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Transplantes de órgãos dos bebês portadores de anencefalia ainda com vida.

1- INTRODUÇÃO 2- REFERENCIAL TEÓRICO 3- METODOLOGIA3.1- MÉTODO DE ABORDAGEM 3.2- MÉTODO DE PROCEDIMENTO

1. INTRODUÇÃO

Essa pesquisa tem como tema o transplante de órgãos do bebê anencéfalo do ponto de vista moral, médico e legal.

A Constituição Federal Brasileira de 1988, arts. 3° e 5º, bem como o artigo 2º do código civil, garante o direito à vida desde a concepção. O Estado tem o dever de tutelar esse direito fundamental, não permitindo que Resoluções de caráter oportunista em flagrante desrespeito e desobediência à Carta Magna, ultrajem os princípios da inviolabilidade do direito à vida e a dignidade da pessoa humana, este, considerado como o princípio orientador de um Estado Democrático de Direito, que tem como fim precípuo criar meios e condições de proteção às pessoas em todos os seus valores, possibilitando o desenvolvimento pleno de suas aptidões para que assim possam ocupar o lugar destinado a cada um de nós.

Ocorre que a Resolução nº 1.752/2004 do Conselho Federal de Medicina, resolveu por sua vontade modificar o conceito de morte encefálica para morte cerebral, contrariando a norma da Lei nº 9.434/1997, a Lei dos Transplantes, que traz o conceito de morte encefálica, o que é totalmente diverso de morte cerebral..A grande conseqüência dessa alteração pelo Conselho Federal de Medicina gerou uma polêmica acerca da retirada de órgãos do bebê anencéfalo logo após seu nascimento com vida, para realização de transplante afetando, dessa forma, os princípios básicos da ética e do Direito, quando a questão conflituosa envolve uma vida humana.

A mudança introduzida pela resolução nº 1752/2004 não é aceita por toda a classe médica, quer seja pela divergência entre a definição de morte cerebral e morte encefálica, quer seja pelo repúdio ao ato de antecipar a morte de uma criança anencéfala, mesmo que seja para salvar a vida de outra criança à espera de um transplante.

Diante do exposto, é razoável que uma resolução do Conselho Federal de Medicina (nº 1.752/2004) autorize a remoção de órgãos do bebê anencéfalo imediatamente após seu nascimento com vida por considerá-lo um natimorto, contrariando a Lei de Transplantes que estabelece a retirada de órgãos e tecidos do doador após a constatação de morte encefálica?

O tema foi escolhido a partir da leitura de uma matéria publicada na revista jurídica, Justilex, que abordava sobre a polêmica em torno da remoção de órgãos dos bebês portadores de anencefalia ainda com vida, criando em mim uma necessidade de pesquisar com maior profundidade sobre a questão, e entender porque alguns médicos insistem em sustentar que o pouco tempo de vida é critério que determina a antecipação de morte do portador de anencefalia, num flagrante desrespeito aos princípios fundamentais expressos nos arts. 3º e 5º da nossa Constituição Brasileira, assim como a norma do art. 2° do Código Civil pátrio.

A relevância do tema se verifica pela necessidade de esclarecer que o bebê portador de anencefalia não é um ser totalmente desprovido de cérebro, ele não é uma coisa, mas um ser humano que não teve o completo desenvolvimento cerebral, o que é muito diferente de não possuir cérebro, portanto, essa anormalidade não retira dele os mesmos direitos assegurados aos bebês que nascem sadios, sendo o de maior prevalência a inviolabilidade do direito à vida.

Autorizar a remoção de órgãos do anencéfalo que nasce e respira espontaneamente, para transplante, mesmo que seja para salvar a vida de outra criança, é violar o direito à vida, à dignidade da pessoa humana, assegurados constitucionalmente, assim como, desconsiderar que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida segundo dispõe o art. 2º do Código Civil.

O fato de o bebê anencéfalo ter o desenvolvimento cerebral incompleto, não pode ser o argumento usado para negar todos os direitos que lhe são assegurados desde a sua concepção e o seu nascimento com vida, autorizando a retirada de seus órgãos quando ainda apresenta sinais vitais sem estar conectado a uma máquina de respiração artificial, ou seja, respira espontaneamente.

