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Tutela em face da inércia jurisdicional

Assunto sempre em pauta é o questionamento sobre a efetividade da atuação do Poder Judiciário, cabendo ao operador buscar todos os meios, instrumentais, que possibilitam de forma efetiva a tutela ao seu direito.

Não raro um mesmo processo é palco de decisões divergentes, onde às vezes se decide favoravelmente a uma das partes e num momento posterior, dependente da cognição obtida, elementos trazidos pelo contraditório, a ordem é revogada por um comando sentencial contrário a liminar ou a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional concedida.

No intuito de possibilitar a efetiva tutela ao direito da parte, e de protegê-la no curso da marcha processual, deve esta se resguardar das possíveis omissões que obstem a pronta análise ao seu direito.

Prática costumeira do judiciário é a de não se pronunciar em relação aos efeitos da sentença, ficando em regra subentendido a sua produção conforme disposto na legislação processual competente. Da mesma forma, quando há a tentativa de reforma da sentença, com a interposição do competente recurso de Apelação não se tem mencionado, a não ser que seja expressamente pedido, sobre quais efeitos esta é recebida pelo Juízo a quo ou pelo ad quem.

Nos casos excepcionados pelo artigo 520 do Código de Processo Civil, a produção de efeitos do recurso de apelação só se dá no julgamento positivo de seu mérito pelo Tribunal, ficando durante o curso deste lapso temporal desguarnecido o direito da parte.

Ainda, a não manifestação por parte do judiciário impossibilita a parte vencida na demanda de que tenha, dentro do processo, a análise em caráter de urgência de seu pedido, pois, a omissão em se pronunciar sobre os efeitos da sentença e da apelação, não possibilita o manejo de qualquer outro recurso.

Nosso sistema recursal, apesar das inúmeras brechas, ainda é defasado em relação aos prejuízos que possam advir da má ou da não efetiva prestação da atividade jurisdicional.

Na generalidade dos casos, verifica-se a exatidão da decisão e sua congruência com o Código de Processo Civil, nota-se inclusive uma exacerbação em relação ao número de recursos cabíveis.

Contudo, há casos concretos, além daqueles referentes a sentença e aos seus efeitos, que não se adaptam a generalidade da norma, por conseqüência, sendo indevida a aplicação, por exemplo, da regra contida nos artigo 162 combinado com o artigo 504 do Código de Processo Civil.

De forma geral, o despacho de mero expediente não causa prejuízo às partes, portanto, não há qualquer necessidade de possibilitar sua recorribilidade.

Sendo o pensamento do legislador no seguinte sentido: se há prejuízo, mesmo que apenas de caráter processual, recorre-se, por exemplo, a resolução da questão de incompetência relativa; se não há prejuízo, por exemplo, um despacho de mero expediente que determina “ex officio” o andamento processual, não se recorre – a aplicação do Princípio Processual da Sucumbência.

Contudo, não tem sido incomum despachos que de forma abstrata, não seriam passíveis de ocasionar prejuízo, mas que concretamente ocasionam.

Por exemplo, a determinação da citação reveste-se em sua forma abstrata num despacho de mero expediente, mas quando esta é feita como condicionante para se apreciar a antecipação dos efeitos da tutela antecipada, implica de forma grave num prejuízo para a parte.

Na seara tributária, não é incomum a apreciação da suspensão da exigibilidade ou de qualquer outra medida liminar após a citação da fazenda, o que pode levar meses, ficando o direito da parte neste tempo completamente desguarnecido.

Ocorre que, estes despachos, além de infundados, têm sido protelatórios, inviabilizando a análise do pedido de tutela antecipada ficando a parte desguarnecida na proteção ao seu direito.

Restando a seguinte máxima: “PIOR DO QUE DECIDIR DESFAVORAVELMENTE É NÃO DECIDIR”.

Não havendo resistência mais frustrante ao direito do autor do que o “recurso de gaveta”.

Quando criado o Estado, explicação filosófica, Hobbes, Locke, Rosseau, Montesquieu…, houve um pacto entre este (Leviatã), e os seus súditos (nós), que lhe delegaram a irrestrita liberdade, sob a promessa de segurança.

Dentre as liberdades delegadas, cita-se a de “fazer justiça”, esta deixou de ser privada, “com as próprias mãos”, e passou a ser função estatal.

