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Do dever de fundamentação da decisão do Juiz na concessão da Antecipação de Tutela Ex Officio

A atividade judicante impõe ao seu exercitante o constante aprimoramento do ofício. Desta sorte, carece tal atividade de pessoas comprometidas com a sua função institucional e social, sendo sensíveis às distorções ocorridos na sociedade, capaz de buscar caminhos que possibilitem a fruição e proteção do direito material. Certamente um juiz que albergue estas características será capaz de imprimir em seus pronunciamentos a sobrelevada missão de certeza jurídica nas relações, mas não somente, pois uma decisão agasalhada de proporcionalidade e justiça é teoricamente mais capaz de conformar a parte vencida.

Desta maneira, é importante o equilíbrio do juiz nos seus pronunciamentos, de modo que não cause assombro aos que necessitam do judiciário. Portanto, a conduta do juiz deve pautar-se no quanto descrito na lei, quando esta for suficiente para resolução da contenda.

No entanto, não podemos esperar que o legislador seja capaz de prever abstratamente todas as nuances de litígios que poderão ocorrer no campo da vida. Neste instante, em que vagueia a legislação, em relação à resposta, para a contenda sob analise e não podendo o juiz deixar de decidir sob o argumento de inexistência de previsão legal para o fato, resta socorrer-se à experiência de vida, aos princípios gerais do direito, ao bom senso, a equidade, o senso de justiça, interpretando, deste modo, o sistema processual em sua plenitude .

Necessário enfatizar que nem sempre foi assim a atividade judicante.Em outrora o juiz deveria vestir de mero expectador da luta travada pelas partes no processo. Caso envidasse esforços na busca real dos fatos, como: determinasse a produção de prova de esponte própria, poderia ser visto, aquele ato, como o decorrente de juíz parcial..

Atualmente, não mais persiste este pensamento, pois se entende que o juiz deve ser pro – ativo no processo, não podendo portar-se como mero espectador.. Porém, não podemos nos dar por satisfeitos com o atual estágio alcançado de consciência institucional pelo órgão judicante, dado que é necessário avançarmos em nosso senso de justiça e de direitos frente ao órgão judicante.

Segundo OTACÍLIO JOSÉ BARREIROS “Um Judiciário forte, ágil e respeitado seria o braço invergável dos oprimidos, e não mero privilégio dos juízes, como equivocamente vem sendo alardeado na mídia, ultimamente, por setores poderosos da sociedade, aos quais, por razões tão conhecidas, não interessam o fortalecimento do órgão estatal incumbido de distribuir Justiça. E assim deveria ser, pois, vedada a autotutela, como regra, uma jurisdição efetivamente poderosa é a garantia de que os direitos serão respeitados, e se não o forem, sobra a esperança de que poderão sem muitas delongas ser resgatados”.

Um breve retrato histórico da atividade judicante será capaz de mostrar o caminho a seguir e quanto já se alcançou, desta forma CASTANHEIRA NEVES descreve a atividade judicante no positivismo, qual seja:

Daí a fundamental exigência da prescrição das leis sub especie codicis, enquanto justamente a forma jurídico-positiva dessa essencial racionalidade. Pois a idéia de código, no seu sentido cultural e juridicamente específico, implicava que um código não fosse mera coletânea de leis, mas um corpus legislativo que se propunha, de modo racional, sistemático e unitário, a regulamentação total e exclusiva, e mesmo idealmente definitiva, de um certo domínio jurídico.

Com essas idéias é que em 1804, com a promulgação do Código de Napoleão, surge a Escola da Exegese. DANILO KNIJNIK apud Marco Eugênio Gross deduz com bastante precisão o objetivo desta escola, ao afirmar que:A Escola da Exegese arranca seu fundamento da idéia segundo a qual o direito manifestar-se-ia, unicamente, nas leis, e não haveria outro direito além daquele que as leis prescrevessem. Recusava-se, assim, validade normativa a qualquer elemento extra-textual à lei, é dizer, a lei é não só a única fonte do direito, como, ainda, o critério normativo-jurídico exclusivo, ao passo que os juízes não deviam ser, senão, a boca que pronúncia as palavras da lei, na célebre passagem de Montesquieu.

Neste período, os códigos não abriam margem à interpretação, pelo julgador, disforme à interpretação pura e fria da lei estatuída, restando ao julgador a atividade mecânica de subsunção do fato à norma. Neste período se reluziu em enorme grau o ideal da segurança jurídica com o fito de preservar o direito individual . Não havia, pois, espaço para valorações interpretativas no trabalho do juiz. CASTANHEIRA NEVES neste contexto, diz-se que neste período histórico tentou-se uma aproximação do direito com as ciências , uma vez que toda a expressão do direito deveria se encontrar dentro dos códigos, com que o sistema da época não admitia a existência de lacunas.

O juiz tem o dever de interagir com a sociedade, não podendo estar aprisionado em uma redoma de normas, pois não há juiz fora da sociedade, ou seja, ou está vinculado a questões sociais sob pena de ser um mero leguleio, e assim, será mais um a atiçar o fogo que deteriora a credibilidade do judiciário, ou pelo contrário, alberga em seu espírito a luta pelo fim de privilégios dos mais poderosos sobre os que estão em condição menos privilegiada, bem como impunhar a luta contra a manutenção do status quo, o qual também é responsável por um modo de pensar segundo os interesses que servem as classes privilegiadas.

Portanto, a sociedade tem que exigir mais do que se exigiu até hoje em relação ao judiciário, isto é, se reclamou sempre por leis mais eficazes, que atendam aos dissentimentos sociais, no entanto, não se reclamou por um modelo de juiz, pois caso haja condicionamento da atividade do juiz à pura aplicação da lei, estaremos ao alvitre daqueles que querem fazer ressurgir os tempos napoleônicos. Não estamos pugnando por um ser onipotente, senhor indiscutível e não sujeito a contestações, queremos tão somente que o juiz não seja um mero leguleio e o que remete inicialmente a um juiz pós moderno.

Surge, ainda, no que toca a aplicação da lei pelo juiz, outro questionamento, qual seja: poderia o juiz entendendo a norma incapaz de atender à necessidade do caso concreto, infirmar requisito estabelecido na lei para privilegiar a melhor solução para o caso concreto? Ou ainda estaria o juiz inevitavelmente obrigado a aplicar a norma ao caso concreto ainda que entenda não ser aquela norma suficiente para melhor solução do caso concreto?

A resposta para esta pergunta está no íntimo das pessoas quando estas têm notícia de que um juiz magistralmente agiu de forma elogiável para atender as necessidades do caso concreto e prestigiar os desígnios da sua profissão. Apesar da indeterminação do termo justiça, podemos dizer quando uma decisão apresenta-se justa quando amparada pela razoabilidade.

Notável exemplo é de um juiz federal que dirigindo a contenda de um velho senhor contra uma autarquia federal (INSS), este amparado por um procurador que procrastinava de todos os modos possíveis o deslinde da prestação jurisdicional, enquanto aquele se lastrava no que a sua miserável condição financeira oferecia-lhe: o apoio de um núcleo de prática jurídica de uma faculdade.Visando garantir condições de existência física para que aquele pobre senhor pudesse acompanhar até o fim o processo, concedeu-lhe a tutela antecipada de ofício concedendo-lhe o benefício, dado as possíveis condições que tinha o senhor de sagrar-se vitorioso no pleito, e o manifesto propósito protelatório do réu amparado por um resistente abuso de direito de defesa.

Elogiável, pois, a fundamentação da referida decisão, como na verdade devem ser carreadas todas as decisões judiciais, em especial as decisões em exame: concessão da tutela antecipada de oficio. Neste caso, deve o juiz, calcado no objetivo de dar ao caso concreto a melhor decisão, fundamentar de forma percuciente a sua manifestação, explicitando a justeza da decisão, relevando sua real necessidade, sempre tendo como parâmetro a verossimilhança das alegações da parte e o manifesto propósito protelatório do réu, baseado em seu abuso de direito de defesa.

Ademais, a fundamentação das decisões judiciais impinge de legalidade e de justiça a decisão, dado que, caso a parte se sinta prejudicada da decisão, terá o que atacar em um eventual recurso. Ainda, é direito público subjetivo da parte ter uma decisão judicial fundamentada, dado que se trata de garantia constitucional e cláusula pétrea, as quais não podem ser infirmadas a exemplo do inc. III do artigo 60, parágrafo 4º, da CF/88, in verbis: “III- os direitos e garantias individuais, que, especificamente para esse texto, são consubstanciados no art. 5º da CF”.

Saliente-se que, não só as partes, mas à sociedade interessa a fundamentação das decisões judiciais, pois abrilhantam o ideal de conformidade da decisão à legalidade e a afasta das nefastas épocas, tão próxima, em que o juiz decidia por achar que deveria ser daquele modo e não carecia de fundamentação.

Não é consentâneo com o Estado Democrático de Direito que a parte que foi atingida em seu direito use das próprias mãos para reverter à situação, pois o Estado tomou para si o monopólio da jurisdição, sendo, portanto, obrigado a solução de qualquer contenda. Deste modo, é importante que a parte que veio em busca de uma proteção judicial para seu direito, encontre-se em condição mais favorável, em vista do seu adversário, em relação àquela condição em que veio a juízo buscar a proteção. Caso não se conduza neste sentido, a credibilidade do sistema se inclinará para o descambo da ordem jurídica.

