal”. (fecha aspas)

Nada mais atual, nesta ocasião em que as instituições republicanas, funcionando na plenitude de suas prerrogativas, investigam ações deletérias de maus agentes públicos.

Para que nada, porém, fira direitos ou gere escândalos dentro dos escândalos que se investigam – e a tanto equivale a acusação sem provas ou a condenação política – é preciso que se observe rigorosamente a legalidade.

Fora dela, advertia Ruy, “é que se escondem os grandes perigos e se preparam os naufrágios irremediáveis”.

E é aqui, nesta Casa, que a legalidade encontra sua referência máxima – o que, nesta etapa histórica que vivemos, ainda marcada pela cultura da impunidade, realça o papel institucional e moral do Poder Judiciário.

O Brasil vive hoje um dos momentos mais dramáticos de sua história política. O processo eleitoral em curso reflete essa circunstância, revelando escassez de entusiasmo e de participação popular.

Pesquisas de opinião pública constatam ceticismo e desencanto por parte da sociedade em relação às instituições políticas.

Não se sente a sociedade brasileira devidamente representada pelos que elege, o que, mais que um paradoxo, sinaliza para a precariedade do sistema político representativo vigente.

É preciso mudá-lo – e já.Acena-se para a próxima Legislatura com uma reforma política em profundidade, que restaure a credibilidade nas instituições do Estado.

Esse é um compromisso já assumido publicamente por todos os partidos e pelos candidatos à Presidência da República – e nós, da OAB, em nome da sociedade civil brasileira, iremos cobrá-lo.

Na verdade, já o estamos cobrando. Já instalamos, no âmbito do Conselho Federal, mês passado, o Fórum da Cidadania para a Reforma Política, que mobilizará partidos e sociedade civil, em busca de propostas que efetivamente atendam às demandas de aprimoramento de nosso sistema político.

Desnecessário dizer que, nesse quesito – credibilidade -, nossas instituições políticas chegaram ao fundo do poço.

Jamais o descrédito em relação a elas foi tão grande. E sabemos que sem credibilidade nenhum regime se sustenta; sem credibilidade, o Estado democrático de Direito corre sérios riscos.

O descrédito das instituições estimula a aventura autoritária, cujas conseqüências danosas nossa República já as viveu sucessivas vezes, desde sua origem, quando Ruy Barbosa ocupou esta tribuna para denunciá-las.

Cabe-nos – magistratura e advocacia –, parceiras na administração da Justiça, ação contínua, firme e serena no sentido de preservar valores e de não permitir que a sociedade descreia de vez de suas instituições.

Justiça e razão devem andar juntas – pois quando uma se ausenta a outra se debilita.

Lembremo-nos, a esse propósito, da advertência do escritor espanhol do século XVII, Francisco Quevedo, segundo quem “onde há pouca justiça é grave ter razão”. E a razão nos obriga freqüentemente a cortar na própria carne, a abrir mão de privilégios ou a reconhecer a necessidade de renovação.

Daí a importância que atribuímos à recém-implantada reforma do Judiciário, que contou com a inestimável cooperação desta Suprema Corte, estabelecendo avanços que, sem dúvida, a aproximam mais da sociedade e confirmam o princípio de que, num regime verdadeiramente republicano, não há espaço para instituições impermeáveis ao controle social.

O advento do Conselho Nacional de Justiça, no qual tenho a honra de oficiar, trouxe avanços expressivos para a organização das atividades judiciais em nosso país.

O modelo sistêmico do Judiciário no Brasil, em que cada estado organiza com autonomia sua estrutura judicial, dificulta com freqüência ações de cooperação conjunta, que facilitem a prestação jurisdicional em âmbito nacional.

Sem interferir na autonomia dos magistrados – cláusula pétrea constitucional e fundamento sagrado do Direito -, o Conselho Nacional de Justiça possibilita a coordenação e a padronização dos trabalhos administrativos do sistema judicial.