Para alcançar o objetivo geral, serão analisados objetivos específicos tais como: o contra-senso entre a Resolução nº 1.752/2004 redigida e aprovada pelo Conselho Federal de Medicina e o que determina a lei nº 9.434/1997(Lei dos Transplantes), no tocante à diferença entre morte cerebral e morte encefálica, assim como explicar o conceito de anencefalia; elaboração de um panorama do desenvolvimento do bebê anencéfalo e como tem aumentado o tempo de vida desses bebês, contrariando as expectativas médicas de que os mesmos morrem imediatamente, minutos ou horas depois do parto; análise dos argumentos referentes ao tema, do ponto de vista Bioético, Médico e Jurídico; mostrar qual a posição e medida adotada pelo Ministério da Saúde para evitar que a resolução do Conselho Federal de Medicina seja aplicada na prática antes de se chegar a um consenso pelas partes envolvidas, já citadas acima, não esquecendo que além destas, deve-se buscar a opinião de pais que têem ou tiveram experiências com crianças portadoras de anencefalia.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A Lei 9434, de 3/2/1997(conhecida como Lei de Transplantes) que “dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências”.

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplantes ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

O Conselho federal de Medicina, em sua Resolução nº 1.480 de 08/08/1997, estabeleceu critérios para a caracterização da “morte encefálica”. Em seu segundo “considerando”, a resolução diz que “a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte. O último dos “considerando”- e isto é muito importante- afirma que “ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios em crianças menores de 7 dias e prematuros”. O artigo 3º dessa resolução diz textualmente: a morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida”.

Segundo vários pesquisadores, tais critérios seriam apenas um prognóstico (o paciente está prestes a morrer), mas não um diagnóstico (o paciente já morreu). Argumentam que o critério da chamada morte encefálica só foi introduzido para justificar a remoção precoce de órgãos vitais para fins de transplante.

No entanto, ainda que consideremos válidos os critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, salta aos olhos que não se pode que o anencéfalo é um ente humano “morto” simplesmente porque não emite ondas cerebrais. Com efeito, ao se referir à morte, a Resolução fala em “parada total e irreversível das funções encefálicas”. Ora, só pode parar aquilo que está em movimento. Só pode morrer o que está vivo.

Note-se que o Conselho Federal de Medicina não se refere à ausência de funções encefálicas, mas à sua perda, à sua parada. È, portanto, pressuposto essencial para passar pelo evento denominado morte que o ente humano tenha estado anteriormente vivo. Se assim não fosse, chegaríamos à absurda conclusão de que um nascituro de menos de seis semanas está “morto” por não emitir ondas cerebrais. Se ele não as emite, é pelo simples fato de seu cérebro ainda não ter sido formado. A vida humana, porém, está presente desde a concepção, e é a partir desse momento (e não a partir de ondas cerebrais) que a lei põe a salvo os direitos do nascituro (art.2º, Código Civil). È, portanto, um erro grave servir-se da Lei 9434, de 3/2/1997 e da Resolução nº 1.480 de 08/08/1997 do CFM, para concluir que o anencéfalo está “morto”. Note-se ainda que tais critérios não sejam aplicáveis com segurança a crianças “menores de 7 dias e prematuros”.

Vejamos o que dispõe a Resolução acima citada: O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e considerando que os anencéfalos são natimortos cerebrais (por não possuírem os hemisférios cerebrais) que têm parada cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas pós-parto, quando muitos órgãos e tecidos podem ter sofrido franca hipoxemia, tornando inviáveis para transplantes;

CONSIDERANDO que para os anencéfalos, por sua inviabilidade vital em decorrência da sua ausência de cérebro, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica;CONSIDERANDO que os anencéfalos podem dispor de órgãos e tecidos viáveis para transplantes, principalmente em crianças;CONSIDERANDO que as crianças devem preferencialmente receber órgãos com dimensões compatíveis;CONSIDERANDO que a Resolução CFM nº 1.480/97, em seu artigo 3º cita, que a morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida, sendo o anencéfalo o resultado de um processo irreversível, e de causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro;CONSIDERANDO que os pais demonstram o mais elevado sentimento solidariedade quando, ao invés de solicitar uma antecipação terapêutica do parto, optam por gestar um ente que sabem que jamais viverá, doando seus órgãos e tecidos possíveis de serem transplantados;CONSIDERANDO o parecer CFM nº 24/03, aprovado na sessão plenária de 9 de maio de 2003;CONSIDERANDO o Fórum Nacional sobre Anencefalia e Doação de órgãos, realizado em 16 de junho de 2004 na sede do CFM;CONSIDERANDO várias contribuições recebidas de instituições éticas, científicas e legais;CONSIDERANDO a decisão do Plenário do Conselho Federal de Medicina, em 8 de setembro de 2004, resolve:Art. 1º Uma vez autorizado formalmente pelos pais, o médico poderá realizar o transplante de órgãos e/ou tecidos do anencéfalo, após seu nascimento. Art. 2º A vontade dos pais deve ser manifestada formalmente, no mínimo 15 dias antes da data provável do nascimento. Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.Art. 4º Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

No sentido literal, anencefalia significa ausência do encéfalo. Essa definição é falha, uma vez que o encéfalo compreende além do cérebro, o cerebelo e o tronco cerebral. Os bebês anencéfalos, embora não tenham cérebro, ou boa parte dele, tem o tronco cerebral funcionando. Este, por sua vez, é constituído principalmente pelo bulbo, um alongamento da medula espinhal que controla importantes funções do nosso organismo, entre elas: a respiração, o ritmo dos batimentos cardíacos e certos atos reflexos (como a deglutição, o vômito, a tosse e o piscar dos olhos).

Segundo o Comitê de Bioética do Governo Italiano, “na realidade, define-se com este termo uma má-formação rara do tubo neural acontecida entre o 16º e o 26º dia de gestação, na qual se verifica ausência completa ou parcial da calota craniana e dos tecidos que a ela se sobrepõem e grau variado de má formação e destruição dos esboços do cérebro exposto”. A anencefalia admite graus. São palavras do Comitê:

“A dificuldade de classificação baseai-se sobre os fatos de que a anencefalia não é uma má-formação do tipo tudo ou nada, ou seja, não está ausente ou presente, mas trata-se de uma má formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves a quadros de indubitável anencefalia. Uma classificação rigorosa é, portanto, quase impossível”.

É impossível recorrer à genética para definir um anencéfalo. Não se conhece um gene responsável pela anencefalia, tudo indica que ela é uma má-formação adquirida, não congênita.

Por incrível que pareça, Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou em 8 de setembro de 2004, uma resolução que permite arrancar os órgãos de recém-nascidos anencéfalos mesmo antes que eles estejam mortos, ou seja, com o tronco cerebral ainda funcionando.Essa resolução confirma o Parecer n. 24, de 9 de maio de 2003, do conselheiro Marco Antônio Becker, que traz a seguinte recomendação:

“uma vez autorizado formalmente pelos pais, o médico poderá proceder ao transplante de órgãos do anencéfalo após a sua expulsão ou retirada do útero materno; dada a incompatibilidade vital que o ente apresenta, por não possuir a parte nobre e vital do cérebro, tratando-se de processo irreversível, mesmo que o tronco cerebral esteja temporariamente funcionante”.

Já no início de 2004, o médico Dr. Sérgio Ibiapina Ferreira Costa, CRM-PI 402, criticava duramente o parecer (agora transformado em resolução):

“Trata-se de decisão ética das mais difíceis na pratica clínica considerar como apto para a doação de órgão recém-nascido com o tronco encefálico funcionante, não importa quanto tempo, portanto, vivo. O próprio CFM, na resolução que dispõe sobre a morte encefálica define alguns pontos que não devem suscitar dúvidas para a sociedade quanto aos critérios de um ente morto. Com esse propósito, convém enfatizar que o anencéfalo, mesmo com a baixa expectativa de vida, detém tronco encefálico, respira após o nascimento, esboça movimentos e, na condição de ser vivente, a ninguém é dado o direito de praticar homicídio, promovendo a retirada de órgãos para serem transplantados.”

Também o Dr. Herbet Praxedes, em 10 de setembro de 2004, escreveu criticando duramente a novíssima resolução do Conselho Federal de Medicina:

[…] o CFM […] torna lícita a retirada de órgãos de crianças anencefálicas, nascidas vivas, desde que com a anuência de seus pais. Para a pesquisa em seres humanos a lei declara que há necessidade da assinatura, pelo ser, objeto da pesquisa, de um termo de consentimento Livre e Esclarecido. Será que aos pais aos quais isto venha ser proposto, e que, eventualmente, venham consentir no uso de seus filhos como doadores de órgãos, será dito claramente que essa retirada de órgãos será feita com a criança viva? Que médico se prestará a tão sinistro mister?[…] “Deus nos acuda!”.

A Resolução n. 1.752/2004 do CFM afirma que “os anencéfalos são natimortos cerebrais por não possuírem os hemisférios cerebrais”. Ora, nas palavras do Dr. Dernival da Silva Brandão (CRM52 00471.1), essa resolução é uma “excrescência”. De fato, não existe um “natimorto cerebral”. Um bebê é natimorto se nasceu morto. Caso contrário, é um nascido vivo. Não há uma terceira hipótese. A ausência de um cérebro não autoriza a falar de “natimorto cerebral”, assim como a ausência de um braço não nos permite falar de um “natimorto branquial”, e a ausência de um rim não nos permite falar em “natimorto renal”.

No caso, o Conselho Federal de Medicina extrapolou da atribuição que lhe conferiu a Lei dos Transplantes (Lei 9434/1997). Em nenhum momento a lei utiliza a expressão “morte cerebral” (“nem morte cortical”), o que daria a entender que a simples parada de funcionamento do cérebro (ou córtex cerebral) seria um sinal suficiente de morte. A Lei sempre fala em “morte encefálica”, o que significa que todo o encéfalo (incluindo aí o tronco cerebral) deve parar de funcionar para que um paciente seja considerado morto.

Na Resolução 1.752/2004, o CFM, mudou-se o conceito de morte encefálica para morte cerebral (ou cortical), contrariando o estabelecido em lei.Vale a pena transcrever aqui um trecho de um manual de “Neurologia Infantil” de autoria de ARON DIAMENT e SAUL CYPEL, descrevendo a anencefalia:

A MF (má formação) consiste na ausência ou formação defeituosa dos hemisférios cerebrais pelo não fechamento do neoroporo anterior […]. Geralmente, a criança nasce fora do termo, às vezes com poliidrâmnios e seu período de vida é curto: dias ou até poucas semanas, como já vimos em alguns casos […]. Responde a estímulos auditivos, vestibulares e dolorosos. Apresenta quase todos os reflexos primitivos dos RN (recém-nascido). Além de elevar o tronco, a partir da posição em decúbito dorsal, quando estendemos ou comprimimos os membros inferiores contra o plano da superfície em que está sendo examinada (manobra de Gamstorp).

O anencéfalo não é de fato ausente de cérebro, uma vez que a função do tronco cerebral está presente durante o curto período de sobrevida. Muito pouco se conhece sobre a função neurológica no recém-nascido anencéfalo um recente estudo em profundidade indica que eles estão funcionalmente mais próximos dos recém-nascidos normais do que de adultos em estado vegetativo crônico.

Essas considerações têm particular relevo na avaliação das capacidades do anencéfalo. A questão dessas crianças, manterem ou não algum tipo de relacionamento com o mundo exterior ou experimentarem sensações, mesmo na ausência total ou na presença de apenas resquícios dos hemisférios cerebrais, tem sido objeto de controvérsia pela possibilidade de ocorrência de certo grau de neuroplasticidade vertical a partir de estruturas encefálicas remanescentes.

Quanto mais precoce ocorre a malformação – no caso da anencefalia, ainda no primeiro mês- as possibilidades de um rearranjo no encéfalo em formação são bastante diferentes de um encéfalo adulto, onde existem maiores limitações. Algumas mães, acompanhando crianças com anencefalia, dizem perceber algum tipo de interação com seus filhos durante a gestação ou após o parto, e que classicamente têm sido atribuídas a meros reflexos. Esta controvérsia resultou na mudança de posição do Conselho de Ética da Associação Médica Americana (AMA) em 1995, quanto à autorização ética da retirada de órgãos de uma criança nascida viva com anencefalia.

A autorização baseava-se na assertiva que essas crianças nunca experimentaram e nunca experimentariam uma consciência. Entretanto, pouco tempo depois, a AMA (Associação Médica Americana) reconsiderou sua posição voltando a proibir a doação de órgãos fora dos padrões aceitos internacionalmente para morte encefálica, posição que ainda persiste.

Á época de sua consideração conclamou a comunidade científica a realizar mais estudos objetivando o esclarecimento do verdadeiro estado da consciência nos portadores de anencefalia. Recentemente alguns trabalhos com ultrassonografia em 4 d (quatro dimensões) , e Ressonância Nuclear Magnética têm realizado mais estudos nos fetos e crianças vivas com anencefalia com o intuito de melhor compreender a neurofisiologia desta afecção. Alguns estudos têm mostrado a possibilidade de um razoável grau de desenvolvimento cerebelar em certas crianças com anencefalia, logo, deve ser rejeitado o argumento de que o anencéfalo enquanto privado dos hemisférios cerebrais não está em condições, por definição, de ter consciência e provar sofrimentos.A anencefalia pertence à família de Defeitos de Soldadura do Tubo Neural (DSTN). Essa má formação congênita ocorre entre o 20º e o 28º dia após a concepção. As células da placa neural constituem o sistema nervoso do embrião. Em um desenvolvimento normal, elas dobram sobre si mesmas a fim de criarem o chamado tubo neural, que então se torna a coluna vertebral e dentro dela a coluna espinhal.

Depois de muitas transformações, o pólo superior do tubo neural finalmente torna-se o cérebro. Pode-se comparar esse processo com uma moeda cujas bordas unem-se ao centro. No caso de um DSTN, o tubo neural é incapaz de se fechar completamente. A anencefalia ocorre quando o final da extremidade superior do tubo neural deixa de fechar. Crianças com esse distúrbio nascem sem couro cabeludo, calota craniana, meninges, cérebros com seus hemisférios e cerebelo embora normalmente tenham preservado o tronco cerebral e o tecido cerebral restante é protegido somente por uma fina membrana.

Um especialista experiente usando o exame de ultra-som de alta resolução pode detectar a anencefalia logo pela 10ª semana. Em circunstâncias não ideais, contudo, a anencefalia não pode ser detectada ou excluída por um exame de ultra-som a 16ª semana de gravidez. Os níveis de Alfa Feto Proteína podem ser medidos por exame do soro materno (exame de sangue), liberada pelo feto através da urina no líquido amniótico.

O tecido exposto de uma criança sofrendo de um DSNT libera maiores quantidades de AFP no líquido amniótico que então, entra na corrente sanguínea da mãe através da placenta e pode assim ser medido. Se os níveis são altos, há o risco de que a criança possa sofrer de um DSTN. Testes posteriores devem ser feitos como exame de ultra-som ou amniocentese (punção do útero para retirada de amostra de líquido amniótico) para determinar se há realmente um problema. Os exames devem ser feitos entre a 15ª e a 20ª semana, sendo a melhor época a 16ª semana.

Ainda não se sabe o que causa a anencefalia, provavelmente ela é desencadeada por uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Contudo, a ingestão de ácido fólico antes da concepção pode prevenir em mais de 50% a ocorrência de DSTN. Alguns medicamentos como a pílula anticoncepcional, o ácido valpróico (anticonvulsivante), drogas antimetabólicas e outras, reduzem os níveis de absorção de ácido fólico, aumentando o risco de dar à luz uma criança com anencefalia.

Em relação á gravidez não existe grave intercorrências, o desconforto para a mãe ocorre quando há volume de líquido amniótico em excesso, isso se deve ao fato de que a criança não tem os reflexos que a habilitam a engolir o líquido amniótico. Uma amniocentese pode então ser feita para reduzir o volume de líquido que é removido com uma seringa, oferecendo assim, á mãe um alívio temporário. O trabalho de parto pode ocorrer prematuramente, ou a bolsa dágua pode se romper, normalmente o bebê ajuda a iniciar o parto com sua glândula pituitária e as supra-renais (glândulas dos rins). Contudo, se elas estão faltando ou se seu desenvolvimento foi atrofiado nas crianças anencéfalas, então o parto nem sempre começa espontaneamente, em conseqüência, muitas mulheres pedem que o parto seja induzido no fim de sua gestação.

Como a calota craniana está faltando, é ideal que a bolsa dágua demore a se romper durante o parto de tal modo que possa exercer a pressão necessária sobre o colo uterino para dilatá-lo Se for possível manter a bolsa dágua intacta, o nascimento de uma criança anencéfala acontecerá quase do mesmo modo como se mãe estivesse dando à luz uma criança sadia, e demorará o mesmo tempo. A experiência de mães de crianças anencéfalas tem mostrado que o rompimento artificial da bolsa reduz significativamente as chances de o bebê nascer vivo.

O corpo de uma criança anencéfala é inteiramente inafetado, entretanto, falta a calota craniana a partir das sobrancelhas um tecido neural de cor vívida vermelho-escura coberto apenas por uma fina membrana pode ser visto através de uma abertura na cabeça. O tamanho dessa abertura varia consideravelmente de uma criança para outra, os globos oculares podem projetar-se por causa de má-formação das órbitas.

Os médicos podem eventualmente, dizer que uma criança anencéfala não pode ver nem ouvir, nem sentir dor, que ela é comparável a um vegetal. Contudo, isso não condiz com a experiência de muitas famílias que têem tido filhos anencéfalos. O cérebro é afetado em graus variados, de acordo com a criança, o tecido cerebral pode alcançar diferentes estágios de desenvolvimento. Algumas crianças são capazes de engolir, comer, chorar, ouvir, sentir vibrações (sons altos), reagir a toques e mesmo à luz. Mas acima de tudo, elas respondem ao amor, e para isso não é preciso ter um cérebro completo para dar e receber amor e sim de um coração. Como a chamada anencefalia admite vários graus, a sobrevivência do bebê anencéfalo pode variar muito. Ele pode morrer ainda no útero materno. Pode viver sete minutos após o nascimento, como Maria Vida, filha de Gabriela Oliveira Cordeiro (Teresópolis – RJ, vinte horas como Thalles, filho de Janaína da Cezar (Brasília – DF), quatro dias, como Pedro filho de Mara Couto dos Santos Monteiro (Niterói-RJ), ou três meses, como Maria Teresa, filha de Ana Cecília Araújo Nunes (Fortaleza – CE).

Há ainda o conhecido caso da menina Manuela Teixeira, de Sobradinho (DF), que teve seu aborto recomendado aos setes meses por uma Promotoria de Justiça do Distrito Federal. O diagnóstico era de acrania (ausência de calota craniana). Se a criança houvesse morrido ao ser expulsa, o aborto teria sido consumado. No entanto, a criança não morreu ao sair da mãe, embora essa fosse a vontade dos médicos. Eis as palavras da mãe Gonçala Teixeira: “Os médicos acreditam que o parto induzido iria acelerar a morte do bebê. [sic!] eles não deixaram nem eu amamentar, pois diziam que ele ia morrer logo”. As palavras de Gonçala revelam o dolo do procedimento dos médicos, sua intenção de acelerar a morte da criança, em outras palavras, o “animus necandi”. Manu (ou Manuela) nasceu com 1780g e não tinha ausência total do crânio, como os médicos previam. Parte do crânio não existia e o cérebro estava exposto.

