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Fonteles apóia cruzada da OAB contra cursos de má qualidade

O procurador-geral da Republica, Cláudio Fonteles, apoiou hoje (08/03) a campanha liderada pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, contra a proliferação de cursos jurídicos de má qualidade no Brasil. Em encontro realizado na sede da Procuradoria, Fonteles afirmou que pretende provocar o ministro da Educação, Tarso Genro, a fazer uma reflexão densa sobre o tema e estudará a apresentação de uma recomendação ao Ministério para garantir a boa prestação da educação no País. “Todos ganhamos ao empunhar a bandeira da qualificação profissional. Ganha a sociedade brasileira e também o profissional consciente e sério do mundo jurídico”, afirmou Fonteles.

O presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB, Paulo Roberto Medina, que acompanhou Busato no encontro, apresentou ao procurador-geral da República os problemas que mais têm preocupado a entidade no tocante ao futuro do ensino jurídico do Brasil. Ele entregou a Fonteles uma exposição das principais críticas feitas ao Ministério da Educação pela entidade, como a concessão sem critérios de autorizações para a abertura de cursos sem qualidade; o fato de os pareceres da OAB quanto à abertura de cursos terem caráter meramente opinativo e não normativo; e a quase inexistência de fiscalização nas faculdades de Direito brasileiras.

“Queremos estabelecer um intercâmbio com o Ministério Público que seja capaz de contribuir para a existência de uma fiscalização mais rigorosa desses cursos de má qualidade”, propôs Roberto Busato. No encontro, Paulo Medina falou da vulgarização do ensino jurídico público e da concorrência acirrada entre as faculdades privadas. Para ele, o futuro dos cursos de Direito no País está “à beira do caos”.

Cláudio Fonteles concordou com o principal critério que vem sido defendido pela Comissão de Ensino Jurídico da OAB para a abertura de novos cursos de Direito, que é o da necessidade social do curso. “Não se pode criar um curso a cada esquina neste País e o MEC tem que se envolver mais e equacionar este problema”, afirmou. “O Brasil convive com a abertura enorme de cursos, mas e a qualidade desses cursos? Qual é”, questionou o procurador-geral da República, que também é professor na área de Processo Penal.

“A OAB está trazendo à tona uma preocupação que é minha, não só como profissional da área, mas também do Ministério Público, que tem o dever de zelar pela qualidade do ensino jurídico, que hoje deixa a desejar”, acrescentou Fonteles.

No encontro, o presidente da OAB também apresentou os casos de morte por enforcamento registrados nos últimos cinco meses em hospitais psiquiátricos do Recife, em Pernambuco. Veja, a seguir, a íntegra do documento entregue ao procurador geral da República:

Senhor Procurador-Geral da República :

Temos a honra de dirigir-nos a Vossa Excelência para expor alguns problemas com que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil vem-se defrontando no cumprimento de atribuição que a lei lhe confere e que envolvem interesse difuso da maior relevância, a inserir-se, por isso mesmo, na órbita de competência do Ministério Público Federal. Trata-se de problemas relativos ao ensino jurídico, setor subordinado ao controle e à supervisão da União (Lei nº 9.394/96-LDB, art. 9º, IX), em que a OAB deve atuar, por força de lei (Lei nº 8.906/1994-Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), competindo-lhe colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar previamente nos pedidos de autorização e reconhecimento desses cursos (Lei cit., art. 54, XV; Decreto nº 3.860/2001, art. 28), na linha de uma de suas missões institucionais, qual seja a de pugnar pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (Lei cit., art. 44, I).