O Estado, pelo Judiciário passou a ter o “Poder” de dizer (Cognição) e realizar (Execução) o direito.

Nestes casos, o Estado além de não dizer não realiza o direito.

Sendo inaceitável a irrestrita concepção de que para se recorrer tem de haver positivamente uma decisão.

A omissão, em não decidir o pedido de tutela antecipada, ou não apresentar de forma expressa os efeitos da sentença ou da apelação é mais grave do que qualquer tipo de ação.

O direito em “n” casos já prevê a tutela contra a omissão, cita-se: imputação penal por crime omissivo, responsabilidade administrativa por omissão, writ contra ato omissivo, havendo inclusive remédio constitucional contra omissão do legislador. Pergunta-se, qual o motivo de não se estender a possibilidade de recurso em face de omissão?

O Processo mais uma vez, que tem por finalidade ser um instrumento, passa a ser um desfavor ao cidadão, pois, não possibilita a realização do seu direito material.

A interpretação das prescrições processuais deve ser feita a luz do Texto Constitucional, em especial com a observância do art. 5º, inciso XXXV, Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição.

Neste sentido transcreve-se o entendimento dos Doutos Professores e Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery , e Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa :

“11. Recurso. Por não possuírem conteúdo decisório algum, os despachos são irrecorríveis (CPC 504). Contudo, se causar dano à parte ou interessado, não será despacho mas decisão interlocutória, sendo impugnável pelo recurso de agravo. Caso o autor ingresse com pedido de liquidação por artigos e, em sua petição inicial da ação de liquidação de sentença, o juiz pronunciar-se mandando os autos “ao contador”, significa que indeferiu o requerimento de liquidação por artigos e a mandou processar por cálculo do contador. Este ato é decisão interlocutória impugnável por agravo (Nery, Recurso, 204/208). Dizer que se trata de despacho recorrível é violar o sistema do CPC, que resolve de forma satisfatória a questão.

“Decisão que suspende indefinidamente o andamento do feito não é de mero exepdiente; tem carga de lesividade”.

O entendimento apresentado é inequívoco em caracterizar que a possibilidade ou não de se recorrer, não se restringe a resolução da questão, mas sim ao efetivo prejuízo decorrente desta.

Portanto, estando caracterizada a mora na prestação da atividade jurisdicional, não sendo de fato tutelado o direito devido aos injustificados e descabidos despachos ou na não produção destes, implicando em verdadeira omissão à tutela jurisdicional, deverá ser possibilitado, por exemplo, o manejo do recurso de agravo.

Retornando ao exemplo inicial, a Lei de nº 1.533/51 no seu artigo 12, parágrafo único prevê a hipótese de execução provisória da sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança:

“Art. 12. Da sentença, negando ou concedendo o mandado, cabe apelação.

Parágrafo único. A sentença que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente.”

No que tange a sentença denegatória do MS, a súmula 405 do Excelso Supremo Tribunal Federal estabelece que fica sem efeito a liminar concedida. A conjunção da referida prescrição legal, e do entendimento consubstanciado na súmula 405 do STF traduz em qua(l)(is) efeito(s), apenas devolutivo, em regra, é recebida à apelação que objetiva a reforma da sentença proferida no Mandado de Segurança.

Com a edição do Texto Constitucional em 1988 foram recepcionadas as prescrições contidas na Lei de nº 1533/51, bem como, por não ter sido revogado, ainda persiste o teor da súmula nº 405 do STF.

Contudo, a interpretação das referidas disposições, editadas com base na legislação infraconstitucional deve ser feita à luz das prescrições contidas no Texto Maior, em especial no disposto no artigo 5º inciso XXXV:

“XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

O referido dispositivo não se limita a garantir a prolatação de uma decisão, mas sim impõe que a atuação do judiciário seja pautada em EFETIVIDADE e EFICÁCIA, resguardando-se de fato o interesse do jurisdicionado.

Sendo que somente poderão ser aplicadas as disposições contidas na referida súmula do STF e na Lei nº 1533/51, desde que estas não dispam de efetividade e eficácia a atuação jurisdicional, ou seja, não impliquem em “lesão ou ameaça a direito”.

Neste sentido o legislador infraconstitucional, editou o art. 558 parágrafo único do Código de Processo Civil, dando aplicabilidade a prescrição contida no art. 5º inciso XXXV da Constituição da República, prevendo as hipóteses de concessão de efeito suspensivo as apelações, desde que preenchidos os seguintes requisitos, “lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação”. “Art. 558. o relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto neste artigo às hipóteses do art. 520″.

