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As causas supralegais de exculpação da culpabilidade

Desta feita, impera o ditame ” nulla crimen sine culpa”, definido como dogma da culpabilidade.

O instituto da inexigibilidade de conduta diversa configura-se como principal forma de extinção da culpabilidade, sendo que sua aplicação pode se dar como causa legal, logo previstas na legislação criminal, ou como causa supralegal, esta defendida pela doutrina e também jurisprudência.

A respeito disso lança-se grande discussão na doutrina no que envolve a consideração das medidas supralegais de inexigibilidade de conduta diversa como causa sustentatória de uma absolvição, visto que seria impossível para o legislador brasileiro elencar todos os casos em que a não exigibilidade de comportamento conforme o Direito excluirá a culpabilidade.

O Direito Penal surge com a finalidade de definir as condutas socialmente reprováveis e conseqüentemente puní-las, agindo assim na proteção individual e social dos bens jurídicos considerados fundamentais.

Ocorre que, além de atuar na previsão e punição dos fatos ilícitos, o Sistema Penal deverá também aplicar certas garantias referentes a cada conduta, analisada no caso concreto, obedecendo sempre aos princípios gerais do Direito.

Em se tratando da definição jurídica do crime encontra-se certa dificuldade, uma vez que a lei não é clara, sendo tal omissão suprida pelo trabalho da doutrina, que o definiu sobre três aspectos: formal, material e analítico.

O crime sobre sob o aspecto formal caracteriza-se por ser uma conduta (ação ou omissão) contrária ao Direito, e que a lei atribui uma pena

No seu modo material, o crime caracteriza-se pela conduta humana (ação ou omissão) que encontra reprovabilidade social, podendo comprometer a existência, a paz e o desenvolvimento da comunidade.

Por fim, tem-se o conceito analítico que, sendo o dominante, define o crime como ação ou omissão típica, ilícita e culpável. A ausência de um desses elementos descaracteriza o crime, de forma que são necessários para a manutenção da segurança jurídica.

A doutrina utiliza como melhor definição de crime o conceito analítico. Neste caso, a conduta será típica quando provocar resultado visto como infração penal, ou seja, é a adequação da ação, vista no sentido lato sensu como ação e omissão, ao tipo de ilícito previsto na norma penal incriminadora.

Já para que a conduta seja considerada ilícita ou antijurídica deverá ela vir de encontro ao ordenamento jurídico, causando lesão ou expondo a perigo de ser lesionado um bem tutelado pelo Direito.

A culpabilidade é vista como a reprovabilidade de uma conduta típica e ilícita que poderia ter sido evitada pelo agente no momento de atuação, ou seja, este poderia sujeitar-se aos ditames legais e as proibições definidas pelo Direito. Assim, trata-se de um juízo de censura e reprovação de conduta que será evidenciado pelo magistrado quando do momento da análise da medida da culpabilidade do infrator.

Sendo um dos mais importantes princípios penais, não há possibilidade de se auferir uma pena ao acusado se não for observada a medida de sua culpabilidade. Desta feita, impera o ditame ” nulla crimen sine culpa”, definido como dogma da culpabilidade.

O Código Penal traz menção expressa e define a importância da análise de tal elemento quando o menciona nos seus arts. 19 e 59.

Assim, para que uma conduta seja reprovada pelo Direito Penal ela deverá ser típica, ilícita e culpável. Dentro da culpabilidade está a Inexigibilidade de Conduta Diversa ( juntamente com a Imputabilidade e a Potencial Consciência da Ilicitude) caracterizando um dos elementos que se estiver ausente acarretará na sua exclusão. O reconhecimento das causas extralegais de exculpação com base neste princípio vem, atualmente, encarando grandes discussões doutrinárias.

O posicionamento contrário ao reconhecimento de tais situações supralegais de exclusão da culpabilidade utiliza, como justificativa, a conseqüente insegurança jurídica que a aplicação de tal instituto poderá causar ao ordenamento, de maneira que poderia haver uma impunidade exacerbada e justificada em uma causa abstrata, acarretando em uma desordem total. Logo, pela amplitude e proporção que tal regra pode alcançar, a sua aplicação torna-se incompatível com um Sistema organizado.

A discussão deste tema é de similar importância à medida que a aplicação de tal regramento tem como conseqüência a exclusão de um componente que integra o crime, a culpabilidade, que conseqüentemente torna o autor isento de pena.

Então, em contraposição à doutrina contraria a aplicação de tal instituto, entendemos que o mesmo deva ser levado em total atendimento, caso contrário, estaria se sobrevalendo de um Sistema Penal inconciliável com os preceitos de probidade que se almeja, haja vista que não se deve limitar a decisão do magistrado às hipóteses de exclusão elencadas pelo legislador penal.

Tal medida torna-se incompatível com o próprio princípio da culpabilidade que define que a pena somente será aplicada caso o agente, tenha agido com dolo ou culpa, e fazendo jus a um juízo de censura, atuou tipicamente e ilicitamente. Este princípio vem se contrapor a responsabilidade penal objetiva que se baseia na aplicação da pena sem culpa, dolo e culpabilidade.

Caso o juiz, ao oferecer o seu juízo de reprovabilidade, identifique que o agente não tinha condições de agir em conformidade com os preceitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico, estaremos diante do instituto da inexigibilidade de conduta diversa, devendo aquele estar isento de pena pela exclusão da culpabilidade, ou por uma causa legal ( obediência hierárquica ou coação moral irresistível ), ou se não for esta situação, por uma causa supralegal.

O objetivo deste artigo é justamente identificar e demonstrar que na prática existem reiterados casos que levam a uma exculpação por inexigibilidade de obediência ao direito, que muitas vezes não estão taxados em lei.

O legislador penal não possui condições de prever todas as hipóteses que poderão acontecer na vida real. Esta desenvolve a todo momento novas situações que não encontram disposições elencadasna legislação, uma vez que a mesma não possui suficiência para ecoar a realidade que habitualmente está se modificando, e para oferecer recursos à todas novas aspirações da sociedade. Nos tempos da modernidade, esta previsão antecipada se torna ainda mais difícil em conseqüência das rápidas transformações das condições de vida, e do despontar de novos problemas e contrastes.

Uma vez que existem lacunas não deve ser afastado o sistema de integração penal, pois na ausência da fonte formal imediata (a lei ), o juiz lançará mão de outros institutos, como é o caso da analogia e dos princípios gerais de direito. Sendo inconcebível que o magistrado, diante do julgamento de certo caso em que deva oferecer o seu juízo de valor, limite-se às causas taxadas em lei em se tratando de uma avaliação favorável ao acusado.

É certo que a lei penal quando define certas condutas delituosas e conseqüentemente comina-lhes pena não poderá demonstrar omissões ou falhas já que, em se tratando de normas penais incriminadoras, o que não é legalmente previsto é penalmente lícito pelo princípio da anterioridade da lei (art. 5, XXXIX, CF e CP art. 1 : não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia cominação legal ).

Em atendimento também ao princípio da reserva legal as normas penais incriminadoras deverão inexoravelmente estar taxadas em lei. Já as normas penais de natureza diversa, não-incriminadoras, em razão da qual não há vigência daquele princípio, quando apresentarem omissões o juiz poderá lançar mão dos recursos oferecidos pela ciência jurídica como bem preceitua o art. 4 da LICC. Assim sendo, por serem as hipóteses de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa normas não incriminadoras é que haverá uma interpretação extensiva do art.22 ,CP, para abarcar as situações supralegais de inexigibilidade de obediência ao direito.

Neste caso, é mister que sejam levadas em consideração as causas supralegais demonstradas pela doutrina como: fato de consciência; provocação da situação de legítima defesa; desobediência civil; conflito de deveres (princípio da co-culpabilidade ); excesso de legítima defesa e o estado de necessidade exculpante. Situações estas que demonstram que o agente não tinha opções de atuação em conformidade com a lei, senão aquela que foi tomada por ele.

Não se pode afastar a relevância de tal tema para a doutrina e jurisprudência modernas configurada justamente pela grande polêmica causada por este assunto, que demonstra mais ainda o seu caráter de importância para o Direito Penal. Por isto que esta dissertação vem destacar a todo instante o necessário reconhecimento das causas supralegais de exclusão da culpabilidade em busca de um objetivo de Justiça.

O instituto da inexigibilidade de conduta diversa configura-se como principal forma de extinção da culpabilidade, sendo que sua aplicação pode se dar como causa legal, logo previstas na legislação criminal, ou como causa supralegal, esta defendida pela doutrina e também jurisprudência.

Ocorre que, o Código Penal Brasileiro, assim como os diplomas penais de outros países, ainda não adotou a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral e independente de exculpação de culpabilidade. Ao contrário, este princípio deve estar sempre atrelado às hipóteses taxadas em lei.

A respeito disso lança-se grande discussão na doutrina no que envolve a consideração das medidas supralegais de inexigibilidade de conduta diversa como causa sustentatória de uma absolvição, visto que seria impossível para o legislador brasileiro elencar todos os casos em que a não exigibilidade de comportamento conforme o Direito excluirá a culpabilidade.

A teoria da não exigibilidade surgiu na Alemanha com o Tribunal de Reichsgerich, que envolvia dentre os seus julgamentos muitos que justificavam a absolvição de certas pessoas pela inexigibilidade de comportamento diferente. Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial e o surgimento do Nazismo , deixou de ser sustentada tal hipótese de exclusão, pois esta passou a ser utilizada de maneira desregrada como causa justificante para a execução de crimes bárbaros.

Assim nos dias atuais, mesmo a doutrina alemã, responsável pela moderna definição de culpabilidade, não vem mais prestigiando tal princípio como causa exculpante, pelo menos no que diz respeito aos crimes cometidos dolosamente.

Segundo Jescheck apud Mirabete (2004, p. 225 ) este define que: ” a teoria da existência de uma causa supralegal da exclusão de culpabilidade consistente na inexigibilidade de outra conduta deve ser afastada, ao menos quanto aos crimes dolosos, tendo aliás passado a segundo plano na doutrina germânica.”

