Resumo
Entender a filosofia e lógica de Nietzsche é tão desafiador como decifrar o mundo contemporâneo. O texto tenta apenas didaticamente expor a evolução do conceito de livre-arbítrio, liberdade e da natureza humana. Evidentemente pelo jaez pretendido, não esgota tal manancial e apenas sucinta maiores indagações que podem ajudar a entender melhor a realidade contemporânea.
Abstract
Understanding the philosophy of Nietzsche and logic is as challenging as deciphering the contemporary world. The text is only trying to explain the evolution of the didactic concept of free will, freedom and human nature. Of course you want is not exhausted by the ilk such wealth and only more succinct questions that can help you better understand the contemporary reality.
O livre-arbítrio ou livre-alvedrio é faculdade que tem o indivíduo de autodeterminar-se, com base em sua consciência apenas e a sua conduta; é liberdade de autodeterminação que consiste numa decisão, independentemente de qualquer constrangimento externo mas de acordo com os motivos e intenções do próprio indivíduo.
Do latim libertum arbitrium é o poder de se determinar sem outra regra que a própria vontade, mas vontade não constrangida. É a possibilidade de exercer um poder sem outro motivo que não a existência mesma desse poder. O homem tem o poder de escolher um ato ou não, independentemente das forças que o constrangem. Ser livre é ser incausado (Aranha e Martins, 1986: 316).
A noção de livre-arbítrio sempre fora objeto de debates atritosos durante parte da Idade Média e nos séculos XVI e XVII, particular no que tange a incompatibilidade entre a onipotência divina e a liberdade humana. E, ouso dizer que persiste em ser tema polêmico.
Na literatura filosófica a liberdade da indiferença é a liberdade de equilíbrio aparecem como sinônimo de livre-arbítrio. E tais denominações advêm da negativa da noção de livre-arbítrio, entendido somente como possibilidade de escolher ou não, sem que sejam apontados os fundamentos e razões para uma delas em especial.
Para o livre-arbítrio existir, o que importa é somente a possibilidade de escolher de forma indiferente e contingente. Atribui-se a Jean Buridan (século XIV) professor e reitor da Universidade de Paris, do século XIV a fábula denominada “Asno de Buridan” que bem elucida o conceito de “liberdade de indiferença”.
Imagine um asno faminto e sedento, mantido a igual distância de um balde de água e um cocho de aveia, morreria faminto e sedento posto que seria incapaz de realizar qualquer escolha. Tal anedota serve para ilustrar a teoria da vontade. Como a conduta dos animais é apenas determinada por seus apetites, temperamento este, por vezes, sofre até influência dos astros, somente a ignorância das causas nos faz crer que estes sejam realmente livres.
Ao revés, o homem tem o poder não só de escolher, mas também de decidir entre bens de igual valor. A vontade se pauta conforme a inteligência nomeia ser o bem de maior valor. Porém se a inteligência julga de igual forma bens diferentes, a vontade não poderá decidir-se, nem por um e nem por outro, simplesmente a escolha não acontecerá.
É o caso do asno de Buridan. O homem, porém, não morreria de fome e de sede, poderá com certeza, suspender ou impedir o julgamento da inteligência. A referida fábula mostra quão contraditórias são as relações entre a necessidade e a liberdade. Se esta última consiste em se abstrair de toda motivação, esta então se reduz à indiferença, à indecisão e impotência, ao ponto de se destruir enquanto tal.
A liberdade só é efetiva quando assume as determinações exteriores. Ao analisarmos o livre-arbítrio nos deparamos com questão muito controvertida: liberdade absoluta versus determinismo .
Há tantos condicionamentos naturais ligados aos elementos do meio ambiente como também os condicionamentos culturais (instituições, ciências e técnicas). No emaranhado genético, histórico-social e cultural se esculpem nossa vontade, nossa vocação e tendências.
Inegavelmente, ainda há os defensores da existência da liberdade infinita, absoluta e, sem fronteiras. Há, ainda, os que negam a existência do livre arbítrio mas concebem a liberdade.
É livre todo ser e todo ato que é causa de si mesmo. Tal concepção de liberdade como autodeterminação e autocausalidade embasa a noção de liberdade como necessidade, presente no estoicismo e no espinozismo principalmente ao dizer “sim” à inevitável sucessão de causas e efeitos, ao consentir na necessidade.
Em verdade, não há contradição entre liberdade e determinismo, há uma real complementaridade entre ambos os conceitos. Portanto, a liberdade é, antes de tudo, autodeterminação. Desta forma, a liberdade só tem sentido positivo por seu poder de determinação.
Assim, o homem é princípio determinante que recebe os influxos de determinações externas e internas, mas é capaz de lhes dar uma nova dimensão e um novo valor que decorre de sua ação pessoal. O homem é assim a causa original, é fonte de iniciativa.
Porém, a questão de liberdade não se reduz, portanto, apenas a uma possibilidade de escolha entre objetos ou objetivos que são apresentados ao homem numa dada situação posto que possa refazer tais dados e redimensionar o processo de continuada criação.
O desafiador busilis da liberdade humana consiste em apreender conviver com as coações, com necessidades prementes no decorrer da existência concreta, e superá-las pela capacidade criadora e inteligente de ordená-las e submetê-las a uma direção determinada privilégio exclusivo do ser humano como único ser vivo racional. Único ser conhecedor de sua própria finitude e fragilidade.
Outra importante questão é avaliarmos a liberdade humana diante da onipotência de Deus se o ato livre se opõe à providência divina? Os filósofos que acreditavam na existência de Deus e, ipso facto, em sua onipotência afirmam a existência de um homem capaz de decisões autônomas, senhor de seu agir, sendo livre e independente.
