INTRODUÇÃO I – APRESENTAÇÃO HISTÓRICA II – CONCEITO DE EMPRESA III – SISTEMAS FRANCÊS E ITALIANO IV – AS DIVERSAS TEORIAS DOS ATOS DE COMÉRCIO V – Definição de Atos de Comércio no Brasil VI – Diferença entre Comerciante e Empresário VII – Teoria de J. X. C. Mendonça – conceito inteiramente legal VIII – CONCLUSÃO
A presente artigo trás a luz do Direito Comercial os aspectos do Estabelecimento comercial bem como a atividade empresarial, dando enfoque a parte Histórica do Direito Comercial até os dias de hoje.
INTRODUÇÃO
O Direito comercial pode ser conceituado juridicamente, segundo Rubens Requião, como: “o conjunto das atividades que, em determinado país e em dada conjuntura histórica, se aplica o direito comercial desse país, e muitas dessas atividades não se podem justamente definir como comerciais”. Esta é uma distinção artificiosa do conceito jurídico do conceito econômico, pois não se pode definir o direito comercial como direito do comércio.
Para atingir o equilíbrio social, quando existe conflito de interesses nas relações que envolvam o comércio ou o comerciante, o Estado se vale do instrumento Direito Comercial, que compreende leis, princípios, doutrina e jurisprudência. Toda lei e todo princípio jurídico têm uma causa anterior de ordem social, econômica e política.
A evolução histórica apresenta as origens do Direito Comercial e de seus princípios, fundamentando as premissas em que se apóia. Com isto é possível avaliar cada problema e suas implicações, sabendo se o efeito da aplicação de uma disposição legal é justo, injusto, atual ou ultrapassado, permitindo solucionar o problema específico e dar tratamento adequado para manter o equilíbrio social.
Para que seja atingido tal objetivo é preciso esclarecer o que são os atos do comércio, pois sem compreender o seu significado e seu campo de atuação, torna-se impossível a sua aplicação e o entendimento deste ramo do Direito.
I – APRESENTAÇÃO HISTÓRICA
As normas jurídicas disciplinam a atividade econômica, são elas as principais responsáveis pelo governo da produção e circulação de bens e serviços. Podemos dividir o direito em duas áreas: a do direito público, que visa a supremacia do interesse público, onde as leis e normas estabelecem desigualdade nas relações jurídicas, para que o direito geral prepondere sobre o particular; e a do direito privado, para dar a autonomia da vontade e da igualdade.
Apesar da vontade humana ser a fonte dos direitos, ela é limitada pela ordem jurídica, que atua sobre a vontade dos particulares. Neste último século tivemos o crescimento da interferência externa à manifestação dos particulares na regulação de seus interesses. Esta constatação situa a questão dos limites do princípio da autonomia privada como ponto essencial acerca das relações jurídicas entre particulares.
1.1 – Evolução Histórica
Fábio Ulhoa apresenta a evolução histórica do direito comercial dividida em quatro períodos e suas principais características:
1º Período
“No primeiro, entre a segunda metade do século XII e a segunda do séc. XVI, o direito comercial é o direito aplicável aos integrantes de uma específica corporação de ofício, a dos comerciantes. Adota-se, assim, um critério subjetivo para definir seu âmbito de incidência”.
2º Período
“No segundo período de sua história (séculos XVI a XVIII), o direito comercial ainda é, na Europa Continental, o direito dos membros da corporação dos comerciantes. Na Inglaterra, o desenvolvimento da Common Law contribui para a superação dessa característica. O mais importante instituto do período é a sociedade anônima”.
3º Período
“O terceiro período (séculos XIX e primeira metade do XX) se caracteriza pela superação do critério subjetivo de identificação do âmbito de incidência do direito comercial. A partir do código napoleônico, de 1808, ele não é mais o direito dos comerciantes, mas dos “atos de comércio””.
4º Período
“O marco inicial do quarto e último período da história do direito comercial é a edição, em 1942 na Itália, do Codice Civile, que reúne numa única lei as normas de direito privado (civil, comercial e trabalhista). Neste período, o núcleo conceitual do direito comercial deixa de ser o “ato de comércio”, e passa a ser a “empresa””.
II – CONCEITO DE EMPRESA
Conceitua-se empresa como sendo atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados estes mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria prima, capital e tecnologia). Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa).