Poderiam alguns acreditar que com a proteção judicial que sobreleva uma condição mais favorável à parte, no caso de entregar a parte o que efetivamente teria direito caso a outra parte adimplisse espontaneamente a obrigação, estaria o juiz infirmando o contraditório e sendo parcial. Não propugnamos que o juiz decida sem conhecer em sua inteireza o teor da relação e o que alavancou a contenda, estar-se propugnando por um maior dinamismo do juiz, não assistindo inerte o perecimento do direito da parte, pois o direito está para ser realizado, e nada serve ao seu titular a certeza psicológica de tê-lo, sem a sua possível implementação, caso queira. Sendo assim, não resta ao juiz, conhecedor do direito e dos fatos que regem a contenda, sinalizar no sentido de impedir que a parte sem razão impute o direito da outra ou até seja capaz de ceifá-la.

Neste horizonte deve o juiz obstar ações daquele que não é titular do direito, e que usa do processo como instrumento para procrastinar o adimplemento da obrigação. Para que a quem realmente assiste a razão não veja desdenhado o seu direito. Obviamente não se está pugnando impedimentos ao direito de defesa, no entanto não pode o juiz ser apenas um do direito em relação as partes e ao processo, sendo evidente que o juiz não deve desprezar algumas situações em que há evidente prejuízo a uma das partes caso não dirija o processo com dinamismo.

Nesse mesmo sentido é a constatação de MAURO CAPPELLETTI :

Atualmente admite-se em geral que a utilização de um juiz mais ativo pode ser um apoio, não um obstáculo, num sistema de justiça basicamente contraditório, uma vez que, mesmo em litígios que envolvam exclusivamente duas partes, ele maximiza as oportunidades de que o resultado seja justo e não reflita apenas as desigualdades entre as partes.

Poderíamos, pois, ainda pensar por outro sentido, ou seja, de que prestígio gozaria um judiciário que se prestasse apenas à pura subsunção do fato a norma, adiabaticamente aprisionado em uma interpretação fria das normas, as quais apenas servissem para modelar-se ao caso concreto, sem atender aos contornos e peculiaridades de cada situação. Ainda, poderia haver criticas à conduta do juiz no sentido de que estaria infirmando o principio dispositivo residente em nosso modelo processual. Muito menos, pois, antes do principio dispositivo temos alguns outros princípios que primordialmente dirigem o processo, dentre eles o da efetividade da prestação jurisdicional, o do amplo acesso à justiça em seu sentido lato, ou ainda, como fim teleológico da manutenção da paz e ordem jurídica.

Ademais, não pode em meio a todo este complexo de desígnios dentro do processo, o juiz prestar-se a um mero expectador, devendo ser ativo quanto aos deveres das partes no cumprimento de todos os seus deveres processuais, dirigente no objetivo do andamento do processo.No entanto, importa ressaltar que não pode o juiz descurar em relação aos deveres das partes de provar tudo quanto alegado em seu favor, e da outra de obstar tudo quanto deduzido pela parte contraria em seu desfavor . Desta forma, a repartição dos ônus processuais será mais uma ferramenta no fomento do convencimento do juiz e para a sua dirigência no processo para esclarecimento da verdade.

Os ensinamentos do mestre BEDAQUE são precisos neste sentido, para quem “as normas processuais devem ser interpretadas em conformidade com a finalidade do processo, qual seja, a efetivação do direito material” . Pois, a ciência processual deve ser precipuamente enxergada em razão do fim à que fora criada, não se prestando a albergar meras orientações isoladas para situações acontecidas no campo da vida, pois desta sorte não mereceria a dotação de ciência. Importante, pois o dever do juiz de fazer uma interpretação sistemática capacitando-se ao atendimento com soluções capazes de imprimir uma solução justa .

Mercê das linhas deduzidas em alhures, quer-se fazer notório que ao juiz cabe o poder diretivo do processo em todas as suas etapas, requisitos, resultados e em especial a sua adequação ao seu atendimento da justiça, a qual deve permear todas as decisões judiciais, pois de nada adiantaria uma decisão traçada por todos os critérios, requisitos formais que esteja eivada de injustiça e desatendimento ao dever de harmonização social. Temos, pois as lições de MAURO CAPPELLETTI:

Quer-se aludir ao fato de que o juiz, além dos poderes de direção formal, vem a assumir também poderes atinentes ao objeto deduzido em juízo, à matéria do processo. Não se chega à conclusão extrema de desvincular o juiz do poder dispositivo e exclusivo das partes em matéria de ação e de exceção (e de determinação dos elementos constitutivos da ação e da exceção, entre eles o elemento causal); porém, se atribui, sem embargo, ao juiz um poder de intervenção, de solicitação, de estímulo.”

A direção material do processo, desde que conduzida nos limites legais, respeitando-se os princípios que devem nortear a marcha dialética do due process of law, em nada arranha a imparcialidade do juiz, como se acredita ter demonstrado.