No entanto, toda causalidade livre de cada indivíduo, particular está plenamente subordinada a Deus, bem como está subordinado a Ele tudo que é real. Para Santo Agostinho tanto a liberdade humana, como a graça divina e o livre-arbítrio são plenamente compatíveis.
Desde Santo Agostinho e mesmo após a reforma luterana o tema referente ao livre-arbítrio tem sido alvo de enormes polêmicas tanto na teologia como na ética. Principalmente por envolver a natureza humana, o conceito de sujeito do conhecimento e sujeito da ação, a questão da liberdade e o viés contemporâneo que ainda registra a evolução de tais conceitos.
A noção de liberdade como autocausalidade ou autodeterminação é fundamento que justifica a liberdade ser reconhecida como necessidade. A maioria dos filósofos e dos sistemas ideológicos ao explicar ou analisar a conduta humana e em suas relações sociais e pessoais, bem como a ética, baseou-se na existência do livre-arbítrio que se constitui sinteticamente na capacidade, ou faculdade que o ser humano teria de escolher suas próprias ações de forma livre, e ipso facto, por ser livre sua escolha também seria responsável por suas ações.
A grande utilidade do livre-arbítrio para os sistemas jurídicos, religiosos e culturais está relacionada diretamente com o mesmo objetivo que é de responsabilizar o homem por suas ações, tornando possível deste modo, puni-lo ou, no melhor dos casos, recompensá-lo por ter agido de um modo e não de outro.
Nesse sentido, alude Nietzsche: Onde quer que as responsabilidades sejam procuradas ou caçadas, aí costuma estar em ação o instinto de querer punir e julgar. Despiu-se o vir-a-ser de sua inocência, quando se reconduziram os diversos modos de ser à vontade, às intenções, atos de responsabilidade.
A doutrina da vontade é inventada essencialmente em função das punições, isto é, do querer estabelecer a culpa (…). Os homens foram pensados como livres para que pudessem ser julgados e punidos – para que pudessem ser culpados. A vontade de potência é a vontade de guerra e dominação. É a vontade de potência a base inicial da culpa e da condenação do agir humano.
Conseqüentemente, toda ação precisaria ser considerada como desejada e a origem de toda ação como está situada na consciência (in NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos Ídolos. Tradução Marco Antônio Casanova, Rio de Janeiro. Relume Dumará, 2000).
Concluímos que ser impossível conceber a moral e a livre capacidade judicativa do bem e do mal sem o útil artifício do livre-arbítrio, pois então o agir humano perderia seu principal fundamento que são a responsabilidade e o mérito da ação.
Aduziu Nietzsche que a crença no livre-arbítrio é histórica e se evoluiu através de diferentes estágios sociais até chegar à consciência. Assim o livre-arbítrio é considerado fruto de uma vontade livre e consciente.
O deslocamento histórico da moral significou o processo pelo qual as ações humanas progressivamente migraram para um agir consciente e, não mais de caráter instintivo. E, no mais longo período da história que foi a pré-história, as ações humanas não eram avaliadas sob o caráter “bom ou mau”, eram as suas conseqüências que eram julgadas como úteis ou prejudiciais.
Mais tarde, os atributos de “bom ou mau” passaram a ser aplicados à própria ação independentemente de suas conseqüências… depois, tais atributos dirigiram-se às causas motivadoras da ação e, por fim, no clímax da valoração moral, atingiu-se ao atribuir os adjetivos ao agente, crendo-se que este era livre para escolher o seu agir.
Pela fábula da liberdade inteligível que narra a trajetória dos sentimentos pelos quais nos tornamos alguém responsável por seus atos, ou seja, a história dos chamados sentimentos morais, tem as seguintes fases principais:
Num primeiro momento, chamamos as ações isoladas de “boas ou más”, sem qualquer consideração por seus motivos, apenas devido às suas consequências sejam úteis ou prejudiciais.
Em seguida, introduzimos as qualidades de boas ou más aos motivos, e enxergamos os atos em si tidos como moralmente ambíguos. E, assim, sucessivamente tornamos o homem responsável por seus efeitos, depois por suas ações, depois por seus motivos e finalmente por seu próprio ser.
São livres as ações que têm em si mesmas a causa ou princípio, só o sábio é livre e todos os malvados são escravos (Diógenes, L. VII, 121) . Tal conceito vigorou e foi transmitido por toda Idade Média, e foi Orígenes o primeiro a defendê-lo no mundo cristão e não consiste apenas em ter em si a causa dos próprios movimentos, mas também em ser tal causa.
Privilegia tal noção o homem e enquanto juiz e árbitro das circunstâncias externas. Assim esclarece o Dicionário Básico de Filosofia, de autoria de Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, (3ª, edição revista e ampliada, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p.165), livre-arbítrio é faculdade que tem o indivíduo de determinar, com base em sua consciência apenas, a sua própria conduta; liberdade de escolha alternativa do indivíduo; liberdade de autodeterminação que consiste numa decisão, inerentemente de qualquer constrangimento externo mas de acordo com os motivos e intenções do próprio indivíduo (…).
Análogas considerações nos remetem ao conceito de libero arbitro de Santo Agostinho que citamos in verbis: “Sente que a alma se movimenta por si só, quem sente em si a vontade.” (De div. quaest, 83,8).
Alberto Magno aponta ser livre o homem que é a causa de si e que não é coagido pelo poder do outro. Tomás de Aquino evidencia que o livre-arbítrio é a causa do movimento e, por este que o homem determina-se a agir.