Favorece, portanto, a distribuição de justiça, sem configurar, em momento algum, ingerência na soberania do Judiciário, já que dele faz parte, nos termos da emenda aprovada pelo Congresso Nacional.

Outro ponto relevante na ação do Conselho – e que fortalece a autoridade moral do Judiciário neste momento de fragilidade das demais instituições republicanas – é a luta que este Poder moveu internamente contra o nepotismo.

Como dizem os chineses, mais vale um grama de exemplo que uma tonelada de palavras. Ao chamar a si a luta contra a prática anti-republicana do nepotismo, o Judiciário – e, dentro dele, com especial destaque, este Supremo Tribunal Federal – revestiu-se de autoridade moral para cobrar igual procedimento nos demais Poderes.

A luta pela moralização de nossas práticas públicas – vital à restauração da credibilidade popular nas instituições do Estado – tem hoje nesta Corte forte e fundamental referência.

Ao tempo do arbítrio, era mais simples posicionar-se politicamente: ou se estava a favor ou contra a liberdade. Tal circunstância favorecia a formação de frentes políticas díspares em prol de uma causa comum, que envolvia o resgate de direitos fundamentais do ser humano.

Uma vez restabelecidos aqueles direitos, constatou-se que a reconquista democrática não é um fim em si mesma. É ponto de partida para a construção de uma sociedade mais justa e próspera. E aí se estabelecem os desafios mais complexos.

Se todos concordam com a meta – a construção de uma sociedade justa e próspera -, nem todos concordam com os meios para edificá-la.

A diversidade de pontos de vista gera conflitos, que não raro derivam para quadros de confronto e irracionalidade, que, num paradoxo, correm o risco de comprometer a meta comum a que todos aspiram. Em nome da construção do Paraíso, estabelece-se o inferno.

Em tal circunstância, é vital a presença de instituições fortes – e, dentro delas, de uma instância serena e firme de arbitragem, que, nas palavras de Ruy Barbosa, configure “a encarnação viva das instituições federais”, papel esse que não hesitava em atribuir ao Supremo Tribunal Federal, a que chamava também de “oráculo da Constituição”.

A conjuntura presente do país exige um Judiciário firme e atuante, como tem sido o Supremo. Desde a redemocratização, em meados da década dos 80 do século passado, o Brasil tem vivido crises sucessivas, dentro das quais, apesar de todos os pesares, aprende e avança.

O que hoje nos está posto é um grande desafio: dar conteúdo ético e social ao Estado democrático de Direito. Sem tal conteúdo, o que é a democracia senão uma abstração jurídica?

Falei há pouco na aspiração nacional por uma Pátria justa e próspera, deixando, porém, de mencionar que tais conceitos – justiça e prosperidade – são indissociáveis. Não há registro de sociedade que tenha chegado à verdadeira prosperidade sem que tenha promovido internamente, em alguma medida, o primado da justiça – justiça social e justiça institucional.

Sem um mínimo de equilíbrio na distribuição de renda e um mínimo de eficácia no atendimento às demandas judiciárias, não se pode utilizar o vocábulo “prosperidade” para atribuí-lo a uma sociedade. Acresço a esse raciocínio uma lição preciosa de Goethe, que colocava a ética como premissa de todas as coisas. Dizia ele: “Se desisto de ser ético, cessa todo o meu Poder”.

O princípio aplica-se não apenas a indivíduos, mas sobretudo a nações. Uma nação que abdica da ética, abdica de seu próprio Poder.

Do Brasil, já se disse que é um país rico com população pobre. Um de seus presidentes, ao tempo da ditadura, admitia que, se a economia ia bem, o povo continuava mal. Outro presidente, já ao tempo da redemocratização, constatava que não somos um país pobre – somos, sim, um país rico e injusto.

