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Influxos da Constitucionalização do Direito Civil sobre a Responsabilidade Civil: Perspectivas futuras

Com o movimento racionalista (século XVIII), especialmente a partir dos acontecimentos daquela época (Revolução Francesa, Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, etc), viu-se a necessidade da sistematização do Direito Civil, a fim de reger os aspectos das relações privadas e proporcionar a segurança das relações sociais. Essa codificação, marcada pela lógica individualista do Iluminismo, representa a consagração dos valores da burguesia, fundada na proteção patrimonial do homem, e favorecendo o processo de unificação do direito privado. Sob os influxos daquela época, o desejo de codificação brotava do intuito de limitar o poder político do governante, submetendo-o também à legalidade, e assegurar autonomia aos indivíduos, principalmente no que tange à esfera econômico – patrimonial.

O Código Civil de 1916, baseado nas concepções individualista e voluntarista, sob a influência do Código Napoleônico (1804) e do Código Alemão, representou então a ideologia da sociedade agrária e conservadora daquele momento histórico, preocupando-se muito mais com o “ter” do que com o “ser”; tendo como paradigma o cidadão dotado de patrimônio (o burguês livre do controle ou impedimento públicos). Para essa concretização, no entanto, incrementou-se o constitucionalismo, ou seja, a predominância de uma Constituição ordinariamente escrita, na qual estivessem consagrados tanto os direitos fundamentais do cidadão quanto as vedações ao Estado. E aí reside a idéia de que a Constituição da República é a fonte primária do Direito Civil, que através de princípios e normas regem a ciência civilista.Com a vigência da Carta de 1988, o homem passou a ser valorizado não mais pelo ter, mas pelo ser que toda pessoa representa, fazendo-se relevante a valorização e garantia de seus direitos fundamentais, e promovendo a cidadania como elemento propulsor. Mas a esplanação fulcrada no individualismo começa a ser redefinida, intensificando o processo legislativo civil e quebrando seu caráter fechado, o que vem a caracterizar a descodificação do direito civil. Com isso, diversos foram os princípios e regras do código civil que necessariamente migraram à Carta Magna, perdendo o papel que lhe fora atribuído de Constituição do direito privado. Daí falar-se em Direito Civil Constitucionalizado, fenômeno pelo qual a ordem civil é submetida às diretrizes da Lei Maior, ainda que indiretamente, ao tempo em que a publicização é o fenômeno menor, que se configura com a mera intervenção do Estado na ordem privada, restringindo ou dirigindo a atuação das pessoas.

As transformações pelas quais o país passou nas últimas décadas contribuíram para a percepção de que a legislação pátria merecia uma releitura, objetivando torná-la paralela à contextualização presente, atendendo suas finalidades. Em 1969 foi criada uma nova comissão para rever o Código Civil, preferindo elaborar um novo código em vez de emendar o antigo. E em 1984 foi aprovado o projeto, tendo sido transformado no projeto de lei nº 634/B. No ano de 2001 o projeto foi finalmente levado a votação, sendo aprovado por acordo de lideranças e levado à sanção presidencial, convertendo-se na Lei nº 0.406 de 10 de janeiro de 2002, o Novo Código Civil Brasileiro.

A partir das inovações supra, o CC/02 incorporou as mudanças instituídas pela Constituição da República, adaptando-se aos novos preceitos. Mas o fato de ter tramitado nas Casas de Leis há quase trinta anos remete a idéia de defasagem do Novo Código Civil, além da falha na função social, omissão quanto a temas polêmicos, e “oportuna” promulgação. Não há que se falar em texto arcaico, visto que atende aos influxos das mutações que se seguiram à época de seu envio à Câmara dos Deputados, em meados de 1975, além de adotar um sistema aberto, acessível aos anseios sociais.

Entende-se, portanto, que o Novo Código Civil nasceu velho, sem estar consubstanciado na realidade e nos problemas mais atuais do homem, ao passo que deveria acompanhar as transformações constantes do direito civil. Conforme elucidação do filósofo do Direito Civil LUIZ EDSON TEPEDINO, o código é um instrumento de conservação, a partir do momento que não demonstra discussão e reconhecimento das transformações da realidade.

Entre as críticas manifestadas com relação à “renovação” do Código Civil podemos apresentar também a perplexidade traduzida por ORLANDO GOMES: “No mundo instável, inseguro e volúvel de hoje, a reposta normativa não pode ser a transposição para um Código das fórmulas conceituais habilmente elaboradas no século passado, mas comprometidas com uma realidade muito distinta”. Ou seja, as normas devem ser adequadas à situação social em que vivemos, e não simplesmente estabelecidas em épocas passadas e aplicadas na atualidade, visto que a efemeridade está intrínseca na sociedade; na situação cultural, política econômica e social em que vive o país.Então o intuito de renovar o Código civil acabou por acarretar em conseqüência contrária; diversa daquela desejada alcançando a descentralização ou descodificação do direito civil.

Vale aqui ressaltar, ainda, a preleção do civilista CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: “A celeridade da vida não pode ser detida pelas muralhas de um direito codificado. Acontecimentos, ora na simplicidade da existência cotidiana, ora marcados pelos de maior gravidade, exigem novos comportamentos legislativos. Em conseqüência um edifício demoradamente construído, como é um Código, vê-se atingido por exigências freqüentes, necessitando de suprimentos legislativos”.

Após o breve histórico acerca do surgimento e transformação do Código Civil Brasileiro, cabe-nos abordar a questão dos influxos da constitucionalização do direito civil sobre a responsabilidade civil, conceituando de antemão o que vem a ser direito civil e responsabilidade civil. Conforme os ensinamentos do professor CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, o direito civil é o ramo do direito privado que rege as relações sociais entre as pessoas. E a responsabilidade civil, com base nas palavras de MARIA HELENA DINIZ, é o conjunto de medidas destinadas a assegurar que os danos materiais ou morais causados a terceiro venham a ser reparados. Relevante observar, então, sob que enfoque o Código de 1916 cuida da responsabilidade civil, e qual(is) sua(s) transformação(ões) no Novo Código Civil, apresentando uma noção de perspectiva futurística dessas diversas abordagens.

O CC/16 vincula a responsabilidade civil à idéia de culpa, onde o autor necessariamente tinha que provar a culpa do réu, enquanto o CC/02 pretende assegurar que o dano material ou moral venha a ser ressarcido, independente de culpa, demonstrando preocupação direta e proteger a vítima. A jurisprudência e a doutrina futuras dirão se o novo CC foi capaz de informar relações contratuais mais equânimes, justas e razoáveis frente às desigualdades vistas no país. Mas o Novo Código não nasce pronto; a lei se fará código a partir do cotidiano concreto e da força dos fatos. O grande desafio é saber se as boas intenções atendem às expectativas e se são suficientes para suprir o necessário para uma sociedade em constantes transformações se desenvolver de forma igualitária e justa.