Para existir a liberdade não é necessário que o homem seja a primeira causa de si mesmo, como de fato não é, e reafirmou Tomás de Aquino posto que a primeira causa seja Deus. Mas Deus não impede a autocausalidade do homem. O conceito de autopraguia ou causa sui é freqüente usado na filosofia moderna e contemporânea, é o que chamamos de “substância livre” conforme apontou Leibniz, determinar-se por si mesmo, motivo do bem e percebido pela inteligência.
Kant por essa razão admitiu o caráter numênico da liberdade (o mundo das coisas tal como são em si mesmas). A liberdade pode ser vista como espontaneidade absoluta. Desejou Kant conciliar a liberdade humana com o poder de autodeterminação.
Kant coloca o livre-arbítrio como a idéia-central de sua ética que constitui a racionalidade natural e, por isso, a considerou como númeno (pode ser considerado como necessidade e substância).
Assim a liberdade é entendida como ausência de medida e recusa de normas. O ilimitado poder sobre todas as coisas que, para Hobbes constituiu a liberdade em estado natural. A segunda concepção de liberdade é como necessidade, não é atribuída à parte, mas ao todo; não ao indivíduo mas à ordem divina ou cósmica, à substância, ao absoluto e ao Estado.
E o sábio só é livre pois vive conforme a natureza, só ele se conforma à ordem do mundo ao destino. O sábio coincide com a necessidade da ordem cósmica.
Na formulação de Spinoza, diz que é livre o que existe si na necessidade de sua natureza. Assim, só Deus é livre, o homem e as demais coisas são determinados pela ordem divina, pela necessidade cósmica.
O homem poderá julgar-se livre somente por ignorar as causas de suas vontades e de desejos. E poderá ser livre se for guiado pela razão, se reconhecer em si a substância infinita e universal.
Prega então que Spinoza que o homem torna-se livre através do amor intelectual por Deus (por conhecer a necessidade divina). Schelling explica bem a coincidência entre a liberdade e necessidade, in litteris:
“O absoluto age por meio de cada inteligência, ou seja, sua ação é absoluta porquanto não é livre e nem desprovida de liberdade, mas as duas coisas ao mesmo tempo (…)”. Transfere para Deus, ou melhor, para a natureza ou fundamento de Deus.
Hegel contrapõe o conceito abstrato de liberdade para vê-la como concreta, como exigência e possibilidade. E, ainda, como realidade do espírito.
No Estado, a liberdade é objetiva e positiva e não corresponde à vontade subjetiva universal (sendo apenas um de seus instrumentos). O direito, a moral e o Estado, e somente estes, são positivações da realidade e satisfação da liberdade.
O arbítrio do indivíduo não é liberdade . A liberdade que é limitada pelo arbítrio que se refere ao momento particular das necessidades (é um momento mas não sua extensão).
Platão foi o primeiro a enunciar que a liberdade é a justa medida. Cada um é autor de sua escolha e a divindade está fora de questão. A liberdade é finita e composta de escolhas entre possibilidades determinadas e condicionadas por motivos determinantes.
Há uma famosa tríade de pensadores que mereceu a designação de “mestres da suspeita” tal como Paul Ricoer os chamou. Nietzsche suspeitou firmemente dos valores de submissão da religião ocidental e preconizou a inversão de valores; Marx suspeitou do poder da religião e entendeu a ética da sociedade ocidental com baseada no aspecto econômico dinamizado pelas relações de produção; Freud que instaurou a suspeita sobre a vontade racional, relativizando o papel da consciência psíquica e, sublinhando a relevância do atuar do inconsciente.
Paulo Ricoer (1913-2005) foi um dos grandes filósofos e pensadores franceses do período seguinte a Segunda Grande Guerra Mundial. Foi acadêmico na Universidade de Sorbonne, tendo passado também pelas universidades de Louvania (Bélgica) e Yale (EUA) onde realizou relevante obra de filosofia política.
A fim de entender o mal e a culpa, o referido filósofo recomenda ouvir e interpretar os símbolos que representam a confissão que a humanidade produz de suas culpas, ou seja, deve compreender os mitos que veiculam os símbolos como a mancha, o pecado e a culpabilidade.
O mito central para Ricoer é o mito de Adão: onde essa figura mescla a universalidade do mal com a inocência do bem e representa toda a humanidade.
A psicanálise interpreta a cultura de simultaneamente a modifica. A realidade é que segundo Freud, juntamente com Marx e Nietzsche, é um dos mestres da suspeita que carregaram a dúvida para dentro da fortaleza cartesiana da consciência.
Assim para Marx não é a consciência que determina o ser, mas o ser social é que determina a consciência. Já para Nietzsche a consciência é máscara da vontade de poder, enquanto que para Freud finalmente, o “Eu” é um infeliz submisso aos três patrões que são: o Ego, o Superego e a “Realidade ou Necessidade” (ao que seria considerado o mundo das pulsões , do inconsciente).
Em verdade, quando analisando se existe ou não o livre-arbítrio, retornamos à questão do sujeito do conhecimento e do sujeito da ação . E, obviamente sua identidade que não é fixa, imutável e não relacional. A idéia de sujeito está muito associada à idéia da razão, portanto é sujeito quem é capaz de raciocinar, de agir em função de evidências racionais.
Rejeitar o livre-arbítrio significa então, que o mundo é um vale-tudo, e o mundo resta sem sujeito e sem sua identidade substancial. Então, teríamos o pandemônio, a guerra de todos contra todos.
O conceito de livre-arbítrio segundo Nietzsche é conceito falso, porém não é inteiramente arbitrário, e nem defende um feroz determinismo. Assim o livre-arbítrio é conceito ou sintoma da vida afetiva, surge no tempo e não por acaso , e a necessidade desse conceito vale para erigir limites do comportamento, principalmente sob os signos ou sintomas das relações de poder.
