O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, disse, na manhã desta terça-feira, 8, nesta capital, que, ” paga-se um preço muito caro para ser homem público decente no Brasil”. O ministro Vidigal participou do Fórum Mídia e Violência, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do município do Rio de Janeiro, ocorrido no auditório da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan).
O ministro aproveitou o debate com profissionais de comunicação social para apontar equívocos contidos numa matéria publicada no último domingo no jornal Folha de S. Paulo. De autoria do repórter Frederico Vasconcelos, o texto foi editado numa seqüência sobre o “mensalão” e enfoca a posição do ministro em defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que permite aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos tribunais superiores se aposentarem com 75 anos de idade. Hoje, a aposentadoria se dá aos 70 anos de idade.
“O repórter colocou na matéria que o presidente do STJ foi fazer lobby. Essa expressão no Brasil tem sentido pejorativo. Fui apontado no quadrinho, ficarei 37 anos no STJ. Então, iria sair com 83 anos. Essa conta está errada. E ele não teve o cuidado de me telefonar para ter a informação correta. Imagina cinco milhões de leitores da Folha do último domingo ficarem entendendo que somos os ministros do mensalão. Para ser homem público decente no Brasil, paga-se um preço muito caro”, disse o ministro Vidigal.
A Assessoria de Comunicação Social do STJ está preparando resposta a ser encaminhada ao jornal. Nela constarão as notas taquigráficas da audiência pública ocorrida há dias, quando o ministro Vidigal foi participar, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de debate sobre o assunto. Porém o ministro afirmou que as respostas publicadas nas sessões de cartas têm pouco destaque se comparadas com a repercussão da matéria do último domingo.
Participações – O debate promovido no Rio de Janeiro para um grupo de jornalistas contou com a participação do procurador João Batista Lopes de Assis Filho e dos jornalistas Ricardo Miranda, da revista IstoÉ, e Ana Maria Tahan, do Jornal do Brasil. Sob a mediação do jornalista Aziz Filho, presidente do sindicato, a cobertura dos profissionais de imprensa foi o centro das atenções.
Enquanto a jornalista Ana Tahan fez mea-culpa ao enfocar o episódio da Escola Base, em São Paulo, como sendo divisor de águas do jornalismo brasileiro, o presidente do STJ procurou chamar a atenção dos profissionais quanto à necessidade de se buscar ouvir o acusado antes de iniciar a apuração da matéria. O ministro propôs a realização de cursos e palestras, inclusive com o apoio do Conselho da Justiça Federal (CJF), para que os jornalistas possam melhor entender o funcionamento do Poder Judiciário.
O procurador João Batista disse que, mesmo se precipitando, o jornalista não pode ser criticado por cometer “pequenos erros”. Porém ressaltou a existência de desinformação quando, por exemplo, um determinado repórter afirma que o magistrado emitiu parecer num processo. “Há de fato uma desinformação da imprensa com relação a questões técnicas. Parecer de juiz? Juiz não dá parecer, o Ministério Público que o faz. Para que haja uma denúncia do MP, ou seja, para que se chegue à Justiça, é preciso que haja a suspeita”, frisou.
Para o procurador, os juízes têm mais tempo e muito mais tranqüilidade na análise de determinado processo, enquanto o repórter, por questões da agilidade para publicar a matéria, é mais rápido. “O juiz tem tempo. Tranqüilidade. O jornalista faz tudo com uma rapidez impressionante. Julga e executa. A imprensa diz o que deve ser feito e o que não deve ser feito. Eu não critico a imprensa. Acho que ela erra até pouco no juízo precipitado que faz. Tem que procurar ouvir. Se eu não dispuser de uma prova boa, posso ser arrasado no debate. Eu acho que a imprensa comete pequenos erros. Aliás, se tudo fosse trazido a lume. Os erros são emendáveis. O saldo é positivo”, disse.
E prosseguiu: “Não temos mais no Brasil aquela pessoa que seja inatingível. Hoje, quem exerce uma função pública tem que prestar conta. O jornalista tem que ter um cuidado muito maior. Engraçado, o poder da justiça é muito pequeno perto do poder dos jornalistas. A informação errada faz parte. Eu pedi prisão preventiva em raríssimas oportunidades. É preciso que a prova seja muito forte. Hoje, no Brasil, como os tribunais demoram a julgar, para alguém ser condenado leva tempo.”
Fatos – O jornalista Ricardo Miranda expôs suas experiências na profissão e ressaltou que alguns cursos de jornalismo estão aquém no quesito qualidade de ensino. Ricardo contou um fato que se passou em Anápolis (GO), quando fazia a cobertura do seqüestro do filho do empresário Wagner Canhedo. Como gosta de desenhar, ele propôs aos editores do Jornal do Brasil a feitura do retrato-falado informal de um dos seqüestradores.
À noite, quando ligou a televisão, foi surpreendido pelo Jornal Nacional, que o anunciara como o técnico da polícia que fizera o retrato-falado do criminoso. Os jornalistas caíram na gargalhada. Os chefes de Ricardo cobraram uma explicação para o fato de o jornal não ter o material dos peritos.
O presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Viera, que assistia ao debate, citou recente fato ocorrido na mídia carioca. Um grampo telefônico flagrou a conversa entre duas pessoas que apontavam questões de fraudes do INSS envolvendo a Federação. Segundo Gouvêa Vieira, o mesmo assunto já tinha sido motivo de apuração por um jornal desse grupo de comunicação. Mesmo assim, as explicações não foram suficientes.
Beijo no asfalto
Em sua participação no debate, o ministro Vidigal citou a peça Beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues, com referência para questões de atentado à moral. No texto, o sogro tenta apontar o genro como sendo homossexual. Tudo porque o rapaz, para socorrer um outro homem estirado no asfalto, procede à respiração boca-a-boca, o suficiente para o escândalo.
O ministro, que já passou por diversas redações de jornais e revistas no eixo São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Maranhão, explicou que iniciou a profissão de jornalista cobrindo casos policiais. Hoje, conforme avaliou, os jornais estão mais velozes.
“Hoje entramos na competição e ela resvala na perda da qualidade. Não é uma questão muito fácil de se tentar resolver pela via editorial. Os nosso ‘coleguinhas’ estão precisando apreender um pouco mais Direito. Uma ponte STJ e Ministério Público, num diálogo mais permanente, STJ, CJF, para cursinhos aos colegas, de modo que pudessem ter um pouco mais de noção. Vi o caso Maluf. Alegria quando foi preso. Depois, quando libertado, muitas reclamações”, disse o ministro.
Maluf – Ontem, quando fazia uma palestra no Recife, o ministro Vidigal foi abordado por um jornalista que achou “um absurdo o STF ter concedido habeas-corpus para soltar o Maluf”. “A prisão preventiva tem pressupostos: uma delas é para a garantia da ordem pública; a outra é quando o acusado pode evadir-se do ‘distrito da acusação’.”
“Está faltando um pouco mais de conhecimento minimamente teórico para que os ‘coleguinhas’ não possam ser usados por mentes fascistas. Para não embarcar no denuncismo. Uma coisa é o senhor do meio de campo. Outra coisa é sua excelência dos autos: o juiz,” afirmou.
O ministro Vidigal disse também que no Brasil apenas 3% dos casos de homicídios são desvendados pela polícia. Já nos Estados Unidos e no Japão, esse resultado fica em 30%.