Como atividade econômica, profissional e organizada, a empresa tem estatuto jurídico próprio, que possibilita o seu tratamento com abstração até mesmo do empresário. A separação entre empresa e empresário é apenas um conceito jurídico, destinado a melhor compor os interesses relacionados com a produção ou circulação de certos bens ou serviços.
III – SISTEMAS FRANCÊS E ITALIANO
Sistema Francês
O direito brasileiro se filia ao direito de tradição romanístico (sistema francês) que se divide em dois sistemas de disciplina privada da economia: civis e comerciais. Sua elaboração doutrinária é a teoria dos atos de comércio, que trata a atividade mercantil.
Sistema Italiano
O exercício da atividade econômica na Itália era regulado sob o prisma privatístico, encontra sua síntese na teoria da empresa (consagração da tese da unificação do direito privado), deslocando a fronteira entre civil e comercial, mas principalmente um novo sistema de disciplina privada de atividade econômica.
IV – AS DIVERSAS TEORIAS DOS ATOS DE COMÉRCIO
Existem diversas teorias dos atos de comércio que se resumem a uma relação de atividades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar elementos internos de ligação, o que acarreta indefinições à natureza mercantil de algumas delas. Serão apresentadas:
– Teoria do Prof. Alfredo Rocco
– Teoria dos Professores Lagarde e Rocco
– Teoria do Prof. Jean Escarra
– Teoria de Julliot e La Morandière – Doutrina Francesa
– Teoria de Otávio Mendes
4.1 – Teoria do Prof. Alfredo Rocco – não inclui lucro
4.1.1 – Atos de Comércio: por natureza intrínseca X por conexão
O Prof. Alfredo Rocco ao abandonar a pretensão de formular um conceito científico unitário para os atos de comércio, afirmou que o conceito unitário que se quer estabelecer será sempre um conceito de direito positivo. Procedeu à análise de toda a lista de atos de comércio, do antigo Código italiano, para deduzir o elemento unitário, comum a todos os ali relacionados. Recusou-se, a aceitar a doutrina dominante de que não existe um conceito único de ato de comércio.
Apresenta a síntese: “Ora, nós vimos que o conceito comum, que se acha imanente em todas as quatro categorias de atos intrinsecamente comerciais: na compra para revenda e ulterior revenda, nas operações bancárias, nas empresas, e na indústria de seguros, é o conceito da troca indireta ou mediata, da interposição na efetivação da troca. Na compra para revenda e ulterior revenda, temos uma troca mediata de mercadorias, e títulos de crédito e imóveis contra outros bens econômicos, geralmente contra dinheiro.
Nas operações bancárias, temos uma troca mediata de dinheiro presente contra dinheiro futuro, ou de dinheiro contra dinheiro a crédito. Nas empresas, temos uma troca mediata dos resultados do trabalho contra outros bens econômicos, especialmente contra dinheiro. E enfim nos seguros, uma troca mediata de um risco individual contra uma quota proporcional de um risco coletivo. Todo o ato de comércio pertence a uma dessas quatro categorias; é, pois, um ato em que se realiza uma troca indireta ou por meio de interposta pessoa, isto é, uma função de interposição na troca.
São diversos os objetos da troca: mercadorias, títulos, imóveis, dinheiro a crédito, produtos de trabalho, riscos. São diversas também as formas de que a troca se reveste. Mas o fenômeno da troca por meio da interposta pessoa, esse aparece em qualquer destas quatro categorias de atos contemplados na lei”.
Afasta Rocco a essencialidade do lucro, ou o intuito especulativo, na conceituação do ato de comércio.
“Em regra certamente, quem se interpõe ou se mete de permeio para realizar uma troca indireta não pretende arriscar indiretamente a sua atividade e os seus capitais e, pelo contrário, o que procura é um lucro. Mas, no ponto de vista do nosso direito positivo a intenção de lucro não se exige”. Assim, descartando o conceito do lucro, o autor abrange entre os atos de comércio os praticados pelas entidades estatais, ou de outros organismos públicos de interesse da coletividade. Também reconhece que alguns são considerados comerciais pela lei, porque representam um modo inequívoco e característico, uma interposição de pessoas na troca, “enquanto que outros são declarados comerciais posto não tenham uma função econômica característica, só na medida em que se acham conexos com uma operação de interposição”.
O Prof. Rocco, assim, deduz a classificação dos atos de comércio: atos comerciais por natureza intrínseca, são constitutivos da interposição; e atos comerciais por conexão, servem para a intermediação, estes são em si mesmos economicamente neutros ou equívocos, servindo tanto aos atos civis como aos comerciais. E chega à definição: “É ato de comércio todo ato que realiza ou facilita uma interposição na troca”.
4.1.2 – Contraposição de Requião
Apesar de ser elucidativa a teoria de Rocco, tem ela a estreiteza (confessada pelo autor), de ter sido elaborada sobre o direito positivo. Rubens Requião afirma que “como o direito comercial brasileiro afastou de seu âmbito a especulação sobre imóveis, que continua ato estritamente civil, a conceituação de Rocco torna-se insuficiente para a nossa doutrina”.
Devo discordar da opinião de Requião sobre a “especulação sobre imóveis, que continua ato estritamente civil”, apresentando legislação que diz comerciais diversas formas de especulação sobre imóveis: a Lei 4068 de 09/06/1962, que declara comerciais as empresas de construção, e dá outras providências; a Lei 4591 de 16/12/1964, Lei do Condomínio, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias (permite falência para pessoas físicas); e a Lei 6404 de 15/12/1976, que dispõe sobre as sociedades por ações.
4.1.3 – Contraposição de Lagarde – Lucro, Especulação e Circulação
(semelhante à definição de Thaller)
O Prof. Gaston Lagarde, na França, em suas aulas na Faculdade de Direito de Paris, indaga do critério de comercialidade, considerando que o intuito lucrativo é necessário mas insuficiente para caracterizá-lo. O comerciante, por outro lado, é um intermediário entre produtor e consumidor, da mesma forma que o ato de comércio é um ato de interposição ou de circulação.
A compra para revenda responde perfeitamente a essa definição. Não é nem um ato de produção, nem um ato de consumação. E, assim, chega à definição de Thaller, de que “o ato de comércio é um ato de intermediação na circulação das riquezas”. Mas é necessário compreender que esta interposição não reveste caráter comercial se não for lucrativa; não pratica ato de comércio a associação caritativa que compra para revender ao preço corrente. “Dois elementos – especulação e circulação – intervêm, portanto, um e outro, na definição do ato de comércio”.
4.2 – Teoria dos Professores Lagarde e Rocco
4.2.1 – Sistemas: Descritivo X Enumerativo
Pode-se perceber (através de Rocco e Lagarde) as dificuldades para se encontrar uma teoria científica dos atos de comércio. Não se consegue, na verdade, formular um critério universal, unitário, para os mesmos, de forma a se elaborar uma teoria científica. Temos que nos contentar, com simples noções ou critérios para explicarmos os atos de comércio. Assim a mediação e a especulação são os elementos marcantes do ato de comércio, desde que coexistam.
Na impossibilidade de se ter um conceito científico para os atos de comércio, o direito comercial por fim adotou critérios de direito positivo. Passou, então, o legislador a designar os atos que a lei reputa comerciais.
Formaram-se, todavia, dois sistemas legislativos em relação aos atos comerciais: o sistema descritivo, onde a lei conceitua, descritivamente, os atos de comércio de uma forma generalizada (exemplo: o Código Comercial português e o Código Comercial espanhol), traça o critério definindo legalmente os atos de comércio; e o sistema enumerativo, sistema mais em voga em virtude da influência do Código Napoleônico, a lei encarrega-se de determinar, enumerativamente, os atos que considera ou reputa comerciais.
4.2.2 – Sistemas Enumerativo: Limitativo X Taxativo X Exemplificativo
O sistema enumerativo acarretou, todavia, profunda controvérsia, sobretudo na França, pois foi necessário indagar se a enumeração da lei era limitativa ou taxativa, ou era simplesmente exemplificativa. A prevalecer o primeiro critério, o elenco dos atos de comércio se esgotava na lista legal, não permitindo a extensão analógica a outros atos que, posteriormente ao Código, surgissem em decorrência da evolução da técnica mercantil dos negócios.
Rocco, no estudo já citado, sustenta que a enumeração legal é exemplificativa e não taxativa e que, por isso, quando a natureza particular das diversas disposições legais a isso não se oponha, pode reconhecer-se caráter comercial, por extensão analógica, a outras espécies de atividades não referidas pela lei, uma vez que mantenham, com as nela contempladas, caracteres comuns.
