Do universo subjetivo da pessoa humana nasce o direito, bem como uma gama de prerrogativas inerentes ao ser. Adquire-se direito ao adentrar a vida, para uns ainda no ventre materno, para outros, logo ao sair . Há de se dizer que, em toda a história da humanidade, houveram atritos e desconsertos no que se refere a aquisição do direito a vida. Em países como a China, por exemplo, pode-se fazer aborto a qualquer tempo da gravidez, em outros, como o Brasil, é crime punido com severas penas.
A polêmica do feto anincéfalo ainda sacode as paredes do judiciário, vemos que as opiniões se contrafazem, fazendo com que uma decisão tenha que ser tomada, para que possamos , enfim, sincronizar nosso ordenamento jurídico com os fatos mundanos.
A legislação vigente no país, sobre o aborto, diz que é crime, punível com severas penas, desde que provocado pela mãe (art.124 CP) ou provocado por terceiro (art. 125 e 126 CP), sem prejuízo destes artigos temos o aborto necessário e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, que são a autorização legal do Estado para que seja efetuado tal procedimento.
O aborto necessário ou terapêutico ( art. 128, inc. I CP) e o sentimental ou humanitário (art. 128, inc. II CP), como são chamados pelos doutrinadores, são a autorização do Estado para que o médico ceife a vida do feto, logicamente, desde que sobrepostas determinadas situações inerentes a cada caso.
Agora, com a polêmica dos reiterados pedidos de “interrupção terapêutica da gravidez”, que nada mais é que o pedido para sacrificar o feto sem cérebro que, comprovadamente, ao nascer, não vai viver mais que alguns minutos, nos deparamos com uma situação desconcertante, pois se nosso ordenamento jurídico permite o aborto sentimental, poderia também sê-lo no caso de feto anincéfalo.
Podemos nos indagar se não está havendo um contra-senso jurídico, máxima vênia aos defensores da ordem legal, mas é gritante o descompasso normativo.
Ora , se um feto em perfeitas condições de vida, pode ser abortado, pelo fato de ter advindo de um estupro, um feto anincéfalo, por analogia , com motivos mais coerentes, com toda a certeza, também poderia ser abortado.
Examinemos os dois argumentos, comumente usados, nas explanações : A liberdade ( do corpo ou sexual ) da mulher em ter ou não a criança advinda de um estupro, também deve atingir a escolha de ter ou não uma criança anincéfala, que cientificamente não vivera por mais de alguns minutos.
O fato da gravidez ser fruto de estupro não poderia ter o condão de gerar esse poder, é muito sério , se levarmos em conta que uma vida humana está sendo banida do mundo por que um homem praticou um crime, é uma espécie de pena de morte imposta a terceiro, e no nosso Código Penal há somente penas privativas, de liberdade e direito, e penas pecuniárias, salvo em caso de guerra, a pena capital. Mas mesmo que houvesse pena de morte no nosso ordenamento jurídico , ainda assim ela deveria ser executada, unicamente, contra a pessoa do criminoso e não, como podemos observar, contra um feto, ainda mais sabendo que a imputabilidade penal se dá aos 18 anos de idade, ou seja, não há razões normativas, lógicas, para o aborto sentimental . O próprio Caput do artigo remete a esse discernimento. Deveras, temos o infringimento de vários princípios constitucionais, dentre eles o artigo 5º, XLV da Constituição federal, onde temos que ” nenhuma pena passará da pessoa do condenado,…”.
A peroração do assunto, que é controverso, se dá na normatização do aborto em caso de anincefalia e na proibição do aborto em caso de estupro pelos motivos supra mencionados . Quiçá, num futuro não muito distante, poderemos progredir no sentido de compreender todas essas adversidades sociais, ademais cabe a nós, acadêmicos, a luta para que o direito sempre surja como fonte nova, e dessa forma, seja uma inesgotável justiça. Data vênia aos opositores de nossa idéia, mas é salutar que possamos espô-las, para que sejam feitas críticas e correções, e assim nos fazer crescer e aprender mais das ciências jurídicas. Feliz daquele que tem a humildade de querer aprender.