Seria escusado dizer que os graves problemas vividos pelo ensino jurídico, no Brasil, decorrem do crescimento desordenado dos cursos, que chegam, hoje, no país, a 769, segundo dados do INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. A política extremamente liberal adotada pelos órgãos competentes nas autorizações de cursos, sem levar em conta um dos critérios básicos para tanto, que seria o da necessidade social e sem sujeitar a crivo mais rigoroso a viabilidade dos projetos apresentados por instituições de ensino, em função da verossimilhança das condições descritas nesses projetos, vem gerando, no campo do ensino jurídico, um clima de laisser faire, laisser passer, dando a aparente impressão de que o Estado se desliga, progressivamente, de sua missão de controle e fiscalização. A par disso, a força de poderosas instituições particulares, organizadas sob forma empresarial, é cada vez mais intensa nessa área, expressando-se em lobbies influentes junto à representação política e culminando por fazer prevalecer seus interesses mercantis, em detrimento da preocupação com um ensino de qualidade. Daí a proliferação indiscriminada de cursos de direito e as condições precárias de funcionamento de muitos deles.

Há sinais evidentes de discrepância entre as condições de funcionamento de determinados cursos e o projeto pedagógico submetido aos órgãos competentes. Nem sempre o corpo docente em atividade corresponde ao quadro integrante daquele projeto. Neste, para atender às exigências da legislação, figuram professores qualificados, que não vão residir no local ou na região do curso ou que neste não chegam a lecionar, sendo, na prática, substituídos por profissionais improvisados na função docente. A estrutura física de algumas instituições revela-se também diferente na realidade, sem oferecer condições adequadas ao funcionamento das classes. Tem-se notícia, mesmo, de cursos que estariam sendo ministrados em instalações improvisadas, em convivência promíscua com as atividades a que se destinam. E chegam-nos informações, até, de cursos que ofereceriam turnos pré-matutinos, com aulas ministradas de madrugada…

Se tais situações carecem de apuração adequada, não representando uma constante suscetível de comprometer o panorama do ensino jurídico, o certo é que problema de igual gravidade vem ocorrendo, em descompasso com decisão já proferida, nesse sentido, pelo Superior Tribunal de Justiça. Referimo-nos ao aumento de vagas nos cursos, que, mesmo em se tratando de universidades, dotadas de autonomia didática e administrativa, não pode subtrair-se à aprovação dos órgãos competentes, quando importam alteração substancial no projeto pedagógico. Veja-se o que, a esse respeito, decidiu aquele Egrégio Tribunal, no Mandado de Segurança nº 8219/2002, impetrado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Portaria MEC nº 2.402/2001 (Acórdão anexo). Não obstante, proliferam os chamados cursos fora de sede, que, além de ferirem, em alguns casos, a legislação vigente no que diz respeito à sua própria instalação, caracterizam flagrante afronta a essa orientação jurisprudencial pelo simples fato de implicarem, necessariamente, a criação de novas turmas, com aumento de vagas em relação ao previsto no respectivo projeto pedagógico. E essas situações se criam sem que o Conselho Federal da OAB seja chamado a manifestar-se, como é do seu dever e da sua competência !

O Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001 (que Dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências) estabelece, no seu art. 10, que “As universidades, mediante prévia autorização do Poder Executivo, poderão criar cursos superiores em municípios diversos de sua sede, definida nos atos legais de seu credenciamento, desde que situados na mesma unidade da federação.”. Embora essa disposição contenha, em si mesma, interpretação extensiva do preceituado no art. 53, I, da LDB-Lei de Diretrizes e Bases da Educação, verifica-se que algumas universidades, por meio de artifícios diversos, estão burlando a norma transcrita, para instalar cursos em outras unidades da federação, distintas daquela em que têm sede. Há, pelo menos, um caso de instituição – o da Universidade Salgado de Oliveira-UNIVERSO, com sede em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro – que, invocando decisão, em seu favor, do Superior Tribunal de Justiça – a que, na verdade, está dando interpretação distorcida -, pretende fazer sobrepor o respectivo estatuto à disposição do citado Decreto, julgando-se autorizada, assim, a abrir cursos em qualquer parte do território nacional pelo simples fato de aquele ato constitutivo, homologado pelo MEC, prever tal hipótese ! O fato é, aqui, mencionado expressamente, porque, sobre o assunto, o Presidente Nacional da OAB, na gestão anterior, já dirigiu ofício ao Senhor Ministro da Educação.