“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:

(….)”

Logo, desde que preenchidos os requisitos contidos no artigo 558 CPC poderá ser conferida a apelação, que em regra é apenas recebida no efeito devolutivo, o efeito suspensivo. Outra dúvida se dá quanto à interpretação, literal ou sistemática, do art. 558 do CPC.

Pela literalidade do dispositivo chega-se a conclusão de que a concessão excepcional do efeito suspensivo deverá ser feita apenas pelo relator da Apelação.

Contudo, se o entendimento adotado for este, estaria o referido dispositivo legal despido de qualquer efetividade, pois aguardar a análise de admissibilidade do recurso pelo Juízo “a quo”, a intimação para a parte contrária contra-razoar, além de todos os trâmites de remessa, recebimento e distribuição da Apelação, para só então chegar ao Relator implicaria, de fato, na não proteção a “lesão ou ameaça a direito”, garantias estas asseguradas pelo Texto Constitucional.

Sendo que a única forma de se garantir o interesse do jurisdicionado seria com a efetivação da pronta tutela ao seu direito.

Havendo uma construção tanto doutrinária, quanto jurisprudencial, utilizando-se uma interpretação sistemática e em conformidade com a Constituição, do dispositivo contido no art. 558 do CPC, chegando-se ao entendimento de que quando se lê “relator” deve-se entender tanto “relator” quanto o juiz de primeiro grau que receba o recurso.

Neste sentido, transcreve-se o entendimento dos Doutos Professores Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa , e Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery :

“Art. 558:5 Resulta, da combinação do “caput” com o parágrafo, que, em todos os casos de agravo ou de apelação no efeito apenas evolutivo (art. 520) , o relator pode dar efeito suspensivo ao recurso, desde que seja relevante o fundamento invocado e da execução possa resultar lesão grave e de difícil reparação. Neste sentido: JTJ 204/184, RJ 276/95.” (…)

Mas, na hipótese do parágrafo único, em que o recurso cabível é a apelação,com efeito meramente devolutivo, os autos só chegam ao relator depois de um demorado processamento do recurso, em primeiro e segundo graus de jurisdição. Essa demora em que o relator decida se lhe dará ou não efeito suspensivo pode causar prejuízo de difícil reparação à parte. Como proceder? Ao interpor a apelação, o recorrente poderá pedir ao juiz que, enquanto esta não subir ao tribunal, lhe atribua efeito suspensivo, até que o relator, na devida oportunidade, se manifesta sobre esse pedido. Se o juiz indeferir o requerimento, ficará aberta à parte a possibilidade de agravar de instrumento (s/ cabimento do agravo, v. art. 518, nota 4), com o que se ensejará ao relator dar efeito suspensivo à apelação (v. art. 527-III).”

“11. Apelação. O caput do CPC 558 refere-se ao recurso de agravo, ao passo que o par.ún. do CPC 558 estende a regra do caput para o recurso de apelação.

12. Destinatário da norma. São os juízos a quo (juízo de primeiro grau) e ad quem (tribunal). O juízo a quo é o primeiro destinatário da norma do par. ún. CPC 558. Interposta a apelação, pode o mesmo juízo que proferiu o ato impugnado dar efeito suspensivo à apelação, nos casos do CPC 520, já que ele tem o juízo de admissibilidade diferido do recurso. Com a competência para proferir, de forma definitiva, o juízo de admissibilidade da apelação é do tribunal ad quem, com muito maior razão pode o relator, na função de juiz preparador da apelação conferir o efeito suspensivo, se a parte o requerer e se estiverem presentes os requisitos do CPC 558 caput. V. casuística, abaixo”.

Portanto, para se ter uma interpretação do referido dispositivo legal, e das demais prescrições contidas no Código de Processo Civil, em conformidade com o Texto Constitucional, em especial, em relação ao art. 5º, inciso XXXV, efetivando seu conteúdo, deve se fazer uma leitura no primeiro caso, possibilitando a concessão de efeito suspensivo tanto pelo relator do Acórdão, quanto pelo juiz de primeiro grau, no caso de apelação que em regra deveria ser recebida apenas em seu efeito devolutivo, e no segundo, viabilizar a tutela face a inércia jurisdicional.

Artigo finalizado em 10/7/2004