No que se refere ao direito brasileiro, cuja enumeração dos atos comerciais não constou do texto do Código, mas de seu Regulamento, temos para nós que a enumeração é exemplificativa, sendo permissível ao intérprete, e aos tribunais, estendê-los por analogia a outros atos ali não catalogados como veremos adiante.
4.2.3 – Contraposição do Prof. Jean Escarra
Direito dos comerciantes e dos atos de comércio
O Prof. Jean Escarra escreveu: “A doutrina considera geralmente que a enumeração contida nos artigos 632 e 633 é limitativa. A razão que dá é que o direito comercial é um direito de exceção, impondo aos indivíduos que dele dependem um estatuto rigoroso, por conseqüência de ordem pública, e cuja esfera de ação não pode ser modificada pela vontade dos indivíduos. Todavia, outros autores admitem que uma interpretação restritiva não é necessariamente uma interpretação literal, e consideram que alguns atos não atingidos pela enumeração legal podem ser declarados comerciais em virtude da analogia e por imposição mesmo da lei”.
Esclarece, por fim, que a jurisprudência não aderiu à tese da enumeração limitativa. O importante é estabelecer-se a natureza da enumeração, a fim de, em se aplicando os princípios da analogia, estender a outros atos a declaração de sua comercialidade.
4.3 – Teoria do Prof. Jean Escarra
4.3.1 – Concepção: Subjetiva (relativa) X Objetiva (absoluta)
Já sabemos que os atos de comércio subjetivos, ou relativos, decorrem da ação de um comerciante e, portanto, do exercício de sua profissão; os objetivos, ou absolutos, são intrinsecamente comerciais e, como tais, definidos pela lei. São atos comerciais assim considerados por força da lei. O exemplo clássico destes atos é a emissão de letra de câmbio.
Assim, diz o Prof. Escarra que o direito comercial é ao mesmo tempo o direito dos comerciantes e dos atos de comércio. Assim, no direito tradicional, para fixar a sua esfera de ação, o legislador não pode deixar de se apoiar em uma ou em outra noção. No primeiro caso o sistema do direito comercial repousa na concepção subjetiva, e, no segundo, na concepção objetiva. Disso decorre a classificação das doutrinas francesa e italiana, tradicionais, dos atos de comércio em objetivos e subjetivos. Os autores alemães, aos atos de comércio objetivos chamam absolutos e aos subjetivos denominam relativos.
4.4 – Teoria de Julliot e La Morandière – Doutrina Francesa
4.4.1 – Atos: por natureza X objetivos X acessórios (X mistos ou bifrontes)
A doutrina francesa (lição recente de Julliot de La Morandière), ao abordar a classificação dos atos de comércio, distingue três categorias:
– Os atos de comércio por natureza são enumerados nos artigos 632 e seguintes do “Code de Commerce”, servem para definir o comerciante e não são praticamente comerciais se não forem praticados por comerciantes (compra para revender, empresa de manufatura);
– Os atos de comércio objetivos são sempre submetidos às regras do direito comercial mesmo quando praticados por um não-comerciante (por ex., letra de câmbio). Eles são pouco numerosos e sua lista é discutível; e
– Os atos de comércio acessórios são atos jurídicos que fazem parte das duas primeiras categorias e que são realizados por comerciantes para as necessidades de seu comércio; longe de servir para definir o comerciante, eles supõem, ao contrário, essa qualidade da parte daquele que os faz.
Acrescentam-se seguidamente – conclui a lição – os atos mistos. Com efeito, além dos atos subjetivos, que Julliot de La Morandière denomina de atos de comércio por natureza, pois são praticados naturalmente pelo comerciante, e dos atos objetivos, há em alguns países mais outra categoria, como na Bélgica, cuja doutrina considera a existência de atos mistos ou bifrontes.
4.4.2 – Contraposição de Silva Costa
Configuram os atos mistos o ato civil e o ato comercial
Poucos autores adotam a teoria dos atos mistos no Brasil, sendo um deles Silva Costa, para ele, os atos mistos são os atos bifrontes, que de um lado configuram um ato civil e, de outro, um ato comercial. Invoca como exemplo para sua doutrina a compra e venda efetuadas por um não-comerciante e um comerciante, na qual aquele praticaria um ato regido pelo direito civil (a compra) e o segundo comerciante, um ato de comércio (a venda). O não-comerciante, no antigo regime da jurisdição dos tribunais de comércio, acionaria o comerciante no juízo do comércio, ao passo que o comerciante, ao ter que acionar o não-comerciante teria que ingressar no juízo civil.
