Empresa pública que tenha passado por processo de privatização deve formar capital para garantir pagamento de pensão ou indenização. Esse foi o entendimento unânime da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça ao rejeitar o recurso da Light Serviços de Eletricidade S/A contra um menor atingido por uma descarga elétrica. A relatora, ministra Eliana Calmon, lembrou o entendimento do STJ dispensando as empresas públicas da formação de capital garantidor – benefício que não é concedido às empresas privadas – e, agora, com a conclusão da Turma, também negado às empresas públicas que foram privatizadas.
No dia 9 de dezembro de 1991, o menor T.M.D. recebeu uma descarga elétrica ao tocar em um fio de alta tensão próximo ao terraço da casa de seu tio, na favela Para Pedro, no Irajá (RJ). Com o acidente, o menor teve seu braço esquerdo amputado. Inconformado, o pai de T.M.D., representando o filho, entrou com uma ação contra a Light. No processo, foi exigida uma indenização por danos morais, estéticos e materiais.
De acordo com a ação, a rede instalada pela Light não possuía os afastamentos mínimos exigidos pela norma brasileira. E, nos casos em que não é possível o afastamento mínimo, deve-se proteger os condutores para evitar o contato acidental por pessoas, o que, segundo o pai de T.M.D., também não foi feito pela Light. A empresa se defendeu afirmando que a construção do terraço da casa do tio de T.M.D. seria irregular. A Light também alegou que a responsabilidade da fiscalização da obra seria da Prefeitura do Rio de Janeiro. Por isso, para a concessionária, o tio do menor e a prefeitura deveriam responder à ação em seu lugar.
A primeira instância acolheu, em parte, o pedido do menor e rejeitou o da Light para ser substituída no processo. A sentença determinou à Light o pagamento, a título de danos materiais, de uma pensão no valor de um salário mínimo, a partir do mês do acidente até a data em que TMD completasse 65 anos. Como danos morais e estéticos, o Juízo fixou uma indenização de 150 salários mínimos, além do pagamento de um salário para tratamento psicológico e a aquisição de próteses ortopédicas. Para garantir o pagamento de tudo, a sentença determinou à Light a constituição de capital.
A Light, o menor e o Ministério Público apelaram. Os dois primeiros tiveram apenas partes dos seus pedidos aceitas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O pedido do MP foi acolhido na íntegra. A decisão de segundo grau manteve a constituição de capital pela Light para garantir os pagamentos, mas diminuiu o valor da pensão para 70% do salário. O TJ também retirou a verba destinada ao tratamento psicológico e ortopédico. Com relação ao apelo do menor, o TJ aumentou os valores dos danos morais e estéticos determinando, para cada, 300 salários. E acolheu o pedido do MP retirando a limitação do pensionamento até os 65 anos transformando a pensão em vitalícia. Com o julgamento, a Light e T.M.D. recorreram ao STJ.
Em seu recurso, a Light alegou que a determinação de se constituir capital garantidor estaria contrariando o artigo 20 do Código de Processo Civil. Já o recurso do menor discutiu a redução do pensionamento para 70% do salário mínimo. Para T.M.D., o valor deveria ser o do pedido, 100% do salário.
A ministra Eliana Calmon rejeitou os dois recursos. Ao julgar o de T.M.D., a relatora entendeu que a questão exigiria reexame de provas, o que é vedado pela súmula 7 do STJ. Com relação ao recurso da Light, a ministra manteve a obrigação à recorrente de constituir o capital para garantir o pagamento da indenização.
Eliana Calmon lembrou o entendimento firmado no STJ “de que a empresa concessionária de serviço público pode ser dispensada da formação de capital garantidor do pagamento da pensão mensal, recebendo diverso tratamento a empresa privada, pela incerteza da sua continuidade”. Com esse destaque, a ministra reconheceu que “à época do ilícito, era a empresa concessionária de serviço público”; mas essa situação mudou e “hoje é fato público e notório que a recorrente foi privatizada; nova realidade jurídica surgiu”, devendo, por isso, ser mantida a decisão do TJ/RJ pela constituição de capital.