Foge Nietzsche tanto do determinismo como do niilismo . E, acredita na inocência do devir, não existe normatividade transcendente à vida ou ordem moral independentemente da vida individual ou coletiva. Tudo acontece afinal em função das relações de poder, não há ordem moral no mundo… o que nos faz crer num mundo sem lei, sem regras, sem controles ou regulamento o que seria um colapso para a civilização humana.
Mas pensar e transformar a normatividade como fonte (seja transcendente ou imanente) revela cada vez mais que são signos ou sintomas das pulsões, e mesmo evidencia serem as normas deliberações coletivas, porém fruto das necessidades reais e afetivas, portanto todas as normas possuem por base a afetividade, a necessidade de convivência e conformação e ainda obedecem a uma lógica individual ou coletiva.
A humanidade através das diversas formas simbólicas os significados, e os momentos mais importantes da vida e de sua história. Ricoeur deve ser reverenciado por sua teoria da pessoa humana e o conceito de pessoa é resgatado dentro das produções simbólicas do homem e depois das destruições provocadas pelos “mestres da suspeita”.
Em síntese, o pensamento de Ricoeur: “Se a pessoa voltar, isso se dará porque ela continua ser o melhor candidato para suportar as batalhas jurídicas, políticas, econômicas e sociais “.
É o longo caminho da reconquista da pessoa humana por meio de peregrinação na floresta dos símbolos do homem, descobrir a consciência, o sujeito e o “eu”.
O diagnóstico de Nietzsche sobre o século XIX indica claramente a predominância de grande cansaço na humanidade principalmente pelo modo de vida desenvolvido pela civilização ocidental judaico-cristã. Esse cansaço do homem revela-se no niilismo.
É um diagnóstico pertinente a um contexto histórico específico, percebe-se que vai além e ressoa na realidade presente. O niilismo ou a redução ao nada é sintoma do enorme cansaço acometido a sociedade civilizada constituída como rebanho, posto que guiado pelas forças que lhes são alheias.
O niilismo vela pelo horror ao vácuo e aponta que o homem precisa de um objetivo. A vontade de nada é uma forma de se proteger da falta de sentido da existência. O niilismo é aumentado pelos valores vazios, constituindo uma má consciência, que é marcada pela existência niilista guiada pela negação e ausência de valores.
Com a má consciência, se instaura o ressentimento e a culpa em relação à “maior e mais sinistra doença”, incurável até hoje, o sofrimento do homem consigo mesmo. A partir daí, dessa descrença angustiante, Nietzsche inicia discurso a respeito da necessidade dos próprios homens se transformarem em deuses diante do abismo aberto da morte.
In litteris: “Para onde foi Deus? Gritou ele, já lhe direi! Nós o matamos – você e eu […] Não deveríamos n[os mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele?” (Nietzsche, 2004, PP. 147-148).
Friedrich Wilhelm Nietzsche é, sem dúvida, o pensador e filósofo mais controvertido e talvez também, o menos entendido. Fora influenciado por Schopenhauer , o que o levou ao pessimismo e o ateísmo e, ainda, a um extremo niilismo.
Foi o pensador cuja crítica à tradição filosófica clássica e moderna foi mais marcante. Estudou nas universidades de Bonn e de Leipzig onde cursou filologia (estudou a palavra, sua origem e estrutura e evolução).
Gott is tot (em alemão) que significa “Deus está morto”, essa famosa frase apareceu pela primeira vez na obra “A gaia ciência” na seção 108 (Novas lutas), na seção 125(O louco) e, uma terceira vez na seção 343 (sentido de nossa alegria). E também aparece em sua obra “Assim falou Zaratustra”.
Essa mesma polêmica afirmação também fora feita por Hegel cerca de vinte anos antes do nascimento de Nietzsche no ensaio “Crença e saber” de 1802, “o sentimento sobre o qual repousa a religião da idade moderna o sentimento: Deus mesmo está morto (…)”. Há igual sentença de morte divina em Pascal quando se refere a Plutarco em “Le grand Pan est mort”.
Possivelmente é a frase mais interpretada de toda a filosofia ocidental. Se literalmente encarada se refere à morte física de Deus, ou uma referência à morte de Jesus Cristo na cruz, ou ainda, como uma simples declaração ateísmo.
Em verdade, anuncia o fim dos fundamentais transcendentais da existência de Deus como justificativa e fonte de valoração para o mundo, tanto na civilização quanto na vida das pessoas (mesmo que não queiram admitir).
E assinala adiante um acontecimento cultural quanto menciona “fomos nós que o matamos”. Tal frase não traduz exaltação e nem lamentação e, sim, a constatação a partir da qual o filósofo traça seu projeto em superar Deus e as dicotomias presentes nos preconceitos metafísicos que julgam o nosso mundo.
Assumir a morte de Deus seria livrar-se dos pesados ídolos do passado e assumir sua liberdade, tornando-nos estes mesmos deuses.
Produzindo vasto leque de possibilidades o que acarreta certa responsabilidade o que muitos não estariam dispostos a enfrentar. Pois a maioria ainda necessita de ter regras, autoridades dizendo o quê fazer, como julgar, como adentrar no significado do mundo, enfim como ler o mundo.
Assim o próprio Nietzsche reconheceu o tremendo caráter utópico desse seu pensamento. Mas também reconheceu que se deve fazer do conhecimento o mais potente dos afetos.
Porém numa correspondência enviada ao seu amigo Franz Overbeck em 30 de julho de 1881, sobre um cartão-postal, dando conta de suas leituras sobre o espinosismo e algumas conclusões que elas lhe inspiram (afirmando que seu precursor fora Spinoza ).
