A pessoa que assumiu um compromisso de compra e venda – pagando as prestações em dia -, e não tem mais condições de continuar quitando os valores do acordo pode entrar com uma ação para tentar rescindir o contrato. E, com a rescisão, solicitar a devolução dos valores pagos ao vendedor retirando-se apenas a quantia reconhecida como perdas e danos ao vendedor, que, neste tipo de processo, não tem culpa da rescisão. Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Com isso, a OK e a Recram Empreendimentos Imobiliários Ltda terão que devolver 80% dos valores pagos pelo casal Alves Rodrigues na compra de um imóvel em São Paulo.
O engenheiro João Junior Alves Rodrigues e sua esposa, a analista de materiais Sueli Aparecida Alves Rodrigues, adquiriram, em setembro de 1994, uma unidade do edifício Madson Avenue, em São Paulo. O casal chegou a pagar em dia 20 prestações do acordo, o correspondente a 25% do total. Mas, em novembro de 1995, João Junior e Sueli perceberam que não conseguiriam mais continuar quitando as prestações, pois “haveria sério comprometimento de valores destinados a gêneros de primeira necessidade”.
Com isso, o casal tentou um acordo com as empresas responsáveis pelo negócio, o Grupo OK e a Recram Empreeendimentos Imobiliários Ltda, ambos de São Paulo, para tentar transferir o imóvel a terceiros. Mas, até abril de 1996, João Junior e Sueli não conseguiram promover a transferência e, por isso, procuraram novamente as empresas. Nesse segundo contato, o casal tentou rescindir, amigavelmente, o acordo. Assim, a OK e a Recram deveriam devolver o que havia sido pago retendo apenas uma porcentagem a título de perdas e danos.
A segunda proposta não foi aceita pelas empresas, que retiveram tudo pago pelos compradores. Diante do impasse, João Junior e Sueli, com base no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, recorreram à Justiça buscando a rescisão do contrato e a devolução dos valores pagos, retirando-se a quantia correspondente às perdas e danos. Para o casal, seria inconcebível simplesmente deixar de pagar as prestações e aguardar as providências determinadas às empresas no caso de inadimplemento. A OK e a Recram contestaram a ação afirmando que o direito à devolução das prestações, previsto no CDC, só ocorre quando é o credor quem pede a rescisão do contrato.
A primeira instância negou o pedido do casal, que apelou, obtendo julgamento favorável no Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão de segundo grau rescindiu o contrato e determinou às empresas a devolução de 80% do valor total pago. Segundo o TJ/SP, o casal teria direito à rescisão do contrato, “já ocorrida na realidade” (no momento em que informou não ter condições de continuar pagando os valores), e de discutir as perdas e danos.
Para o Tribunal de Justiça, o fato jurídico gerador do direito dos compradores não teria sido a rescisão contratual por eles provocada, e sim, o abuso das empresas construtoras quando retiveram o valor total das parcelas pagas. “Há, sem dúvida, um prejuízo facilmente perceptível, consistente nos gastos administrativos ligados ao empreendimento. Mas também não se pode esquecer de que a porção construída do apartamento ficou para as rés”, acrescentou o julgamento do TJ.
As empresas recorreram ao STJ, mas o Tribunal superior manteve a decisão de segundo grau. O ministro Ari Pargendler, presidente da Terceira Turma, acompanhou o voto do relator do processo, o então ministro Waldemar Zveiter. Segundo Ari Pargendler, é possível a rescisão do contrato, principalmente, por se tratar no processo de promitente comprador adimplente que desistiu do negócio sem dele ter aproveitado, porque nunca teve posse do imóvel. O ministro Pargendler destacou, ainda, o caso do comprador simplesmente deixar de pagar as prestações ajustadas. Nessa hipótese, certamente, a iniciativa de rescindir o contrato seria das vendedoras. “Por que negar esse tratamento ao devedor adimplente, que, sem condições de cumprir as obrigações contratuais, toma iniciativa da rescisão?”, enfatizou.
O ministro Carlos Alberto Menezes Direito também acompanhou o voto do ministro Zveiter. Menezes Direito destacou decisões anteriores do STJ, algumas de acordo com o CDC, outras com base no Código Civil, mas todas na direção de se autorizar o pedido de rescisão pelo comprador adimplente. “A jurisprudência dessa Corte, portanto, está sendo consolidada na direção de permitir, presente circunstâncias especiais, peculiares ou particulares que impeçam a continuação do pagamento pelo comprador, ao devedor adimplente a iniciativa da ação para rescindir o contrato”.