A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou legal as empresas atualizarem as demonstrações financeiras do ano-base de 1990 pelo Indice de Preços ao Consumidor para corrigir distorções ocorridas na apuração dos tributos incidentes sobre o lucro ou a renda. As demonstrações financeiras da declaração do IR naquele ano foram atualizadas pelo índice de variação do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) Fiscal. O IPC apontou inflação de 1.794,72% em 1990, enquanto a variação do BTNF, no mesmo período, ficou em 845,12%. A disparidade entre os dois índices distorceu o lucro real das empresas.
A Fazenda Nacional alegou ser inviável a retroatividade da Lei 8.200, de 1991, que assegurou o direito das empresas-contribuintes de deduzir a correção monetária de 1990 em declarações futuras de IR. Entretanto, prevaleceu, segundo o entendimento majoritário da Primeira Seção, o princípio de que a lei mais benéfica ao contribuinte pode retroagir. Assim, a empresa Parizotto Parizotto, de Lages (SC) poderá descontar integralmente, em uma única parcela, o saldo da diferença entre o IPC e o BTNF no balanço contábil encerrado em 31 de outubro de 1994.
O relator do processo, ministro Franciulli Netto, considerou correta a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) de que o imposto de renda “só é devido sobre os lucros efetivos e reais”, ou seja, já descontados os efeitos inflacionários. Em seu voto, ele destaca que o recurso da Fazenda Nacional contra a aplicação do IPC foi levado a julgamento da Primeira Seção, integrada pelas Primeira e Segunda Turmas, por se tratar de questão relevante.
O relator faz um histórico das medidas provisórias e leis que resultaram na convivência de inúmeros índices. A Lei 7.777, de 1989, autorizou a emissão do BTN, com valor nominal atualizado pelo IPC. Em seguida, nova lei, de número 7.799, instituiu o BTN Fiscal, com projeção da evolução diária da taxa de inflação, para servir de indexador de tributos e contribuições da União. A variação do BTN em cada mês correspondia ao BTN Fiscal do primeiro dia útil de cada mês.
O Plano Collor desatrelou o BTN Fiscal do IPC. De 15 de março a 31 de maio de 1990, sucessivas medidas provisórias fixaram novos critérios de aferição do índice de correção do BTN. Em junho de 1990, foi adotado o Indice de Reajustes dos Valores Fiscais (IRVF). Ao final dessas inúmeras alterações, “mostrou-se sensível a diferença entre a inflação medida pelo IPC e a variação do BTN Fiscal, provocando distorções na apuração do lucro das empresas”, disse o ministro Franciulli Netto.
Em razão das distorções provocadas pelo BTNF na apuração do lucro real, as empresas que tiveram saldo credor de correção monetária pagaram menos imposto e aquelas que apresentaram saldo devedor arcaram com uma tributação maior. Portanto, afirma o relator, é “perfeitamente válida e legal” a aplicação do IPC nas demonstrações financeiras do ano-base de 1990, “por ter sido o que refletiu a inflação do período”. Ao citar decisão do Supremo Tribunal Federal sobre questão semelhante, ele destaca que os princípios constitucionais de direito tributário foram instituídos em garantia do contribuinte, para se evitar a insegurança tributária, o que não impede a adoção de providências para corrigir “fato oneroso ocasionado pela inconveniência do índice aplicado”.
A Lei 8.200 permitiu às empresas deduzirem em quatro parcelas o imposto pago além do devido, a partir das declarações do IR de 1993. A Lei 8.682, de julho de 1993, aumentou o prazo para seis meses. Entretanto, para o ministro Franciulli Netto, esse parcelamento imposto pela lei “não faz sentido e não se coaduna com o sistema jurídico pátrio” porque se o recolhimento do imposto foi por inteiro “a devolução e/ou compensação não pode ser escalonada, como ato de império, em inadmissível facilitário seja de quatro seja de seis anos”.