Desde o ano passado, um debate polêmico vem envolvendo diversos setores da sociedade: a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil. Os menores estão participando de crimes cada vez mais violentos e levam o país a perguntar: existe saída?
Legalmente ela passa pela aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considerado um dos modelos mais avançados do mundo em termos éticos, jurídicos e políticos de proteção à infância e a juventude. O Estatuto completou 15 anos promovendo avanços no modo como o Estado, a família e a sociedade civil devem garantir os direitos fundamentais dos jovens e também como proceder caso eles cometam delitos.
O ECA: conjunto de regras que estabelecem os direitos dos menores à vida, saúde, convivência familiar, educação e também seus deveres dentro da sociedade. O Estatuto foi elaborado de forma democrática, com a participação dos três Poderes e de vários movimentos populares.
Entretanto ainda existe muito a ser feito para que o ECA seja, de fato, uma ferramenta de amparo infanto-juvenil. Juristas enfatizam que o Estatuto não deve ser utilizado apenas como instrumento de punição, mas como caminho para implementar políticas públicas e ensinamentos que têm o objetivo de reeducar, socializar e proteger as crianças e adolescentes.
No STJ, o ECA tem sido aplicado em diversos julgamentos que envolvem a juventude. Os ministros interpretam o Estatuto para decidir de forma mais justa para o menor infrator, colocando em prática as medidas sócio-educativas que tiram os jovens de situações de risco e promovem sua reintegração social. Foi assim no caso de um adolescente que estava internado por tempo indeterminado pela prática de tráfico de drogas. No STJ, ele garantiu o direito de aguardar uma nova sentença em regime de liberdade assistida.
Ao conceder o pedido de habeas-corpus, a Quinta Turma do STJ ressaltou que a aplicação da medida de internação só pode ser imposta se a infração atribuída ao menor estiver prevista no artigo 122 no ECA, que estabelece que a medida de internação só pode ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
O entendimento do Tribunal, de acordo com o que determina o ECA, enfatiza que prender um menor de idade é uma medida de exceção que deve ser autorizada em casos extremos, uma vez que o preço de se colocar uma criança na prisão pode custar muito caro para o futuro dela, levando o país a pagar a conta social dessa decisão.
Educação é o caminho
Um dos objetivos do ECA é justamente mostrar que, em boa parte das vezes, é melhor reeducar que punir criminalmente o jovem que age fora da lei. Por isso, o Estatuto rege vários outros temas da vida infanto-juvenil. No STJ, esses assuntos chegam em forma de recursos a respeito de adoções, guarda, pagamento de pensão, investigação de paternidade… Em todos essas causas, os ministros da Casa procuram aliar a aplicação do ECA ao sistema da Justiça, a fim de garantir o bem-estar das crianças e adolescentes envolvidos.
Um bom exemplo da utilização do Estatuto foi o que ocorreu no caso de um pai que teve a guarda do filho suspensa. De acordo com denúncia do Ministério Público, a criança estaria sofrendo abusos emocionais em razão da conduta do pai, que se recusava a fazer tratamento psiquiátrico apesar de ter distúrbios de personalidade.
O pai recorreu ao STJ para voltar a encontrar o filho, mas a Terceira Turma do Tribunal entendeu que o menor tinha o direito à proteção integral conferida pelo ECA. Os ministros requisitaram que o menino fizesse acompanhamento psicológico e estabeleceram esta condição: que o pai se submetesse ao tratamento psiquiátrico para que as visitas pudessem acontecer em segurança para o menor.
E o ECA também é aplicado em casos que envolvem crimes sexuais. A Quinta Turma do STJ decidiu que o envio de fotos de crianças e adolescentes por e-mail viola o Estatuto e constitui pedofilia pela internet.
A decisão aconteceu em uma Ação Penal contra um grupo de nove pessoas que transmitia fotografias pornográficas de menores por meio de chats e grupos de conversação. O Tribunal de Justiça do Rio havia trancado a Ação Penal porque entendeu que os réus apenas divulgavam o material de forma restrita, em comunicação pessoal e, por isso, não teriam publicado as imagens.
Entretanto os ministros do Tribunal da Cidadania discordaram da tese. O STJ afirmou que, ao utilizar recursos virtuais, o grupo permitiu que qualquer usuário da internet tivesse acesso ao conteúdo pornográfico enviado. Segundo o entendimento da Quinta Turma, o ECA garante proteção total às crianças e adolescentes, independente de individualização, ou seja, do menor ter sido identificado.
Isso significa que não é necessário haver dano real à imagem de uma criança ou adolescente específico, uma vez que a divulgação de pornografia infantil põe em situação de risco a infância brasileira como um todo.
Exibição sob controle
E você sabia que a participação de menores em qualquer programa de TV exige autorização judicial, mesmo que eles estejam na companhia dos pais ou responsáveis? Está escrito no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Segunda Turma do STJ aplicou a lei ao julgar um recurso do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ).
A sentença do TJ paulista determinou o pagamento de multa pelo canal de TV que apresentou, num programa de auditório, a história de duas crianças que discutiam o resultado do exame de DNA para conferir possível troca de bebês na maternidade. O SBT recorreu ao Tribunal da Cidadania, mas o STJ manteve a condenação.
Para os ministros, os programas de televisão são espetáculos públicos e, por isso, enquadram-se no artigo 149 do ECA, que trata da criança ou adolescente na condição de participantes de eventos dessa natureza. Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça determinou a exigência do alvará judicial a qualquer empresa que desejar exibir crianças e adolescentes como atração para impulsionar a audiência.
Como podemos observar, o ECA é um instrumento abrangente que nasceu, tornou-se criança e agora é um adolescente que está em fase de amadurecimento e novos aprendizados.
Por isso é preciso que a população conheça melhor esse jovem estatuto para que ele realmente se torne um mecanismo de ressocialização de menores infratores e, também, de implementação de políticas públicas de saúde, educação e desenvolvimento. O Brasil precisa pensar no futuro do país e esse futuro está nas mãos da criança e do adolescente de hoje.