As polêmicas produções acadêmicas de Schopenhauer sobre as diferenças entre os sexos, seus papéis na luta pela sobrevivência e reprodução serviriam posteriormente como base argumentativa utilizada pelos sociobiologistas, psicólogos evolucionários do século XX.
A verdade é que a impactante frase: “Deus está morto.” Causou maiores problemas na vida de Nietzsche que continuaram mesmo após sua morte.
Muitos estudiosos rejeitaram seus derradeiros escritos tendo sido vistos como mais um sintoma de sua progressiva, e devastadora doença mental. Por outro lado, outros estudiosos lhe saúdam como um filósofo provocativo, instigante e que gerou enorme influência nas gerações subseqüentes de filósofos e pensadores.
Em sua obra “Super-Homem ” destacou a moralidade cristã que alcunhou como “moralidade escrava”, acreditando ser uma doença social destrutiva e perigosa posto que destituísse os indivíduos de sua própria identidade e humanidade, transformando-os em ovelhas.
Em seu lugar, defendia a filosofia do Super-Homem que rejeita a submissão e a passividade que só servem como artifícios para os governantes controlar os indivíduos. O Super-homem se concentra neste mundo em lugar de esperar pelo próximo. Este não segue cegamente a multidão e, não se conforma também, não se inclina frente ao poder da Igreja ou outras formas de autoridade. Ele planeja o longo curso do atalho não é aprisionado pelos costumes estabelecidos, toma suas próprias decisões éticas, com base em sua própria moralidade.
Nietzsche não acreditava que havia muitos super-homens, mas citava exemplificando alguns como Jesus, Shakespeare e Napoleão (que seriam modelos de qualquer super-homem em treinamento). Infelizmente, veio à ideologia nazista apropriar-se do princípio do super-homem e, decorre daí, sua péssima reputação que se seguiu (principalmente em face das ligações de amizade da irmã de Nietzsche com líderes nazistas).
Porém, o filósofo (e filólogo) austríaco não se interessava em controlar ou conquistar os outras, apenas em desmistificar esse controle e poder. Defendia o domínio em si mesmo e a realização de seu potencial individual sem ser inibido por uma sociedade repressora.
Nietzsche foi um escritor prolífico, embora não tenha sido muito vendido em sua época. Seu primeiro livro “O Nascimento da Tragédia ” significava um tributo à sociedade e à filosofias gregas antigas estabelecendo a diferença entre a natureza humana de Dionísio e de Apolo .
Dionísio era o deus grego ligado aos prazeres sensuais, e Nietzsche entendeu que este seria modelo melhor do que Apolo (como figura melancólica e séria). Acreditava que a cultura européia tendia muito mais para Apolo embora reconhecesse que a dose de sensualidade de Dionísio fosse mais benéfica para todos.
O tipo apolíneo surge como homenagem ao deus Apolo . É o inverso de Dionísio, pois é o Deus da moderação e da individualidade, do lazer, do repouso, da emoção estética e do prazer intelectual.
A arte grega retratava seus deuses, as pulsões cósmicas que se manifestavam nas atividades. A arte grega era a união desses dois tipos ideais que se alternam. O mito trágico expressava toda crueldade do mundo dionisíaco.
Só a guisa de exemplificação, retratamos que o coro é dionisíaco enquanto que o diálogo é apolíneo. O coro exige coordenação, hierarquia e harmonia. Ao passo que o diálogo exige aproximação, sedução e atração.
Há ainda a expressão “apolíneo-dionisíaco” relativa ao que vem dos deuses Apolo e Dionísio – expressão popularizada e criada por Nietzsche como um contraste no livro “O nascimento da tragédia”, entre o espírito da ordem, da racionalidade e da harmonia intelectual, representado por Apolo, e o espírito da vontade de viver espontânea e extasiada, representado por Dionísio.
Dionísio seria um deus da música, ébrio e que não habitava o Olimpo, mas a natureza; a força vital pois contém alegria e excesso. O surgimento da filosofia representava o predomínio do espírito apolíneo, derivado de Apolo, que representava o severo deus da racionalidade, da ordem e do equilíbrio.
Antes do surgimento da filosofia, os períodos e espíritos dionisíaco e apolíneo se revezavam e completavam-se de forma mútua e dialética. Com a evolução da razão filosófica e científica, o espírito apolíneo irá prevalecer enquanto o espírito dionisíaco reafirma o desejo, a vida sendo progressivamente reprimido.
Aponta Nietzsche que a verdade e a moral são instrumentos que os fracos inventaram para submeter e controlar os fortes, os guerreiros. Enfim, a tradição ocidental da filosofia é nesse sentido.
É duplo o objetivo de Nietzsche revelar e criticar a tradição ocidental da filosofia e procurar restaurar os valores primitivos perdidos. Seu estilo iconoclasta e irônico, com seus aforismos ácidos, constrói uma filosofia com um martelo.
Seus aforismos era sua favorita forma de se expressar, trata-se de uma observação breve e sintética como um provérbio. Sua primeira coleção de aforismos é chamada “Humano, demasiado humano ” .
Outra coletânea famosa é “A Gaia ciência” e se referia às canções medievais dos trovadores franceses. É nessa obra que faz a audaciosa exclamação de sacudir a realidade, fazendo que se pense sobre sua liberdade e o potencial do mundo humano , pois em ver de temer o castigo divino ou sacrificar sua felicidade nesta vida na esperança de ser recompensado na próxima.
A teoria da recorrência eterna ou do eterno retorno é mesmo estranha referência tendo em vista que o filósofo era um ateu convicto, mas acreditamos que era mais uma das suas alegorias imaginativas e poéticas .
