Acordo entre herdeiros é válido para comprovar mudança em testamento. Com essa conclusão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou, por maioria, o recurso em que os irmãos G.F. e L.F. pediam a manutenção do testamento deixado pelo pai. Para os ministros, o recurso perdeu seu objetivo a partir do momento em que os irmãos firmaram um acordo com a madrasta, deixando de lado a divisão determinada pelo testamento e estabelecendo critérios para a partilha dos bens.
A.F. e V.F. viveram juntos de 1952 a 1979 – exatamente 27 anos – quando, em outubro de 1979, decidiram oficializar a união. Do relacionamento nasceu C.F.. Além da filha com V.F., A.F. também tinha mais dois filhos do casamento anterior, G.F. e L.F.. Com a morte do genitor, em abril de 1990, o testamento foi aberto e, então, se iniciou uma batalha judicial da viúva de A.F. pela meação dos bens deixados, ao contrário do disposto no documento, onde A.F. indicava os bens que ficariam para V.F. e para os filhos.
A viúva entrou com uma ação, na primeira instância, para reconhecimento da sociedade de fato. No processo, V.F. solicitava que fosse anulado o testamento e reconhecido seu direito à metade dos bens indicados pelo falecido e, não apenas os bens por ele indicados no documento. O Juízo de primeiro grau rejeitou o pedido entendendo que o regime escolhido para o casamento – comunhão parcial de bens – teria retirado o direito da viúva à meação. Segundo a sentença, o casal poderia escolher livremente o regime de bens da união e, tendo escolhido o da comunhão parcial, “não se comunicaram os bens adquiridos antes do casamento”, ou seja, V.F. não teria direito à metade dos valores adquiridos antes e durante o concubinato de 27 anos.
V.F. apelou e o Tribunal de Justiça de São Paulo modificou a sentença anulando o testamento para reconhecer o direito da viúva à meação dos bens. De acordo com o TJ, apesar do regime da comunhão parcial excluir o bens anteriores, “dizer que a autora concordou com esse regime de bens não significa coisa alguma, pois ela já tinha direito à meação sobre os bens adquiridos antes, mercê do concubinato e do esforço despendido na sua aquisição”. Além disso, para o Tribunal, A.F. “não poderia dispor da meação pertencente à autora (V.F.), uma vez que esse direito já existia à época em que o testamento foi lavrado, em 1986”.
Inconformados, os herdeiros G.F. e L.F. recorreram ao STJ pedindo a anulação do julgamento do TJ. De acordo com o recurso, o Tribunal teria deixado de verificar algumas alegações do apelo, como o fato do pai já possuir vários bens antes de conhecer V.F. Os valores teriam sido deixados pela mãe e pela avó paterna dos dois. V.F. contestou o recurso alegando que ele teria perdido seu objetivo. Para justificar sua declaração, a viúva apresentou um acordo assinado por todos, ainda no início do processo, sendo homologado pelo Juízo de primeiro grau. O documento estaria anulando o testamento e estabelecendo uma nova partilha dos bens ficando 66,6% para V.F. e sua filha C.F., e 33,3% para os outros dois herdeiros.
G.F. e L.F. responderam a alegação da viúva afirmando que o acordo não teria reconhecido o direito de V.F. à metade dos valores, nem implicaria na renúncia do recurso encaminhado ao STJ discutindo a questão. Segundo os herdeiros, o documento seria apenas provisório, valendo até que fosse definida a partilha de “todos” os bens deixados por A.F.
O ministro Ari Pargendler, relator do processo, acolheu o recurso para anular a decisão do Tribunal de São Paulo. Para o ministro, o acordo não abrangia todos os imóveis do falecido, sendo “temerária a conclusão de que as partes se compuseram definitivamente” ao assinarem o documento.
O ministro Carlos Alberto Menezes Direito divergiu do relator entendendo que o recurso teria perdido seu objetivo, alcançado anteriormente pela assinatura do acordo. “Havendo o acordo homologado, estabelecendo a partilha dos bens, com a assinatura de todos os herdeiros e da viúva meeira, o questionamento sobre os direitos aos bens deixados pelo de cujus (falecido) está sob a égide daquele acordo, perfeito e acabado, que somente poderá ser desfeito por decisão judicial”, concluiu Menezes Direito.
Os ministros Pádua Ribeiro e Nancy Andrighi acompanharam o voto de Menezes Direito. “A conciliação, obtida e homologada em juízo, produz todos os efeitos a partir do ato judicial que atribuiu força executiva ao acordo de vontades”, destacou Andrighi. Com isso, fica mantida a decisão do TJ-SP anulando o testamento e reconhecendo o direito de V.F. à metade dos bens deixados pelo marido.