Problemas como os que ora expomos a Vossa Excelência, Senhor Procurador-Geral da República, multiplicam-se pelo país, dando matizes bizarros e hilariantes ao ensino jurídico ministrado por algumas instituições, criando, muitas vezes, um folclore em torno do assunto, esboçando um quadro da realidade em que pode haver distorções e exageros, mas subjacente ao qual existem, realmente, falhas, irregularidades e abusos a coibir. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, cujos poderes nesse campo são limitados, vê-se tolhido no seu desejo de apurar tais situações. O que pode fazer, quando tem notícia de fatos concretos, é representar aos órgãos competentes, para que se instaurem os competentes procedimentos de apuração.

Não faltam, é certo, motivos para crer numa reversão desse quadro. É alvissareira, a esse respeito, a recente iniciativa do Senhor Ministro TARSO GENRO, que, por meio da Portaria nº 411, de 12 de fevereiro de 2004, além de suspender pelo prazo de 90 (noventa) dias, a homologação de pareceres referentes à autorização e reconhecimento de cursos de direito, criou Grupo Executivo com a finalidade de reexaminar as normas e a sistemática pertinentes ao processo de autorização e reconhecimento dos cursos das instituições de ensino superior não públicas, incumbindo-o, ainda, de realizar, no mesmo prazo, a análise da pertinência legal e social das autorizações e reconhecimentos, especialmente dos cursos de direito, concedidos nos últimos 5 (cinco) anos.

Independentemente disso, porém, o Ministério Público, a que a Constituição brasileira confere papel destacado no quadro das instituições, dotando-o de poderes para defender o patrimônio social e os interesses difusos e coletivos, em juízo (Constituição, art. 129, III), poderá contribuir, decisivamente, para fazer cessar o estado de coisas dominante no campo do ensino jurídico, preservando-o das anomalias que nele se verificam. Como é sabido, a boa doutrina tem apontado os interesses relacionados à educação como exemplos que se enquadram na categoria dos interesses difusos, abrindo perspectivas, dessa forma, para a sua tutela por via da ação civil pública (Cf. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, A Ação Civil Pública e a Defesa dos Direitos Constitucionais Difusos, in Ação Civil Pública, ob. coletiva coordenada por Édis Milaré, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, pp. 182/184, nº 3.1.4). O Ministério Público tem sido, desde o advento desse meio processual de proteção dos interesses difusos e coletivos, o principal protagonista da ação civil pública ou aquele, dentre os seus legitimados ativos, que mais tem promovido ações dessa natureza, prestando, com isso, um relevante serviço à ordem jurídica nacional. Instrumentos acessórios dessa forma de tutela jurisdicional, como o Inquérito civil e o termo de ajustamento de conduta, que de tanto préstimo têm-se mostrado, na prática, poderão, igualmente, ser utilizados no que se refere ao ensino jurídico.

Tendo presentes considerações dessa natureza, Senhor Procurador-Geral da República, é que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representado por seu Presidente e com a participação do Conselheiro Federal a que incumbe a presidência de sua Comissão de Ensino Jurídico, vem à presença de Vossa Excelência, a fim de manifestar a expectativa que nutre no sentido de uma atuação conjunta do Ministério Público Federal e da OAB nesse campo, com o escopo de defender os interesses difusos pertinentes à educação jurídica. Desejamos encontrar na nobre instituição do Ministério Público interlocutores, aptos a fazer ecoar, no plano institucional, as nossas preocupações com os problemas do ensino jurídico, adotando as medidas corretivas que esses reclamem. Esperamos, confiantes na atuação do Ministério Público, que, nas várias unidades da federação, os ilustres Procuradores da República estejam atentos a esses problemas e possam adotar, de ofício ou atendendo a representação da OAB, as providências pertinentes.

Aproveitamos o ensejo para renovar as expressões do nosso mais alto apreço.

ROBERTO ANTONIO BUSATOPresidente Nacional da OAB

PAULO ROBERTO DE GOUVÊA MEDINAPresidente da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB