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Ilegalidade do recolhimento de PPD e aplicação da autuação do inciso V do artigo 162 do CTB

Com a edição da Resolução nº 168, de 14 de dezembro de 2004, o CONTRAN fez surgir no cenário jurídico nacional mais uma norma fadada à ilegalidade, especificamente no que concerne ao previsto no § 5º do seu artigo 34, segundo o qual, para efeito de fiscalização, fica concedido ao condutor portador de Permissão para Dirigir (PPD), prazo idêntico ao estabelecido no art. 162, inciso V, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), aplicando-se a mesma penalidade e medida administrativa ali prevista caso este prazo seja excedido.

Segundo se depreende da dicção do referido comando normativo fica estendida à PPD o prazo de validade da habilitação por mais 30 (trinta) dias após o vencimento do exame de aptidão física e mental, aplicando-se ao condutor que não observar o referido prazo a penalidade de multa (infração gravíssima) e as medidas administrativas de recolhimento da habilitação e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado.

Anteriormente à edição da presente resolução o prazo era concedido por força do disposto na Portaria nº 28/99 do DENATRAN, a qual era silente, entretanto, com referência ao recolhimento da PPD e ao enquadramento da infração de trânsito a ser imputada ao condutor que transitasse com veículo após o transcurso do referido prazo.

No Estado de São Paulo o recolhimento da habilitação era disciplinado pela Deliberação nº 199 do CETRAN, de 06 de outubro de 2000, aplicável à infração da qual pudesse resultar a imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir, a qual dispunha in verbis:

“O Código de Trânsito Brasileiro estabelece como uma das medidas administrativas, a retenção do documento de habilitação, em infração da qual possa resultar a suspensão do direito de dirigir.

Cabe à autoridade de trânsito, após processo regular, suspender o direito de dirigir (art. 272) de quem foi personagem de ato infracional (art. 280).

O recolhimento do documento pressupõe que será dado um recibo ao seu proprietário. O CTB é omisso, e cabe ao CONTRAN regulamentá-lo, para que o condutor não seja impedido de dirigir. Até que o CONTRAN regulamente o recolhimento do documento (que se afigura de duvidosa constitucionalidade, face ao art. 5º, II, LV e LVII da Constituição Federal), os agentes referidos no art. 280 devem se abster de recolher documento de habilitação, mesmo porque, em tese, incorreriam em abuso de autoridade”.

O teor da deliberação acima versa somente sobre os casos onde houver a penalidade de suspensão do direito de dirigir, sendo silente no tocante às hipóteses de recolhimento decorrentes de suspeita de autenticidade/adulteração ou em virtude do vencimento do prazo de 30 dias do exame de aptidão física e mental, este especificamente para a CNH, não havendo, portanto, nenhuma hipótese legal para o recolhimento da PPD.Ex positis, numa análise preliminar, poderíamos dizer que aquele órgão colegiado teria corrigido um velho dilema do CTB, ao estabelecer igualdade de tratamento entre os possuidores de CNH e de PPD quanto à concessão do prazo de “graça” e ao recolhimento do documento, aliado ao fato de penalizar o condutor de forma mais branda.

Assim seria, se acaso tivessem sido observadas as disposições constantes do CTB, sendo objetivo deste artigo demonstrar, jurídica e tecnicamente, as ileglidades constantes do referido texto legal, através de uma análise detida e minuciosa sobre as normas relativas à habilitação, especificamente no que concerne ao tratamento a ser observado aos possuidores de PPD.

Prescreve o CTB que a Carteira Nacional de Habilitação, expedida em conformidade com as especificações do CONTRAN, tem fé pública e equivale a documento de identidade em todo o território nacional (art. 159), sendo obrigatório o porte da PPD e da CNH quando o condutor estiver à direção do veículo (§ 1º), devendo sempre ser apresentadas em original (§5º) e estando a sua validade condicionada ao prazo de vigência do exame de aptidão física e mental (§ 10).

Dessa forma, antecedentemente, estabelece o § 2º do artigo 148 que ao candidato aprovado no processo de habilitação será conferido a PPD com validade de um ano, findo o qual, desde que o condutor não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média, ser-lhe-á conferida a CNH (§ 3º), de tal forma que a não obtenção desta, em virtude das situações acima delineadas, obriga o candidato a reiniciar todo o processo de habilitação (§ 4º), o que demonstra evidentemente que aquele condutor não é mais habilitado para a condução de veículos automotores e elétricos.As informações anteriormente citadas delimitam duas únicas condutas a serem observadas pelos agentes da autoridade de trânsito quando se depararem com um condutor portando uma PPD vencida há mais de 30 dias:

1) o condutor fiscalizado não incidiu na hipótese do § 3º do artigo 148, porém até a presente data não retirou junto ao órgão de trânsito estadual a sua CNH ou por ineficácia do órgão a mesma ainda não foi expedida, situações nas quais estaria conduzindo veículo sem portar documento obrigatório (CNH), infração esta tipificada no artigo 232.

2) o condutor abordado incidiu na hipótese mencionada, não lhe sendo conferida a CNH, razão pela qual, por ser obrigado a reiniciar todo o processo de habilitação, considera-se efetivamente não habilitado, situação na qual estaria conduzindo veículo sem possuir CNH ou PPD, infração esta capitulada no inciso I do artigo 162.

O agente da autoridade de trânsito deve confirmar as situações acima descritas através de consulta ao banco de dados do órgão executivo de trânsito do Estado, no caso de São Paulo através da PRODESP, bastando que se verifique a data de validade do exame de aptidão física e mental constante dos registros do RENACH, de tal forma que se a validade coincidir com aquela verificada na PPD estaremos diante de um condutor que não foi aprovado no processo de habilitação e, a contrario sensu, se a data informada demonstrar que houve a concessão da CNH (exame com validade para mais cinco anos) estaremos diante de um condutor habilitado, mas que não porta documento obrigatório exigido pelo CTB. Dispõe o artigo 161, in verbis:

“Art. 161 Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX.

Parágrafo único. As infrações cometidas em relação às resoluções do CONTRAN terão suas penalidades e medidas administrativas definidas nas próprias resoluções”.

É incontroverso que o CONTRAN pode, como órgão máximo normativo e consultivo do Sistema Nacional de Trânsito, estabelecer as normas regulamentares referidas pelo CTB e zelar pela uniformidade e cumprimento da normas ali referidas e nas resoluções complementares, como faz por exemplo no bojo das resoluções nº 12/98 (limite de peso e dimensões – sujeição às infrações do artigo 231, no que couber), 13/98 (documentos de porte obrigatório – sujeição à infração do artigo 232) e 157/04 (extintores de incêndio – sujeição às infrações dos incisos IX e X do artigo 230), dentre outras, destacando-se que em todas elas o poder regulamentar decorre do texto da lei (…conforme regulamentação e/ou estabelecido pelo CONTRAN) e as eventuais tipificações ofertadas guardam pertinência temática com o assunto tratado e com a própria infração de trânsito elencada em capítulo próprio do CTB.

As ilegalidades observadas nesta resolução, portanto, são de cunho jurídico, ao impor indevidamente ao condutor a tipificação constante do inciso I do artigo 162, ainda que esta lhe seja mais benéfica, situação impossibilitada em virtude da expressa previsão de seu texto legal, o qual faz menção somente à Carteira Nacional de Habilitação, não podendo o precitado órgão, a pretexto de regulamentar o disposto no artigo 141 (o qual explicita que somente o processo de habilitação, as normas de aprendizagem e a autorização para condução de ciclomotores serão objetos de regulamentação), exorbitar a competência que lhe foi concedida de forma a inserir questão não afeta a delegação expressa no comando normativo (concessão de prazo, recolhimento de PPD e tipificação de infração), criando situação jurídica não prevista pelo legislador, ofendendo as normas constitucionais insculpidas no inciso II do artigo 5º e no inciso XI do artigo 22 da Carta Magna. Além disso, salta aos olhos a grave impropriedade técnica cometida ao dispor que após o prazo de 30 dias o condutor deva ser considerado habilitado, uma vez que o § 4º do artigo 159 condiciona a validade da CNH, e tão somente desta, ao prazo de vigência do exame de aptidão física e mental, estando o condutor possuidor da PPD, após o decurso do período de prova e deste último prazo, apto a obter, irremediavelmente, a sua CNH ou a ser considerado inabilitado por ter sido reprovado no processo de formação, havendo infração de trânsito específica para abarcar tal situação (inciso I do artigo 162).

As infrações de trânsito lavradas sob a égide da citada resolução devem ser consideradas nulas de pleno direito, por serem totalmente insubsistentes, uma vez que todas incorrerão em erro de tipificação e impossibilidade jurídica, cabendo a cada um dos condutores eventualmente autuados ingressar com os recursos atinentes à espécie na esfera administrativa e judicial, se for o caso.

Resta a cada um de nós, operadores do direito, aguardar até que o CONTRAN reveja o seu posicionamento quanto ao previsto no § 5º do artigo 34 da Resolução nº 168/2004, propondo, se for o caso, aos nossos nobres legisladores, que providenciem a alteração do inciso I do artigo 162 do CTB, de forma a diminuir a penalidade de multa ali prevista e permitir o recolhimento de PPD vencida há mais de 30 dias caso o condutor a possua, ou providenciar a alteração do § 10 do artigo 159 e do inciso V do artigo 162, de forma a constar em ambos a expressão PPD, ainda que se saiba que o portador de PPD vencida há mais de 30 dias, que não possua CNH, é considerado inabilitado.