Contrariando as expectativas, Manu já fez dois aniversários. Suas roupas denunciam as deficiências. Aos dois anos e meio, veste roupas de um bebê de oitos meses. Com um desenvolvimento físico inferior ao de sua idade, Manu não fala, não anda e não há comprovação de que ela é capaz de enxergar. As pálpebras da menina permanecem quase o tempo todo fechadas. Todos os problemas não ofuscam o amor de Gonçala e de Renato pela filha. Hoje o casal se surpreende com cada reação que a criança tem. Gonçala beija, abraça e diz que Manu é sua bonequinha. “Ela adora tomar banho e vibra todas as vezes que damos o leite da tarde”, conta. Quando chega perto da mãe, a criança move discretamente o rosto e abre a boca, mostrando os dois dentinhos que nasceram. “Sei que ela me reconhece. Se ouve minha voz, começa a se mexer”, diz. Manuela só viria a morrer com três anos de nascida, no dia 14 de setembro de 2003. Seus pais sepultaram-na no cemitério de Brazlândia (DF). Seu cérebro rudimentar não foi capaz de mantê-la viva mais do que três anos após o nascimento. Mas ela teve vigor suficiente para sobreviver a uma tentativa de aborto!

Contrariando as previsões dos médicos, de que ficaria viva por poucas horas ou apenas alguns dias, Marcela de Jesus Galante, que nasceu com anencefalia no dia 20 de novembro de 2006, se tornou um verdadeiro símbolo de luta pela vida na cidade de Patrocínio Paulista, no Interior de São Paulo. Contra todas as previsões, ninguém acreditava que o bebê agüentaria tanto tempo.

Em vez do diagnóstico médico se concretizar, o coração da criança desprovida de córtex cerebral continuou batendo. Cacilda conta que recebeu informação dos médicos sobre a possibilidade e a autorização para “antecipar o parto”. Católica, a mãe recusou a sugestão. “Os médios nunca davam esperança. Todas as vezes que ia ao médico saía triste. Mas era só sentir o bebê se mexendo e chutando a minha barriga que ficava feliz de novo”, revive Cacilda, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo. A médica responsável pelos cuidados de Marcela, a pediatra Márcia Beani Barcellos, explica que a criança tem algumas reações normais de um bebê. “Quando alguém põe o dedo perto de sua mãozinha, ela o agarra, como qualquer bebê. Sente dor na parte que lhe falta da cabeça”, detalha.

A médica acrescenta ainda que Marcela emite pequenos sons na forma de um “a”curto. Ainda, o bebê mamou no peito da mãe. Só bastou encostar na sua boca o peito de Cacilda.A pediatra já cogita dar alta para o bebê ir para casa. Nos quatro meses, Marcela fez exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética, ambos em Franca (a 400 km de SP), que comprovaram o quadro de anencefalia. A menina tem apenas uma parte do encéfalo (cérebro), o tronco cerebral, que a mantém viva, contrariando até o ultra-som feito antes do nascimento, que indicava pouca chance de sobrevivência. A mãe, Cacilda Galante Ferreira, não sai do lado da filha desde o nascimento.

No dia 18 de abril de 2007 completou cinco meses de vida, recebeu alta hospitalar da Santa Casa de Patrocínio Paulista, no interior de São Paulo. Marcela precisará usar um concentrador de oxigênio elétrico, aparelho para auxiliar na respiração. Marcela chegou em casa no colo da mãe, numa ambulância sob a supervisão da pediatra Márcia Beani Barcellos. A médica visitará o bebê duas a três vezes por semana e uma equipe do Programa de Saúde da Família fará o acompanhamento diário da evolução de Marcela. Para dar maior ênfase à discussão acerca do tema a que se refere este projeto, analisaremos os aspectos bioéticos, médicos e jurídicos dos transplantes de órgãos de bebês portadores de anencefalia. Mesmo havendo o comovente gesto do consentimento materno da criança que vai nascer com anencefalia, é discutível a legalidade e a eticidade daquela conduta, principalmente se levarmos em conta os critérios adotados para um conceito criterioso de morte.

A valorização do corpo humano, como reserva de órgãos e tecidos, não deixa de suscitar certas dificuldades de ordem ética e jurídica, pelo fato de ser o corpo, em princípio, inviolável e inalienável. Indubitavelmente, as operações de transplantes, em nome dessa inviolabilidade, não podem ser de todo proibidas. Cabe, entretanto, uma regra de conduta, a fim de que se lhe definam as condições operacionais, proporcionando-se, destarte, um caráter de aceitabilidade.