Realmente sua obra mais famosa é mesmo “Assim falou Zaratustra ” uma vez que expõe em intensa polêmica um evidente ataque à tradição judaico-cristã. Trata-se de obra poética, metafórica e apaixonada onde narra o despertar espiritual de Zaratustra (que é o super-homem aperfeiçoado) onde também reitera a recorrência eterna, sugerindo que este lutaria para criar nós mesmos um tipo de vida e, não nos importaríamos se vivêssemos repetidamente.
A obra começa por uma fábula que resumo os pontos de vista de Nietzsche sobre o indivíduo em sociedade. E, nessa fábula o curioso é que o camelo transforma-se em leão, o leão mata o dragão e, então, o leão se transforma em criança.
Por correspondência, na juventude somos camelos (estamos ávidos e carregamos enorme herança da infância e da genética). Após o nascimento, carregando o peso do mundo, somos animais de carga e o cristianismo tratou de impor limitações ao nosso potencial completo e encontrar a felicidade verdadeira.
Já na vida adulta, somos leões e queremos literalmente devorar o mundo, nos aventuramos e, tal avidez e força resultam do embate diabólico da sociedade e da religião. Aliás, foi Nietzsche que enunciou nessa obra; “O que não nos mata, nos fortalece”, ou na versão popular: “O que não mata, engorda!” .
Então, o leão é confrontado pelo dragão de nome peculiar, pois se chamava “Tu deves” que representava todas as regras sociais jurídicas e da religião que reprimem nossas vidas. O leão afinal mata o dragão que é transformado em uma criança inocente e pura.
Paradoxalmente, esse estado de criança deveria ser o objetivo do adulto maduro e que sobreviveu às flechas, permanecendo ferido, mas sem se abater. A morte do dragão permite que o super-homem possa emergir triunfante.
Além do Bem do Mal é a obra que expressa mais intimamente a filosofia e possui peculiar abordagem ativa e mais agressiva. Difunde que a moralidade imposta na sociedade é válida, mas a vida real ocorre num reino situado além do bem e do mal. A disposição ao poder significa “ir à busca do prazer” e o “ser o que você pode ser” possui significado benéfico.
Seu lado sinistra, no entanto disputa a crença de que a compaixão e a proteção do mais fraco é uma virtude. Pode haver muitos feridos no caminho da disposição do poder e você também poder ser lesado pela disposição de poder de outros, mas essa é a vida, conclui Nietzsche, que enxergava tanto coisas positivas como negativas que foram feitas exatamente em nome de Deus.
O homem sempre age bem. O agir humano é sempre bom, tendo em vista sua natureza e não o direcionamento racional de uma vontade livre, pois ele não tem opção por agir de um modo distinto. Chegamos à irresponsabilidade moral, assim como o leão, não pode ser culpado moralmente em comer quando faminto uma gazela.
Percebemos que para Nietzsche não há distinção entre o homem e a natureza e este faz parte daquela, é uma de suas espécies. Todavia, o homem foi o único animal que até hoje rompeu, por assim dizer, com sua natureza, criando a possibilidade de escolher metas para si e progressivamente dominar seus impulsos. Esse processo se dá através da moral e da razão.
Aliás, reconhece Nietzsche que a vontade contém o impulso que sempre possui dois lados, aliás, in verbis: “Todo ideal pressupõe amor e ódio, reverência e desprezo”. E, reconhece que o impulso essencial tanto pode advir do lado positivo como do negativo.
Tais pulsões instintivas são totalmente destituídas de valoração moral, e conforme a cultura ou a situação pode receber valor moral distinto e, por vezes, oposto. O homem age sempre bem, nem toda ação propositalmente nociva é considerada moral, advertiu Nietzsche.
Esse processo se dá pela moral e a razão, pois o homem é o único animal que rompeu com sua natureza, criando a possibilidade de escolher metas e dominar seus impulsos. Porém, escolher metas não significa ação livre pois apenas os homens mais fortes estão aptos a isso, o que justifica o surgimento do Estado.
A moralização do agir humano é um processo histórico, que tem seu começo no indivíduo (ou, até mesmo uma sociedade) de natureza forte, e se inseriu a moral do bem e a moral do mal.
O famoso “livre arbítrio” na verdade é o castiço ou cativo arbítrio que resulto em abuso de causa e efeito. Todo agir humano para Nietzsche é instintivo e natural, a moralização é apenas o resultado do processo histórico, que se inicia a partir da diversidade da natureza da qual a natureza humana é apenas mais um componente.
Os graus de capacidade de julgamento decidem o rumo em que alguém é levado por esse desejo (no agir no bem ou no mal), toda a sociedade e cada indivíduo guardam continuamente uma hierarquia de bens seguindo a qual determina suas ações e julga as dos outros.
Deste modo, o filósofo austríaco mostra que as ações humanas não sendo livres e os homens não sendo responsáveis por ser/agir assim ou de outro modo, são todos irresponsáveis moralmente por seus atos. Porém, são responsáveis sociais, pois a sociedade lhe obrigou a aceitação dos valores morais e também o julgará por estes valores.
Apenas os espíritos livres possuem força suficiente para romper os limites de sua própria natureza e também com as imposições sociais e encaminhe-se em novas direções, somente estes são dotados de vontade de poder.
O professor João Manuel Pardana Constâncio da Universidade de Nova Lisboa nos ensina pensar a partir de Nietzsche e sobre sua negativa do livre-arbítrio . Seria uma ficção? Traduzindo um mundo onde talvez não realizamos escolhas, seria então uma vale-tudo, seria um mundo sem sujeito ? Definitivamente a crise do sujeito nos revela essa filosofia.
