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STF considera infiltração de PM ilegal e anula prova que condenou 23 manifestantes no Rio

Na decisão, o colegiado anula os depoimentos de policial infiltrado sem autorização judicial que embasaram a condenação de advogada acusada de participar de organização criminosa que planejava atos e manifestações na Copa do Mundo de 2014.

Na sessão desta terça-feira (26), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente Habeas Corpus (HC 147837) para declarar a ilicitude de infiltração policial e das provas obtidas a partir de tal procedimento que embasaram a condenação da advogada Eloisa Samy Santiago, acusada de integrar grupo que planejava ações criminosas durante a Copa do Mundo de 2014.

No HC, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro (OAB-RJ) objetivava o trancamento da Ação Penal contra a advogada pela suposta prática do delito de associação criminosa armada (artigo 288, parágrafo único, do Código Penal) por ausência de justa causa. De acordo com os autos, ela teria participado de manifestações com atos de vandalismo no Rio de Janeiro, ocasião em que alguns indivíduos teriam se associado de forma estável e permanente para planejar ações criminosas e recrutar simpatizantes pelas redes sociais e outros canais.

Foi impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que negou o pedido por ausência de constrangimento ilegal. Em seguida, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso no qual foi solicitado o reconhecimento da ilicitude da prova consistente no depoimento do policial e, consequentemente, o trancamento da Ação Penal na origem. Ambos os tribunais entenderam que a atuação do policial se deu na condição de agente de inteligência.

No STF, a defesa reiterou os pedidos feitos nas instâncias anteriores. Os advogados informaram nos autos que Eloisa foi condenada pelo juízo da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro a sete anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, com base na prova que se questiona.

Infiltração

Em seu voto, ministro Gilmar Mendes (relator) explicou que a diferença entre agente de inteligência e agente infiltrado se dá em razão da finalidade e da amplitude da investigação. Enquanto o primeiro tem uma atuação preventiva e genérica, buscando informações de fatos sociais relevantes ao governo, o outro possui finalidades repressivas e investigativas, visando à obtenção de elementos probatórios relacionados a fato supostamente criminoso ou a organizações criminosas específicas.

No caso concreto, o ministro assinalou que, a partir dos fatos narrados, o agente policial teria sido inicialmente designado para coletar dados a fim de subsidiar a Força Nacional de Segurança em atuação estratégica diante dos movimentos sociais e dos protestos que ocorreram no Brasil em 2014. Todavia, houve, no curso da investigação, “verdadeira e genuína infiltração, cujos dados embasaram a condenação”.

O ministro observou que o policial não precisava de autorização judicial para, nas ruas, colher dados destinados a orientar o plano de segurança para a Copa do Mundo. No entanto, no curso dessa atividade, infiltrou-se no grupo do qual supostamente fazia parte a condenada e, assim, procedeu a investigação criminal para a qual a Lei 12.850/2013 exige autorização judicial. “É evidente a clandestinidade da prova produzida”, afirmou. “O referido policial, sem autorização judicial, ultrapassou os limites da atribuição que lhe foi dada e agiu como incontestável agente infiltrado”.

Segundo o relator, a infiltração ficou demonstrada ainda diante do ingresso do policial militar em grupo fechado de mensagens criptografadas criado pelos investigados para comunicação e de sua participação em reuniões do grupo com a finalidade de realizar a investigação. “Fragilizam-se completamente as premissas e, consequentemente, a caracterização da atuação do policial militar como agente de inteligência”, constatou. “A partir do momento em que passou a obter a confiança de membros de um grupo específico e a obter elementos probatórios com relação a fatos criminosos concretos, o agente caracteriza-se como infiltrado, e isso pressupõe a autorização judicial que deveria ter sido requerida aos órgãos competentes”. Ainda de acordo com o ministro, as declarações do agente podem servir para orientar estratégias de inteligência, mas não como elementos probatórios de uma persecução penal.

Condenação

Ainda segundo observou o relator, o policial, em seu depoimento, apontou Eloisa como uma das principais lideranças do movimento. “Da leitura da sentença, pode-se concluir que a condenação se pautou nos dados coletados pela infiltração perpetrada pelo policial militar”, observou. “Ainda que o juízo tenha feito remissão a outras provas, vê-se que elas decorrem da clandestina infiltração do policial. Resta claro, portanto, prejuízo que impõe a declaração de nulidade da sentença”.

Por unanimidade, a Turma seguiu o voto do relator para declarar a ilicitude da infiltração policial e determinar o desentranhamento dos depoimentos do agente prestados à polícia e à Justiça, sem prejuízo de que o juízo de origem profira nova sentença baseada nas provas legalmente colhidas.