Em desconforme, este artigo busca, com fundamentação no vasto posicionamento doutrinário, a aplicação do instituto da inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão de culpabilidade, não somente nos crimes dolosos, como também nos culposos.

Assim discorre o doutrinador Francisco de Assis Toledo (2000, p. 328 ) :”A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão de culpabilidade. E constitui um verdadeiro principio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que estaa intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito”.

É por esse motivo que entendemos que por ser a inexigibilidade de outra conduta um princípio fundamental atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana, e estar co-relacionado com a responsabilidade pessoal, é que este não encontra necessidade de fundamentação expressa, bastando para a sua aplicação a referência do art. 66 do Código Penal:”Art. 66 : A pena poderá ainda atenuada em razão de circunstancia relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”.

Assim, defende-se as causas supralegais de inexigibilidade de conduta diversa, pois apesar de culpabilidade e responsabilidade possuírem conceitos distintos esta decorre daquela visto que, quem é considerado culpado será responsabilizado pela conduta e terá que prestar contas por tal ato. Portanto, por se tratar de princípio interligado a idéia de responsabilidade a inexigibilidade poderá ser invocada como foram de exclusão supralegal.

Esta aplicação da não exigência de conduta diversa é acastelada por grande parte da doutrina, mas quanto a sua aplicação devem ser observados certos requisitos. Ocorre que, para que seja levantada essa causa geral de exclusão, no caso concreto, a situação terá que ser observada com grande cautela, sendo que a causa de inexigibilidade deverá restar puramente demonstrada e de pronto não serão levados em consideração os atributos pessoais do sujeito ativo.

Neste sentido se posiciona Bettiol apud. Ariel Dotti (2004, p. 426) :”Mas é bem de ver que a caracterização dessa causa de exculpação deve ficar bem demonstrada e não depende de um juízo puramente subjetivo e pessoal do sujeito ativo a respeito de ser ou na exigível, a competência, nem de se ter em conta a figura do homem médio. Isso no dizer de Bettiol, corresponderia, no caso concreto, a um individualismo anárquico que desculparia qualquer ação ou uma abstração inconcludente”.

Dessa maneira, na utilização da exculpante ora retromencionada, como tese de defesa, deverá ser feito um juízo objetivo apenas, e não de caráter pessoal do indivíduo que está sendo acusado.

Desta feita, na medida que se considere a inexigibilidade não como um juízo subjetivo do indivíduo que cometeu o ato delitivo e sim como um juízo de reprovação da culpabilidade normativa poderá ser este preceito invocado como causa geral de exculpação.

Logo, caberá ao magistrado este juízo de reprovação com base na história dos fatos que levaram o indivíduo a agir daquela forma e também a análise do limite da incidência de tal ato na exigibilidade de atitude conforme os preceitos legais.

Assim considera Juarez Cirino (2000, p. 216 e 217 ):”Todavia, o reconhecimento progressivo de novas situações de exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias do fato e, conseqüentemente, no princípio geral da inexigibilidade de comportamento diverso, parece tornar cada vez mais difícil negar à exigibilidade a natureza geral de fundamento supralegal de exculpação, como categoria jurídica necessária ao direito positivo vigente “.

Damásio de Jesus (2003, p. 484) entende que:” Se o caso é de inexigibilidade de conduta diversa e […]não havendo norma descritiva do fato semelhante, o juiz pode absolver o sujeito com base nos costumes e no princípios gerais de direito em que se fundamentam a inexigibilidade”

Assim, o instituto da culpabilidade baseia-se no juízo de reprovabilidade do magistrado sobre uma conduta considerada típica e ilícita.

A teoria Normativa Pura define que para a oferecer um juízo de culpabilidade deveriam estar presentes os elementos da imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de obediência ao direito, e na ausência de um desses haverá a isenção de pena pela exculpação da culpa.

O requisito da exigibilidade de conduta diversa será identificado pela possibilidade que o agente tinha de agir de maneira diferenciada, e conseqüentemente em conformidade com o Direito Penal. Sendo que caso se identifique que não houve uma normalidade nas circunstâncias que levaram o indivíduo a agir de maneira lesiva a sua conduta não será culpável.

Por restar a inexigibilidade de conduta diversa configurada como principal forma de extinção da culpabilidade é que se perpetua uma grande discussão no que se refere à adoção deste instituto como causa geral de exculpação. Para tanto, utiliza-se como fundamento a importância de tal elemento uma vez que o Estado Democrático de Direito, fundamentado no Direito Penal justo, que não admite a aplicação de pena sobre pessoa inocente, quando não houve culpabilidade por parte do agente.

Por derradeiro, com a evolução social e o aparecimento de novas causas que justificam a aplicação da dirimente da culpabilidade não há porque se falar em insegurança jurídica de tal preceito, uma vez que, ao magistrado, como representante da Justiça Social, sendo-lhe reservado o juízo valorativo de determinadas ações que atingem o seu âmbito de competência, este deverá se valer da lei e de outros institutos alcançáveis por ele, para que se chegue a uma solução adequada aos preceitos da moral e da Justiça.