O pensamento contemporâneo no tocante as ciências sociais e humanas aponta para a idéia de morte da noção de sujeito, e entre os pensadores mais responsáveis estão os chamados três mestres da dúvida ou da suspeita (que são Marx, Nietzsche e Freud) que passaram a questionar a figura da razão passando a enfatizar, em seu lugar, a diversidade das experiências vividas no cotidiano.
Tais experiências em particular situadas no social, por Marx aponta a razão como a serviço do poder, cujo nome é ideologia, e do ponto de vista individual, pela teoria freudiana ressalta outro aspecto, a do investimento pulsional, mostrando assim que a razão pode estar a serviço da mentira, cujo nome é racionalização.
Quanto à Nietzsche sua crítica à acepção hegeliana de sujeito como “um ato legítimo” e seu interesse na experiência estética da vida, tornam-se argumentações acirradas contra os valores preconizados pela moderna filosofia a delinear o conceito de sujeito. Com a saída da razão como modelo explicativo da noção de sujeito a partir da postulação de uma ruptura de sujeito em consciente e inconsciente, distanciando-se do modelo vigente no século XIX que se fundamentava no pensamento cartesiano.
São pontos cruciais na configuração da diferença entre o pensamento freudiano e o cartesiano, é a introdução da noção de alteridade e de determinação. Segundo a visão cartesiana, a consciência abrange o psíquico, e a certeza provém da percepção que se tem do próprio pensamento.
No que se refere à concepção freudiana, a introdução dos fenômenos inconscientes aponta para a incerteza da percepção da realidade, passando a demandar do outro sujeito a garantia de sua verdade.
O elemento psíquico preconizado por Freud vai desaguar na questão de alteridade, ou seja, contrapondo-se a uma idéia de autonomia da consciência, ou seja, o psíquico exige o outro em sua própria constituição. Essa é a primeira diferença entre o pensamento moderno, representado por Descartes, e o pensamento contemporâneo freudiano.
A noção de sujeito se privilegia a autofundação e autoreflexão como elementos constituintes do sujeito.
Também Marx e Nietzsche promoveram uma revolução no pensamento no que tange à questão da consciência, estabelecendo um novo padrão de interpretação e uma crítica ao estatuto da metafísica.
O próprio pensamento platônico que tanto privilegia o mito tem a especificidade de promover tal configuração, impedindo um processo de racionalização integral do ser, e introduzindo a idéia de um “cosmos racionalizado”.
É esta a acepção que será aceita pela filosofia cristã (século I) cuja temática central é o da conciliação das exigências da razão humana com a revelação divina.
E, depois desse contexto, com o surgimento do humanismo clássico que consistiu em valorizar o homem em sua dupla capacidade de ser consciente dele mesmo, ou seja, (autoreflexão) e de fundar o seu próprio destino (a liberdade de autofundação).
Assim, a unidade do sujeito passa sofrer a ênfase com o deslocamento da concepção de homem como parte integrante do cosmos e uma valorização do sujeito em relação ao universo objetivo.
O que melhor caracteriza a idéia de um sujeito autônomo que se volta para o mundo para conhecer a realidade foi o cogito cartesiano, que é um autêntico marco da filosofia moderna.
Com o pensamento de Hegel ocorre a radicalização da noção de sujeito, eis que é o espírito absoluto, provocando questionamento em relação à razão – na acepção de entendimento. E no final do século XIX, assistimos ao aprofundamento desse questionamento, o qual promove a necessidade de redimensionamento do tema da racionalização e do sujeito.
O que vem delimitar o campo conceitual a temática do inconsciente e da finitude. Assim a vontade, como poder em estado puro, a idéia do sujeito seria pura ficção (conforme Nietzsche) como efeito de linguagem (em psicanálise) ou constructo social (Foucault).
Esse dois aspectos – a questão da alteridade e a questão da linguagem. E, nesse momento presenciamos que a noção do inconsciente perpassa por toda temática essencial do pensamento contemporâneo.
Com relação à finitude, a trajetória para sua compreensão deriva da temática do inconsciente, e que estão ancoradas na questão de alteridade.
No pensamento que privilegiava o sujeito como autônomo, a idéia de morte se vinculava somente à ordem somática, situando-se, então no plano da natureza, ou seja, a substância extensa é finita.
A ordem psíquica, como estatuto da existência, como substância pensante (res cogitans) não participante do mundo das coisas. Em outras palavras, a substância pensante é considerada infinita.
Para Freud, a constituição do sujeito é baseada na necessidade de uma abertura para o outro, o que fica ressaltado é o desamparo em que se insere o sujeito, visto que a possibilidade do conhecimento passa forçosamente pelo reconhecimento do outro.
O que fica descaracterizado com isso é a própria relação entre sujeito cognoscente e o objeto cognoscível, indicando a exigência de uma reestruturação na compreensão da categoria de sujeito.
Assim, a constituição do sujeito refere-se à alteridade a inclusão da dimensão temporal torna-se uma exigência. E tal reformulação, introduzida pelas temáticas do inconsciente e da finitude na compreensão da categoria de sujeito, via erguer, no pensamento contemporâneo, a discussão sobre a possibilidade de conceber o sujeito empreendendo uma ação transformadora, seja ela externa ou interna.
A concepção de sujeito não mais centrada na idéia de consciência reflexiva, mas sim, a partir da alteridade, da condição de possibilidade de tomar consciência de si, a idéia de determinação, que se encontra aí implicada traz para o debate a necessidade de explicar de que forma se pode conceber o sujeito como singular.
