Do universo subjetivo da pessoa humana nasce o direito, bem como uma gama de prerrogativas inerentes ao ser. Adquire-se direito ao adentrar a vida, para uns ainda no ventre materno, para outros, logo ao sair. Há de se dizer que, em toda a história da humanidade, houveram atritos e desconsertos no que se refere à aquisição do direito a vida. Em países como a China, por exemplo, pode-se fazer aborto a qualquer tempo da gravidez, em outros, como o Brasil, é crime punido com severas penas.
A legislação vigente no país, sobre o aborto, diz que é crime, desde que provocado pela mãe (art.124 CP) ou provocado por terceiro (art. 125 e 126 CP), sem prejuízo destes artigos temos o aborto necessário e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro (art. 127 e 128 CP), que são a autorização do Estado para que seja efetuado tal procedimento e donde nasce a total nulidade do inciso II do artigo 128 do Código Penal, considerando que há conceito diverso na Magna Lei.
O aborto necessário ou terapêutico (art. 128, inc. I, CP) e o sentimental ou humanitário (art. 128, inc. II, CP), como são chamados pelos doutrinadores, são a autorização do Estado para que o médico ceife a vida do feto, logicamente, desde que sobrepostas determinadas situações inerentes a cada caso.
A inconstitucionalidade vem à tona, exatamente no que tange ao choque normativo desse instituto com a preconização na Constituição Federal, que tratam da correlação desses temas, ou seja da pessoalidade da pena.
Aliás, o supedâneo da égide pela inconstitucionalidade nasce justamente do Princípio da Pessoalidade da Pena, que aduz a individualidade da pena imposta ao condenado, há também, correlato, o Princípio da Culpabilidade, que expõe a proporção das penas quando do concurso de pessoas ou diante de sua culpabilidade. A doutrina majoritária dá relevante importância a esse princípio, em especial, e transporta seu sentido para o campo dos direitos individuais, como pode ser observado na Constituição.
A Constituição traz um capítulo próprio tratando dos direitos individuais, demonstrando a nítida relevância do tema, ademais é amplamente discutido pela doutrina, que verifica a irrenunciabilidade, e para tanto, fica desarrazoada toda e qualquer refutação à desproporção e confronto, aqui exposto, do inciso II do artigo 128 face ao inciso XLV do artigo 5º da Constituição Federal.
Tendo em vista o conceito constitucional e principiológico da questão, é de extrema importância que seja esplanado e discutido, pois urge de uma solução.
O contido no inciso II do artigo 128 do Código Penal nos remete ao entendimento de que está sendo executada uma vida pelo repudiante ato de uma outra, sendo que o infrator tem todo direito a defesa, bem como ao devido processo legal e até mesmo a reintegração na sociedade, logicamente depois do cumprimento das penas a tal crime impostas.
É interessante denotarmos que é uma norma constitucional que está sendo afrontada, onde temos no inciso XLV do artigo 5º da Constituição Federal que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens serem estendidas aos sucessores até o limite dos bens transferidos pelo condenado.
A intenção é clara e óbvia, não necessitando de maiores interpretações. O abortado será condenado pela própria mãe, à morte, sem ter ao menos chance de se pronunciar sobre o caso.
Claro está, que não é compatível a norma infraconstitucional com a Carta Magna, visto que antes mesmo da penalização, teria que haver a cominação legal do fato imputado como crime, o devido processo legal e a obediência ao tipo de pena imposta ao crime que, diga-se de passagem, consoante com o artigo 5º, inciso XLVII, é vedada a pena de morte, salvo em caso de guerra.
Como podemos observar há um contra-senso jurídico precedido pela inconstitucionalidade, maxima venia aos defensores da ordem legal, mas é gritante o descompasso normativo.
Existe um argumento, comumente usado, que é razoável e merecedor de atenção, que é a liberdade corporal e sexual da mulher, todavia não podemos nos embasar numa razão secundária, tido o caráter único, primário e indiscutível do direito a vida. A vida é, sem margem de dúvidas, mais relevante que a liberdade da mulher, não é complacente nem legítimo tal defrontação.
O fato da gravidez ser fruto de estupro não poderia ter o condão de gerar esse poder, é muito sério, se levarmos em conta que uma vida humana está sendo banida do mundo por que um homem praticou um crime, é uma espécie de pena de morte imposta a terceiro. Mas mesmo que houvesse pena de morte no nosso ordenamento jurídico , ainda assim ela deveria ser executada, unicamente, contra a pessoa do criminoso e não, como podemos observar, contra um feto, ainda mais sabendo que a imputabilidade penal se dá aos 18 anos de idade, portanto, não há razões normativas, lógicas e nem racionais, para o aborto sentimental. O próprio caput do artigo Constitucional, remete a esse discernimento. Deveras, temos o infringimento de vários princípios constitucionais.
Não deixemos de citar que a liberdade da mulher perfaz um Princípio, porém, tido o choque deles, a melhor compreensão é, sem margem de dúvidas, a prioridade do Direito a vida.
A peroração do assunto, que é controverso, se dá na proibição do aborto em caso de estupro pelos motivos supra mencionados. Quiçá, num futuro não muito distante, nossa sociedade consiga compreender tal contrariedade, ademais cabe a nós, acadêmicos, a luta para que o direito sempre surja como fonte regente, e dessa forma, seja uma inesgotável Justiça. Data venia aos opositores de nossa idéia, mas é salutar que possamos expô-las, para que sejam feitas críticas e correções, e assim nos fazer crescer e aprender mais, das ciências jurídicas.