Press "Enter" to skip to content

Costa Leite : Poder Judiciário não é bode expiatório

O Poder Judiciário não aceita o papel de bode expiatório em relação à lei que permite à Receita Federal a quebra do sigilo bancário. A afirmação foi feita hoje (15/12) pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite, em entrevista concedida à Rádio Jovem Pan. O presidente do STJ sustenta que um eventual reconhecimento, pelo STF, da inconstitucionalidade da lei recentemente aprovada pelo Congresso Nacional não pode ser usado como motivo para o não aumento do salário mínimo. Segue a íntegra da entrevista :

P – Ministro, durante a solenidade de posse dos Cavalheiros da Boca Maldita, uma tradicional confraria do País que defende a liberdade de expressão, o sr. fez um discurso forte contestando algumas tentativas que estariam acontecendo de desmoralização da Justiça e em especial do Poder Judiciário. Gostaria que o sr. dissesse o que tem feito para rebater estas tentativas ?

R – Eu tenho tentado, ao longo da minha gestão, dar uma maior transparência, uma maior visibilidade ao Poder Judiciário para que as pessoas o conheçam melhor. Eu tenho dito, com freqüência, que o Poder Judiciário é ainda um grande desconhecido da população brasileira e, muitas vezes, em função desse desconhecimento, as pessoas acabam formando um conceito equivocado da atuação do Judiciário. Eu reconheço que o Judiciário tem falhas, que há muito a fazer, que nós precisamos passar por algumas reformas, como a própria reforma em tramitação no Congresso, onde podem surgir idéias muito boas para o aperfeiçoamento e modernização do Poder. Acontecem, entretanto, certas coisas que nos preocupam porque acabam ofendendo a instituição. Um exemplo é esta questão da autorização judicial para quebra do sigilo bancário, onde já existe uma jurisprudência pacifica sobre esta necessidade. No entanto, vem uma norma que coloca o Judiciário como bode expiatório, pois se diz que o combate à sonegação trará recursos para um aumento do salário mínimo. É lógico que todos nós queremos o combate à sonegação e o aumento do salário mínimo, que é realmente uma vergonha nacional. Se o Supremo Tribunal Federal decretar a inconstitucionalidade dessa lei, como tudo indica que vai acontecer, dirão que o Judiciário mais uma vez frustrou a expectativa da nação. E isto não será verdade, o Judiciário só estará cumprindo um mandamento constitucional. Quando se faz uma lei, tem de se respeitar o ordenamento jurídico vigente.

P – O sr. entende esta lei como uma afronta ao Poder Judiciário, uma tentativa de tirar uma prerrogativa que é exclusiva dos juízes ?

R – Eu entendo que há esta prerrogativa e que ela deflui do texto da Constituição. E isso já foi objeto de decisões do Supremo Tribunal Federal. Me parece que, em função disso, nós ficamos numa situação difícil. Vamos imaginar que o STF, após o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade, derrube esta disposição. O Judiciário ficará numa situação difícil perante à opinião pública, pois a idéia que se tentou passar à sociedade é a de que isso é fundamental para o combate à sonegação e para a obtenção de recursos que resultem no aumento do salário mínimo. Nós passaríamos, mais uma vez, como bodes expiatórios. E isso nós não podemos aceitar mais. Nós temos de esclarecer a sociedade para que as pessoas saibam o que está realmente acontecendo.

P – O que poderia acontecer se essa lei não for considerada inconstitucional ?

R – Essa lei será sancionada, mas também vai ser questionada no STF. E, pelo que já ouvi, não tenho dúvida de que a OAB e outras entidades vão ingressar no Supremo argüindo a inconstitucionalidade dessa lei, exatamente neste ponto pois já há jurisprudência sobre a necessidade de autorização judicial para a quebra do sigilo. E nós temos um grande paradoxo no projeto, pois é exigida a autorização judicial em relação ao Ministério Público e em relação ao Tribunal de Contas, e não se exigirá em relação ao maior interessado que é a Receita Federal. Me parece que, se não houvesse exigência para o Ministério Público e o Tribunal de Contas, nós até teríamos uma justificativa, o que a meu juízo também levaria a uma inconstitucionalidade. Eu acho importante o combate à sonegação e nós temos de encontrar medidas eficazes para isso. O que nós não podemos é sacrificar direitos de pessoas que cumprem com suas obrigações para com o Fisco. Ou há privacidade ou não. A Constituição é para valer ou não ? Existe ordenamento jurídico ou não ? São essas coisas que precisam ser questionadas e é por isso que eu estou saindo em defesa da instituição.

P – A lei coloca o Judiciário em uma situação delicada frente à opinião pública….

R- Eu não tenho dúvidas disso, pois se houver a decretação da inconstitucionalidade será dito que o Judiciário não cooperou. Não é bem assim. Nós não podemos, e isso as pessoas precisam entender, decidir em razão de aspectos circunstanciais. O Judiciário tem de preservar os grandes valores que estão na Constituição. O direito à privacidade está lá na Constituição. Isso é sagrado.

P – O sr. acha que o assunto poderá provocar uma crise entre os Poderes ?

R – Eu não acredito que se chegue a tanto. Eu penso que nós estamos exercendo um juízo crítico, mas não acredito que se vá chegar a uma crise, até porque se o STF decidir pela inconstitucionalidade, os demais Poderes terão de observar, pois esta é a competência do Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição, seu grande intérprete. Por isso eu acho que não haverá crise. A minha preocupação não é essa, antecede a esta hipótese. A minha preocupação é a de que a opinião pública não seja levada a entender, equivocadamente , que o Judiciário não quer cooperar com medidas importantes. E nós temos de reconhecer que o combate à sonegação é importante, mas vamos fazer isso respeitando o ordenamento jurídico. Por que a Receita não pode se sujeitar à autorização judicial ? Qual é o problema ? Quando os juízes recebem estes pedidos e há indícios claros de sonegação, os juízes naturalmente autorizam.

&