O mundo ocidental tem acompanhado com interesse o desenrolar da nominada “Operação Mãos Limpas”, promovida pela Promotoria Italiana, que tem produzido efeitos concretos, sobretudo no mundo político e administrativo da península. O exemplo italiano tem provocado atuações, embora ainda tímidas, no nosso país, seja no âmbito federal, seja neste Estado. A timidez decorre da necessidade que tem o Ministério Público, no Brasil, de intermediação do Judiciário e da atividade policial para quase tudo, porque dispões de pouca, quase nenhuma, função executiva, o que não ocorre na Itália, onde o Ministério Público pode atuar diretamente, exercendo poderes de direção da investigação de fatos criminosos, através do exercício de atividade de instrução (o vulgarmente chamado juízo de instrução), com amplos poderes de requisição e produção direta de provas, decretação detenções provisórias, condução de pessoas etc., fatores responsáveis ao sucesso das investigações naquele país.
Aqui no Brasil, O Ministério Público, que era um ilustre desconhecido de quase todos, tornou-se talvez a única marca de qualidade contida na Constituição de 1988. É certo que o nome existe há muito, mas não se pode negar que a Constituição deu ao órgão a necessária têmpera, ao assegurar-lhe autonomia frente aos poderes tradicionais e atribuir-lhe competência social e politicamente relevante.
À autonomia da instituição o constituinte de 88 agregou a independência funcional dos seus promotores e procuradores, garantia que, aliada aos poderes de requisição civil e penal, de controle da atividade policial e de investigação civil, inclusive sobre os poderes formais do Estado e quaisquer dos membros, tornou o Ministério Público – e o seu segmento mais conhecido, a Promotoria – uma instituição que não pode ser contrastada pelos poderes de Estado, já que deles independe.
Este perfil, que é ainda insuficiente, tem incomodado demais àqueles que sempre se sentiram acima da lei – maus políticos, criminosos de alto coturno, corruptos em geral. E o incômodo tem levado esses grupos, que são influentes e têm cúmplices em várias esferas importantes de formação de opinião e de produção de decisões políticas, a buscar meios para tentar destruir os pontos de sustentação do Ministério Público, que são sua independência dos poderes, a sua autonomia administrativa e financeira e a sua competência constitucional.
Durante a malograda revisão constitucional, número expressivo de emendas constitucionais de revisão tentava ora extinguir o mandato de procurador-geral, o chefe do Ministério Público, convertendo-o em mero assessor do governo, ora reduzir a competência traçada na atual Constituição, com finalidade, mais que evidente, de ferir de morte a única instituição redefinida pelo constituinte de 88, que foi responsável por verdadeira revolução nas relações do Estado com a sociedade.
Todos sabemos que não há boa-fé nessas iniciativas que, embora devessem, não estão sepultadas. Elas voltarão por ocasião das anunciadas emendas à Constituição e, como pretexto de enxugar o Estado, tentarão atingir o Ministério Público, visto de forma preconceituosa por alguns como detentor de poderes excessivos.
O Ministério Público não detém poderes em excesso, pois os que lhe foram atribuídos na verdade não bastam, como já mencionado acima, para atender à demanda dos que clamam por atuação executiva da instituição para impedir abusos, notadamente os praticados pelo poder público em geral, contra vários segmentos sociais.
Longe de pensar em reduzir os poderes Ministério Público, deveriam os políticos dotar o órgão de maiores e mais definidas competências no campo de repressão penal, por exemplo, à semelhança dos procuradores da República italiana, aqui confundidos com juizes mais por conveniência dos tradutores que por fidelidade da função dos referidos agentes do Ministério Público.
Deveriam, também, assegurar a escolha dos dirigentes do órgão diretamente pelos seus integrantes que demonstram sempre, têm visão profissional e conhecido bom senso, além de indiscutível apego à coisa pública e que lutam , todo o tempo, para impedir que se instalem preconceitos corporativos que possam afastar o Ministério Público da sua destinação social e política.
No próximo dia 14, neste estado, o Ministério Público comporá sua lista tríplice da qual sairá o procurador-geral dos próximos dois anos. Os promotores e procuradores terão oportunidade de confirmar se querem uma chefia independente ou não, pois há candidatos também para atender aos saudosos do atraso, aqueles que sentem enorme atração pela “proteção” do Poder Executivo, que a história provou danosa para a promotoria e sobretudo para sociedade.
Ertulei Laureano Matos é Procurador de Justiça, integrante do Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.