A idéia de alteridade nos remete a inserção num universo simbólico, rompendo com a concepção de ser o sujeito uma medida fechada em si própria.
De acordo com a concepção freudiana, a determinação baseada na alteridade, se mostra como exigência integrativa da subjetividade. Não se trata de considerar, uma determinação causal. Mas numa relação assimétrica, que remete para uma determinação de caráter estrutural.
Verificava-se assim no pensamento moderno, a configuração de sujeito privilegiando a teoria do conhecimento. Polarizando assim a relação que se dava entre sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido, supondo como uma substância que atingiria sua essência através da reflexão.
Assim, na se pode mais cogitar na percepção de natureza objetiva de si, pois a tomada de consciência passa pela alteridade, o conhecimento de si, dos outros e do mundo não é mais que uma interpretação.
A singularidade do sujeito, nessa ótica, vai estar referida à interpretação que o sujeito elabora produz a partir de uma situação de desconhecimento.
Mas muitas inquirições passam a ser formuladas particularmente após os anos 30 e da experiência prática, ética, política e cultura da Europa, e a partir da própria contribuição psicanalítica dentre outras, vai empreender uma crítica ou desconstrução da concepção de sujeito.
Aliás, o jargão que proclama a “morte do sujeito”, ou o aniquilamento do sujeito exige um redimensionamento da questão, indo para além da questão filosófica de apreender o sujeito como categoria, o que coloca, na atualidade e no próprio âmbito ontológico, é a possibilidade de pensar a positividade do sujeito.
A descentralização do conceito de sujeito, e a possibilidade de problematizar a idéia de transcendência com relação às várias categorias. A própria reivindicação de um conhecimento de si que não pode estar desvinculada com a inserção do sujeito no universo simbólico, e pela possibilidade desse conhecimento que passa pelo outro.
Na medida em que esse conhecimento não mais se refere à relação de mera adequação entre pensamento e realidade, e nos remete para o plano da imanência.
O Estado pode impor provas intimidantes de poder e subjugar os mais fracos, retirando-os do isolamento e os reunindo em associação. A moralidade é antecedida pela coerção, pois se torna costume para mais tarde ser obediência livre e, finalmente, quase instinto, e, então, como tudo que há muito tempo é habitual e natural, sendo ligada ao prazer, e se chama virtude. (Nietzsche, 2000, p.75,76).
A autodeterminação humana é uma experimentação na qual as metas vão sendo substituídas por outras, por vezes é um processo repleto de crueldade. Por ser manifestação de sua natureza, o agir humano é sempre bom, sendo isento de valores morais, não seguir escolha livre e racional. Portanto, a essência da irresponsabilidade moral justifica-se pois o agir é natural.
Repise-se que a moralização é processo histórico que tem origem em um indivíduo ou uma sociedade de natureza forte, cuja manifestação de força, consiste em escolher metas para si, e entre estas metas, em certo momento histórico, se inseriu o bem e o mau.
Aliás, Nietzsche nega a existência do mau. A fatalidade da existência humana não pode ser separada da fatalidade de tudo que foi e de tudo que será. O homem não é a conseqüência de uma intenção própria, de uma vontade, de uma finalidade. Também não é feita a tentativa de se alcançar o ideal de moralidade.
Inventamos a finalidade e não há como julgar ou medir nosso ser, pois não pode ser conduzido à causa prima, posto que o mundo seja uma unidade, sensível e concreta.
Somente os humanos criam as causas, o efeito, e não podem ser cativos do conceito monstruoso de livre arbítrio, não existe liberdade psicológica, não há inexorável cadeira de causas e efeitos.
Admitir a teoria da plena irresponsabilidade humana perante o bem e o mal, traz quase uma humilhação para o homem, pois seu maior substrato de humanidade era justamente a capacidade de realizar escolhas morais, escolhas livres.
Mas a natureza humana não é estática e evoluindo surge o que Nietzsche chamou de “vontade de poder” que é próprio movimento da natureza se fortalecendo e sendo mais pulsante.
A irresponsabilidade e a inocência é um fel que o sujeito de conhecimento tem que suportar, principalmente porque estava acostumado a enxergar na responsabilidade e no dever a credencial de nobreza e de sua humanidade.
Desta forma, as ações boas são ações más sublimadas e, por outro lado, as más ações são boas ações embrutecidas ou bestificadas. O grau de julgamento avalia o quanto alguém é levado por desejo (de agir bem ou mau) e toda a sociedade e indivíduo possui continuamente uma hierarquia de bens, uma tábua de valores, pela qual pauta suas ações e julgamentos das ações alheias.
Mas devemos observar que a hierarquia de valores muda, porque o grau de inteligência varia em razão do tempo, do espaço e de qualquer modo, todos os atos e juízos são limitados e, compreender toda a dinâmica pode causar profundas dores, mas há um consolo pois afinal são dores do parto.
Portanto, para Nietzsche a moral é processo diametralmente oposto à natureza primitiva do homem, mas através da expansão da vontade de poder e de profunda submissão e repetição, acabam por se tornar parte da natureza humana.
Apesar de serem os homens irresponsáveis moralmente por outro lado, são responsáveis sociais pois a própria sociedade lhe obrigou a aceitação de valores morais, também o julgará por estes valores.
Apenas os espíritos livres terão força suficiente para romper com os limites de sua própria natureza e também com as imposições sociais e culturais para se projetarem em novas direções e expandindo suas forças. Obrigando a natureza dar uma volta sobre si mesma, aumentando os limites de sua dominação.
E, então, você tem espírito livre? Não responda. Apenas reflita no real fundamento da liberdade, do livre-arbítrio e enfim sobre toda natureza humana.