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Inobservância de regra técnica não se confunde com imperícia e agrava pena de médicos

Imperícia, como modalidade de culpa, não se confunde com inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Ao reafirmar esse princípio, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou, por unanimidade, liminar que beneficiava com suspensão de processo dois médicos anestesistas do Rio de Janeiro acusados pela morte de um paciente com câncer.

Em agosto do ano passado, os médicos anestesistas Lenise Budri Cassini e Geraldo Ângelo Gonçalves haviam obtido liminar contra Acórdão da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) no STJ. A alegação da defesa era que os dois estavam sendo duplamente condenados pelo mesmo crime de homicídio culposo, o que tem a denominação jurídica de bis in idem e é vedado pela legislação penal brasileira.

Os dois profissionais participaram de um procedimento de biópsia no paciente Christiano Galliez Pinto Feital Silva, na clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, em 17 de setembro de 2002. O exame foi realizado por meio de uma punção controlada por tomografia com aplicação de anestesia e sedação do paciente, que ficou posicionado em decúbito dorsal – horizontalmente.

O objetivo da biópsia era fazer o diagnóstico de uma massa tumoral na região do tórax, próxima à traquéia. De acordo com o Acórdão do TJRJ, exames prévios demonstravam que o tumor estava comprimindo a traquéia, a veia cava superior e a aorta do paciente. Além disso, Christiano Galliez apresentava dificuldade respiratória e nítido incômodo postural ao ficar na posição horizontal.

Nessas condições, como descrito no Acórdão, “era imperativa extrema cautela e o mais pleno conhecimento do estado do paciente, visando à adoção de todas as providências que não pusessem em maior risco a integridade dele”.

Ainda no Acórdão, concluiu-se que “a técnica cirúrgica utilizada para a biópsia, com a submissão do paciente à posição de decúbito dorsal aliada à administração de drogas anestésicas, relaxantes e depressoras, agravaram de tal modo o seu conhecido quadro de deficiência respiratória, que a parada cardíaca foi o desdobramento inevitável das ações praticadas pelos réus”.

Após a parada cardiorrespiratória, Christiano Galliez entrou em coma. Veio a falecer um mês e meio depois. Ao negar o pedido de habeas-corpus, o TJRJ afirmou que a culpa foi resultante de negligência, em função da equivocada escolha do procedimento médico. Além disso, houve a agravante de os médicos anestesistas terem tido conhecimento prévio, por meio de exames, da frágil situação do paciente, sobretudo de suas dificuldades respiratórias.

O relator do processo, ministro Felix Fischer, citando precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que “não há como confundir a imperícia, elemento subjetivo do homicídio culposo, com a inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício descrita no parágrafo 4º do artigo 121 do Código Penal, pois, naquela, o agente não (necessariamente) detém conhecimentos técnicos, ao passo que nesta o agente (necessariamente) os possui, mas deixa de empregá-los”.

O Ministério Público também opinou pela cassação da liminar com a conseqüente negação do habeas-corpus. O voto do ministro Felix Fischer foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da Quinta Turma. Com a não-caracterização de dupla condenação – bis in idem –, a pena por homicídio culposo pode ser majorada em um terço como dispõe o parágrafo 4º do artigo 121 do Código Penal.