4.4.3 – Contraposição de J. X. C. Mendonça
Sustenta a força “vis atractiva” do Direito Comercial (domínio)
A existência do ato misto é combatida com vantagem por J. X. Carvalho de Mendonça, que sustenta que a força atrativa (“vis atractiva”) do direito comercial os submete ao seu domínio.
4.5 – Teoria de Otávio Mendes
4.5.1 – O ato da “compra” determina ser o Direito Civil ou Comercial
Afastada a solução dos atos mistos, empenham-se os autores nacionais em profunda controvérsia para determinar a natureza do ato praticado por comerciante que compra um artigo para seu uso pessoal ou o que vende mercadoria para um não-comerciante. Otávio Mendes sustenta que na compra e venda o elemento predominante é a compra: se o não-comerciante vende ao comerciante, o seu ato será comercial para ambos; mas se é o não-comerciante quem compra, o ato será civil. “A razão é que o contrato de compra e venda é um só, cuja natureza comercial ou civil é determinada pela dívida do mesmo resultante. O elemento predominante do contrato, portanto, é a compra, com as responsabilidades à mesma inerentes. A venda, por si só, não influi sobre a natureza jurídica”.
4.5.2 – Contraposição de J. X. C. Mendonça
Pela integridade do ato – o erro se apresenta no art. 11 do Reg. 737
J. X. Carvalho de Mendonça é de opinião contrária. Afirma que são atos de comércio por natureza: a compra de gêneros de um comerciante a outro, ainda que o comprador não tivesse a intenção de revender, prevalece a integridade do ato, o vendedor pratica o ato no exercício profissional, vendendo o que adquiriu para revender, o ato é comercial para ambos; e a compra de gêneros por pessoa não-comerciante a comerciante comporta também o princípio da integridade do ato, o ato é de comércio.
O ato praticado entre comerciante e não-comerciante permanece disciplinado, para ambos, pela legislação comercial. Toda a discrepância provém da interpretação do artigo 11 do Regulamento n0 737, de 1850, que dispunha: “Não basta, para determinar a competência da jurisdição comercial, que ambas as partes ou alguma delas seja comerciante, mas é essencial que a dívida seja também comercial; outrossim, não basta que a dívida seja também comercial, mas é essencial que ambas ou uma das partes seja comerciante, salvo os casos e exceções do art. 20”.
4.5.3 – Contraposição do Prof. Waldemar Ferreira
Baseia-se na “dívida do comprador”
O Prof. Waldemar Ferreira sustenta ser desmotivada tal controvérsia. Fundamenta sua lição no art. 446 do Código, que regula a prescrição do direito para demandar o pagamento de mercadorias fiadas sem título escrito, assinado pelo devedor. A prescrição comercial e a sua comercialidade decorrem da dívida do comprador. O ato, portanto, é comercial, pois o que prescreve é a dívida do comprador, seja comerciante ou não.
V – Definição de Atos de Comércio no Brasil
5.1 – Código Comercial Brasileiro e art. 19 do Regulamento 737
O Código Comercial brasileiro foi aprovado pelo Imperador D. Pedro II em 1850, inspirado no sistema francês, segundo seu artigo 49: “Ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império e faça da mercancia profissão habitual”. Ainda em 1850 editou-se o Regulamento nº 737, em cujo artigo 19 é determinada a competência dos Tribunais do Comércio relativa aos comerciantes:
“Considera-se mercancia:
§ 1 – a compra e venda ou troca de efeitos móveis ou semoventes, para os vender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso;
§ 2 – as operações de câmbio, banco e corretagem;
§ 3 – as empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de expedição, consignação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos;
§ 4 – os seguros, fretamentos, riscos, e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo;
§ 5 – a armação e expedição de navios”.
Foi extinto em 1875, através do Decreto Imperial nº 2662, mantendo a teoria dos atos de comércio, servindo de referência doutrinária para a definição do campo de incidência do direito comercial brasileiro, mesmo após sua revogação. A enumeração é simplesmente exemplificativa, comportando sua extensão, por analogia, outros atos que com eles tenham certos caracteres comuns, como admite Rocco.
A essas atividades, deve-se acrescentar outras duas, constantes de leis mais recentes e em plena vigência: a de incorporação imobiliária (Lei nº 4.591/64) e as exploradas por sociedade ou por ações (Lei nº 6.404/76).