Os que defendem a utilização de órgãos dos bebês anencéfalos, após o nascimento, admitem não ser necessário esperar a morte do tronco cerebral e a cessação da vida vegetativa autônoma, pois as crianças sem cérebro já foram consideradas cientificamente sem vida e incapazes de existir por si sós. De outro lado, existem entre os neurologistas, aqueles que asseguram haver atividade do tronco cerebral nos anencéfalos, os quais sobrevivem por algum tempo mantendo a respiração, os movimentos e a sugação.

Fala-se que a remoção de órgãos de um recém-nascido anencéfalo é uma questão legal. Contudo não se deve esquecer que a norma alusiva à utilização de órgão e tecidos humanos para transplantes se refere à morte encefálica, traduzida pelos critérios adotados pelo Conselho Federal de Medicina – Resolução nº 1.480/97.

Diagnosticar a morte,

“não é apenas comparar a morte de um órgão, mesmo sendo ele importante para a vida. É, muito mais, comprovar a ausência de funções vitais que evidenciam danos estruturais ou orgânicos. Os anencéfalos nascidos vivos, mesmo tendo uma atividade cerebral muito reduzida, apresentam manifestações de vida organizada e, por isso, dentro dos critérios atuais, seria difícil considerá-los em morte encefálica. Esta, por sua vez, não é um tipo especial de morte, mas um estado definitivo de morte. E mais, com certeza, quando essas crianças nascerem serão transferidas para as unidades de cuidados intensivos, submetida à ventilação eletiva como potenciais doadoras de órgãos, até se encontrar um receptor ideal, nos moldes de verdadeiros armarinhos de estruturas humanas”.Por fim, resta saber se é possível reformular os critérios atuais da definição de morte, considerando-a como a perda irreversível das funções cerebrais superiores, sem levar em conta as funções do tronco cerebral. Isto, no entanto, não deixa de ser temerário, mudar no sentido permissivo, apenas para atender situações limitadas e esporádicas na utilização de estruturas humanas para transplante. Ou entender que a retirada de órgãos de anencéfalos já acata as recomendações hoje adotadas no protocolo de morte encefálica de recém-nascidos, ou, finalmente, se tais procedimentos estão ultrapassando os limites tolerados pela ética e pela lei. Dizer, no entanto, que o anencéfalo está mais ou menos morto é um argumento no mínimo duvidoso.

De acordo com o advogado militante da organização não governamental Pró Vida Família, Paulo Fernando Melo,

[…] O Conselho Federal de Medicina é um órgão respeitado, do ponto de vista técnico e científico, mas não pode estar acima da lei. Até mesmo na hierarquia das leis não pode uma resolução estar acima da Constituição. […] Nossa legislação é muito clara quando fala de inviolabilidade do direito à vida. Não se pode condenar uma criança simplesmente porque ela está com uma doença. Isso reporta ao nazismo. È o que chamaria de nova eugenia, ou seja, só os bons devem permanecer vivos. […] Mas não me parece razoável matar um para poder salvar o outro.

Do ponto de vista do Ministério da Saúde, o transplante de órgãos e tecidos de bebês anencéfalos, até que ele pare de respirar, fere princípios éticos e legais. Por esse motivo o referido Ministério proibiu através da portaria GM/MS nº487 de 02 de Março de 2007, a resolução do Conselho Federal de Medicina no que tange o transplante de órgãos e tecidos de bebês anencéfalos, até que seja constatada uma parada cardíaca irreversível, pois entende que se o anencéfalo nasce e respira é um ser humano e precisa ser protegido.

3. METODOLOGIA 3.1- MÈTODO DE ABORDAGEM

O trabalho utilizará como metodologia a dedução através da qual explicar-se á o conteúdo das premissas após a análise das informações coletadas na doutrina, em revistas, legislações, textos de internet, reportagens entre outras fontes bibliográficas. Dessa forma será possível a conclusão do estudo e a confirmação da hipótese defendida pelo projeto.

3.2- MÉTODO DE PROCEDIMENTO

O procedimento a ser utilizado será a comparação entre as legislações que abordam o assunto. Será também feita uma pesquisa de campo através de entrevistas a juristas, médicos e pessoas envolvidas a fim de coletar informações para a elaboração da monografia e obter a confirmação da hipótese levantada.