Se não há Defensoria Pública em município, o Ministério Público estadual tem legitimidade para propor ação de execução de alimentos quando ele mesmo já a havia referendado. O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que, se o Ministério Público teve legitimidade para promover o acordo, terá também para executá-lo.
Diante da ação de execução de alimentos ajuizada em favor de uma em virtude do não-cumprimento do termo de acordo celebrado entre a menor e seu pai, perante o Ministério Público, a primeira instância julgou extinto o processo sem julgamento do mérito. A decisão teve como base os artigos 267, 295 e 598 do Código Processual Civil, concluindo pela ilegitimidade ativa do Ministério Público – já que a menor encontra-se sob a guarda e responsabilidade de sua mãe.
O Ministério Público apelou, mas o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), por maioria de votos, negou provimento à apelação. O TJ concluiu no mesmo sentido do juiz de primeiro grau, entendendo que, por tratar-se de menor que se encontra sob a guarda e responsabilidade da genitora, falta legitimidade ao MP para ajuizar a ação de alimentos como substituto processual. O Ministério Público do Paraná interpôs, então, recurso especial ao STJ, alegando violação do artigo 201, inciso III, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), sob o argumento de que o Acórdão do TJ, “ao entender pela impossibilidade de o Ministério Público atuar no pólo ativo da demanda de Alimentos, como substituto processual, vetou-lhe a proteção de direito indisponível e deixou indefesa criança, que mesmo sob a guarda e responsabilidade da mãe não tem condições de mover a referida ação contra o pai omisso”.Entende a relatora do processo no STJ, ministra Nancy Andrighi, que o artigo 201, inciso III, do ECA dá ao órgão ministerial pertinência subjetiva para promover e acompanhar as ações de alimentos, não figurando – no referido dispositivo de lei – qualquer ressalva ou condição capaz de limitar a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses da infância e da juventude. Segundo ressalta a relatora, é preciso observar que “a proteção do ECA é ampla, no sentido de salvaguardar os direitos das crianças e dos adolescentes em todos os casos, inobstante a existência de ‘situação irregular’ ou de abandono, visto que à própria condição de pessoa em desenvolvimento subjaz a vulnerabilidade e fragilidade a serem tuteladas pela sociedade”.
Para a ministra, os dispositivos inseridos no Estatuto não podem ter aplicação restrita aos procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude, já que isso dificultaria a principal finalidade da lei – que é a ilimitada e incondicionada proteção da criança e do adolescente. A relatora salientou que é possível verificar a violação de direito da criança, qual seja: não-cumprimento de obrigação de prestar alimentos assumida pelo alimentante em termo de acordo referendado pelo Ministério Público, o qual, diante da ofensa a direito indisponível da menor e da inércia do Estado em prover a comarca local da Defensoria Pública, invocou para si a defesa do direito subjetivo, em nome próprio, como substituto processual.
Conforme explica a ministra Nancy Andrighi, o caso trata da execução de acordo referendado pelo Ministério Público, no atendimento à comunidade, com o objetivo de preencher lacuna relativa à ausência de Defensoria Pública no município paranaense de Francisco Beltrão. “Se não amparada pelo Ministério Público, como poderia se socorrer a população que não tem condições de arcar com as despesas advindas de um processo, notadamente em uma comarca destituída de Defensoria Pública?”, questionou a ministra.
Tal enfoque, segundo a relatora, seria suficiente para conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para a propositura da ação em questão. Assim sendo, de acordo com ela, “encontra-se perfeitamente caracterizada a legitimidade do Ministério Público para atuar como substituto processual na ação de execução de prestação alimentícia em face do pai e em favor do menor, nos termos da literalidade do artigo 201, III, do ECA (…) não se descurando que a execução encontra-se fundada em acordo que o próprio MP referendou”. Diante disso, a ministra Nancy Andrighi deu provimento ao recurso para declarar o reconhecimento da atuação do órgão ministerial como “legitimado extraordinário” na defesa do interesse da criança.