Tem-se entendido que o sistema brasileiro, do Código de 1850, é descritivo, admitindo extensão por analogia, desde que mantenham certas características comuns, como resulta desta exposição, é subjetivo, pois assenta na figura do comerciante, não evitando, porém, o tempero objetivo, enumeração legal dos atos de comércio, para esclarecer o que seja mercancia, elemento radical na conceituação do comerciante.
5.1.1 – Inglez de Souza X Florêncio de Abreu
É curiosa a divergência dos juristas que, posteriormente, se incumbiram das tentativas de reforma do Código Comercial de 1850. Inglez de Souza, que redigiu o Projeto de 1912, sustentou que o sistema enumerativo parecia-lhe “contrário ao espírito científico e à índole do comércio”, ao passo que, no projeto que apresentou em 1949, Florêncio de Abreu adotava o critério enumerativo, pela “vantagem de facilitar a aplicação da lei comercial”.
5.1.2 – Tendência para o Sistema Italiano
A tendência de codificação de direito privado no Brasil é a adoção do modelo italiano, já se encontra bastante próximo deste em razão da jurisprudência e em função da própria legislação em vigor. O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, trata a todos, independentemente da atividade em que operam, com mesmo tratamento jurídico.
VI – Diferença entre Comerciante e Empresário
6.1 – Conceitos: Subjetivo Corporativista, Objetivo e Moderno
É imprescindível diferenciar o comerciante do empresário: conforme o Conceito Subjetivo Corporativista, comerciante é aquele que pratica a mercancia, subordinando-se à corporação do comércio e sujeitando-se às decisões dos cônsules dessas corporações; segundo o Conceito Objetivo, comerciante é aquele que pratica com habilidade e profissionalidade atos de comércio (Vivante); e por último o Conceito Moderno (Empresarial ou Subjetivo Empresarial), onde o empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, excluída a profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística (Anteprojeto do Código Civil).
6.1.1 – Conceito Objetivo dos Atos de Comércio – conseqüência: a Empresa
Assim, o estudo dos atos de comércio decorre da adoção do conceito objetivo de comerciante e a empresa é conseqüência do conceito moderno de comerciante. É importante considerar que o direito comercial brasileiro adotou o sistema francês, conforme já mencionado.
6.2 – Dicotomia
6.2.1 – Transição do Conceito Objetivo de Comerciante para o de Empresa
Entretanto, em face da dicotomia do direito privado brasileiro, vivemos uma fase de transição entre o conceito objetivo de comerciante e o novo conceito de empresa: cabe a indagação da comercialidade da prática de alguns atos realizados em massa, para definir como mercantil determinada profissão ou sociedade, a fim de lhe conceder ou negar certos direitos ou privilégios.
6.2.2 – A Junta Comercial adota o Sistema Objetivo
O já citado Decreto 2662/1875, que extinguiu os Tribunais de Comércio, atribuiu suas funções administrativas para as Juntas Comerciais, porém, ainda é adotado nas questões mercantis o conceito objetivo. Para qualificarmos uma pessoa como comerciante é necessário verificar se se dedica profissionalmente à mercancia (CCom., art. 40), cujo conceito decorre da prática de atos de comércio enumerados no art. 19 do velho Regulamento nº 737: “é comerciante aquele que praticar atos de comércio com habitualidade e profissionalidade”.
6.2.3 – Indefinições: Civil, Comercial, Comerciante, Atos de Comércio?
É de suma importância a distinção entre civil e comercial. Conforme seja o devedor comerciante ou não, aplicam-se distintas legislações para a execução coletiva de seus bens. Em se tratando de comerciante, por exemplo, teremos o instituto de falência e se não, o instituto de insolvência. Se a falência fosse aplicável a todos, independente de registro ou matrícula, não isentaria alguém que exerce irregularmente a profissão comercial de sofrer as conseqüências legislativas do exercício do comércio. É importante, portanto, em nosso atual ordenamento jurídico, a definição de quem seja comerciante e do que vem a ser ato de comércio.
6.2.4 – Teoria de Dilson Dória – igual a Teoria de Rocco (não resolve)
Conforme Dilson Dória: “Na compra para revenda e ulterior revenda temos uma troca de mercadorias e títulos de crédito e imóveis contra bens econômicos, geralmente contra dinheiro. Nas operações bancárias, temos uma troca mediata de direito presente contra dinheiro futuro, ou dinheiro contra dinheiro a crédito.