Há, pois, demanda por justiça – em sentido amplo. Não hesito, inclusive, em afirmar que é essa a demanda-síntese da sociedade brasileira: sede de justiça.

Não cabe, porém, essa promissória apenas ao Poder Judiciário. Cabe a todos os Poderes da República e à sociedade civil organizada, de que a OAB se faz porta-voz; cabe à elite pensante do país, conceito que tem sido tão profanado nos dias atuais.

Elite não é questão pecuniária, não se vincula ao saldo médio bancário. Elite, no sentido clássico da palavra, é o que de melhor uma sociedade produz, em todos os campos de atividades.

Ruy Barbosa foi, a seu tempo, a expressão máxima da elite brasileira, assim como este Supremo Tribunal Federal reúne a elite do mundo judiciário nacional.E é essa elite – que, entre outros, inclui intelectuais, artistas, políticos, magistrados, advogados, lideranças sindicais, cientistas – é ela que precisa se mobilizar no propósito comum de restabelecer a confiança popular nas instituições da República.

Precisa encontrar caminhos comuns que levem o país a reencontrar-se consigo mesmo, com suas instituições e, sobretudo, com os objetivos que inspiraram os fundadores desta Pátria e os que posteriormente a tornaram republicana.

Estabelecemos os fundamentos de uma bela civilização – multicultural e multirracial. Nossos conflitos não têm fundamento étnico ou religioso. São perfeitamente equacionáveis e solúveis, já que dependem apenas de determinação política.

E é essa determinação política, que deve ser fator de união e não de radicalismos, que deve estar na mente dos que serão eleitos em outubro próximo. O Brasil carece de entendimento, de paz política, para melhor pensar, discernir e resolver seus problemas e desafios. Que não são poucos.

Precisamos de concertação política, entendimento – não de radicalismos.

Justiça se faz com coragem e bom senso, mas também com serenidade. E aqui invoco o pensamento do escritor português de meados do século passado, Júlio Dantas, que ensinava (abre aspas):

“Não são os violentos e os explosivos que mandam: são os homens calmos, plácidos e impassíveis. São aqueles que conservam o Poder de decidir e de resolver quando todos à sua volta estão perplexos e perturbados; são aqueles que crêem quando todos duvidam; são aqueles, enfim, que, quando tudo está perdido, encontram ainda, no momento supremo, o gesto que redime e a palavra que salva”. (fecha aspas)

Com estas palavras, ele traçava o perfil de um verdadeiro magistrado, indicando a maneira mais eficaz de se administrar e superar um quadro de crise. Não há lugar mais apropriado para degustar tal pensamento que esta Corte, templo da sensatez, da inteligência e da Justiça.

Finalizo, sra. Presidente, sras. e srs. Ministros, com o personagem que evoquei no início desta minha fala – Ruy Barbosa.

É dele o credo político com que concluo esta minha participação nesta singela e significativa solenidade – e que espero leve à reflexão os que presentemente se candidatam ao voto popular nas urnas eleitorais, e os oriente quanto à conduta futura depois de eleitos.

Eis o credo: (abre aspas)

“Rejeito as doutrinas de arbítrio; abomino as ditaduras de todos os gêneros, militares ou científicas, coroadas ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de Estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância; e, quando esta se traduz pela abolição geral das grandes instituições docentes, isto é, pela hostilidade radical à inteligência do país nos focos mais altos da sua cultura, a estúpida selvageria dessa fórmula administrativa impressiona-me como o bramir de um oceano de barbárie ameaçando as fronteiras de nossa nacionalidade.” (fecha aspas)

Não tenho dúvidas de que, mais de um século após sua enunciação, esse credo é integralmente subscrito pela imensa maioria da advocacia brasileira. E não tenho dúvida também que corresponde ao pensamento dominante da magistratura brasileira, guardiã da cidadania, da República e de suas instituições – parceira da advocacia na administração da Justiça, sumo bem da civilização humana.

Muito obrigado.