O fato de o frotista, que adquiriu automóveis diretamente do fabricante, vender os bens a terceiros não acarreta responsabilidade fiscal ao fabricante. O entendimento unânime é da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), isentando a Fiat de Automóveis de pagar ICMS à Fazenda do Estado de São Paulo.
A Fiat vendeu cinco automóveis diretamente a uma empresa frotista, a Durão Comércio de Rolamentos Ltda., destinados a integrar o seu ativo fixo, de acordo com o disposto no inciso II do artigo 15 da Lei de Concessão de Veículos Automotores (6.729/79, que dispõe sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre). Segundo a lei, o concedente poderá efetuar vendas diretas de veículos automotores através da rede de distribuição a frotistas de veículos automotores, expressamente caracterizados, cabendo unicamente aos concessionários objetivar vendas desta natureza. Nessa hipótese, a margem de lucro presumida de 20% na base de cálculo do ICMS, relativa à revenda, deixa de ser incluída no recolhimento do imposto, pois se trata de operação de venda direta a consumidor final.
A Fazenda paulista, no entanto, constatou que a empresa que adquiriu os veículos os revendeu imediatamente a terceiros, sem integrá-los ao seu ativo fixo, conforme havia declarado expressamente à fabricante. Atribuiu a responsabilidade à Fiat, como substituta tributária, e autuou-a, exigindo-lhe o pagamento da diferença do imposto com multa. A Fiat impetrou uma ação anulatória de débito fiscal se defendeu sob o fundamento de que o fisco lhe atribuiu não a responsabilidade pelo recolhimento da exação, mas por infração fiscal cometida por terceiros. A autuação, no entanto, foi mantida sob o entendimento de que a fabricante deveria ter tomado precauções para que as irregularidades não acontecessem.
Na segunda instância do Judiciário paulista, a autuação foi considerada juridicamente insubsistente. O desembargador relator considerou que, se o fabricante do veículo, responsável pelo recolhimento do imposto, vende o veículo para alguma concessionária sua, tem o dever jurídico de presumir a revenda do bem (devendo incluir na base de cálculo do imposto o lucro presumível). Contudo, se essa revenda não ocorrerá, em face do fundamento legal da operação, a substituta legal não tem o dever de prever o fato gerador posterior, ou seja, a irregular revenda do veículo.
Assim, concluiu que o Estado não pode criar hipótese de responsabilidade e nem alegar a determinação do Código Tributário Nacional de que a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Isso porque tal dispositivo de responsabilização exigiria a prova da vinculação da Fiat à prática da fraude fiscal constatada, pois essa fraude é que constitui o fato gerador da autuação.
Com a vitória da Fiat, a Fazenda de São Paulo recorreu ao STJ, argumentando que a venda de veículos da montadora diretamente a frotista é proibida por lei. Ao fazer a venda, a Fiat teria, de acordo com as alegações do fisco paulista, infringido o artigo 15 da Lei 6.729/79, cujo objetivo é evitar fraudes fiscais como “as que foram perpetradas neste caso”, pois a Fiat deixou de incluir o tributo das operações subseqüentes, na qualidade de substituta tributária. Afirmou, também, que a fabricante infringiu o Código Tributário Nacional (artigos 121, 128 e 136), daí decorrendo sua responsabilidade pelo crédito tributário relativo às operações.
Para o relator, ministro Humberto Gomes de Barros, não existe na Lei do ICMS dispositivo que atribua responsabilidade ao substituto tributário por fraude cometida pelo consumidor ao operar revenda ilegal dos veículos, cuja propriedade deveria conservar. A venda de automóveis diretamente do fabricante ao frotista, como consumidor fiscal, é autorizada pela Lei 6.729/79; o fato de a empresa ter revendido o veículo em vez de incorporá-lo ao seu ativo fixo não acarreta responsabilidade fiscal para o fabricante. “O descumprimento de qualquer dos dispositivos da lei pode gerar conseqüências que digam respeito apenas às partes envolvidas; jamais caracterizar infração tributária”, concluiu.