Nas empresas, temos uma troca mediata dos resultados do trabalho contra outros bens econômicos, especialmente contra dinheiro. E, enfim, nos seguros, uma troca mediata de um risco individual contra uma cota proporcional de um risco coletivo”. Na verdade, o ato de comércio é um ato jurídico e, como tal, “é todo ato lícito, que tenha por fim mediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos”. Assim, percebe-se que Dória adota a mesma posição que Rocco declarou em sua síntese já apresentada, o que nos mantém com a indagação inicial: Quando o ato de comércio será civil e quando se reputará comercial?
VII – Teoria de J. X. C. Mendonça – conceito inteiramente legal
7.1 – Classificação dos Atos de Comércio
Segundo Carvalho de Mendonça, será comercial quando sujeito à legislação comercial, tratando-se, pois de um conceito inteiramente legal, decorrente das disposições dos artigos 18, 19 e 21 do Código Comercial, dos artigos 10 a 20 do Regulamento nº 737 e de outras normas comerciais extravagantes. Tentando resolver o problema J. X. C. Mendonça elaborou uma classificação dos atos de comércio:
– Atos de comércio por natureza ou profissionais , que correspondem à enumeração do art. 19 do Regulamento nº 737, que considera mercancia a compra e venda ou troca para vender a grosso ou a retalho, as operações de câmbio, banco e corretagem, empresas de fábrica, de comissões, de depósito etc.
– Atos de comércio por dependência ou conexão, que são os atos que visam promover, facilitar ou realizar o exercício do comércio, praticados em razão da profissão do comerciante, mantendo estreita relação com o exercício do comércio (art. 18 do Título Clínico do Código Comercial e arts. 10 e 11 do Regulamento nº 737).
– Atos de comércio por força ou autoridade da lei, decorrem da arbitrária declaração de comercialidade resultante da lei, independentes da pessoa que os pratica (art. 19 do Título Único e art. 20 do Regulamento nº 737).
7.1.1 – Contraposição de Otávio Mendes
Apenas Atos Objetivos e Subjetivos
Otávio Mendes opôs-se a essa classificação. Depois de analisá-la, sustenta que se reduzem, na realidade, a duas classes os atos: atos objetivos, compõe-se dos atos em razão das pessoas (arts. 10 a 19 do Regulamento n0 737) e é estipulada em razão só dos atos (art. 20 do Regulamento); e atos subjetivos, dos atos que, praticados por um comerciante, acham-se ligados à sua profissão, tornando-se subjetivos.
7.1.2 – Contraposição de Rubens Requião
Apóia O. Mendes – Justificativa embasada na Teoria do Acessório
Segundo Rubens Requião tem razão Otávio Mendes, máxime quando o próprio J. X. C. Mendonça reconhecia como criticável a classificação proposta. Os atos de comércio “por dependência” ou “conexão” decorrem da teoria do acessório, do princípio de que o acessório segue o principal, motivo por que também são denominados atos de comércio acessórios, estudados pelos autores franceses. São os atos considerados de comércio em virtude de serem praticados por comerciantes, em razão do exercício de sua profissão. A aquisição por comerciante, de materiais para a instalação de sua loja, que não são comprados para revenda, mas para o exercício da profissão comercial, são típicos atos de comércio por conexão ou acessórios.
VIII – CONCLUSÃO
Tendo estudado a evolução histórica do Direito Comercial, suas fontes, seus princípios, as diversas Teorias dos Atos de Comércio, a questão da unificação ou não do Direito Comercial com o Direito Civil, os problemas que a matéria encontra com relação ao Direito Econômico, o surgimento do conceito de Empresa, etc., percebo que o problema não está mais, nos dias de hoje, tentar classificar quais são os Atos de Comércio, nem tentar criar uma nova teoria para eles.
Deveria sim ser feito um amplo estudo de todas as normas relativas às obrigações para que atingissem a todos, independente de ser ou não atividade comercial, ou ato de comércio, ou comerciante, ou empresa.
O Direito Comercial, ao abrir mão da questão das obrigações não padeceria, existem diversas outras questões que apenas ele pode tratar, da mesma forma que não deve se preocupar com o direito econômico, que também possui objeto próprio. A questão “Atos de Comércio” é, ao meu ver, extremamente obsoleta, deveria ser enterrada, mantendo-se apenas o conceito de Empresa, conforme o sistema italiano.