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STJ: normas de prescrição penal não se aplicam ao Estatuto da Criança e do Adolescente

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou, em votação unânime, a incidência das normas relativas à prescrição de penas, estabelecidas no Código Penal, ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A decisão foi tomada durante julgamento de recurso ordinário em habeas-corpus em favor do menor F.M.M., de São Paulo (SP), internado na Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem), desde fevereiro de 1999. O recurso foi negado depois que os ministros rejeitaram o argumento de que F.M.M. estaria sofrendo constrangimento ilegal por achar-se extinta a punibilidade do ato infracional por ele cometido (roubo qualificado), em face da demora na elaboração de parecer técnico a respeito da evolução da medida sócio-educativa aplicada ao menor.

Ao acolher parcialmente a representação do Ministério Público contra F.M.M por roubo qualificado, o juiz da 1ª Vara Especial da Infância e da Juventude de São Paulo determinou sua internação, pois o ato infracional cometido (o menor roubou um automóvel de Irene de Menezes mediante grave ameaça exercida por meio de arma de fogo) comportava a aplicação da medida sócio-educativa extrema. Dentre as medidas sócio-educativas previstas no ECA (art.121), a internação é a única que importa em restrição total de liberdade e deve ser aplicada em caráter excepcional, por tempo breve. A internação não tem prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, no máximo de seis em seis meses. Sua duração, entretanto, não pode exceder a três anos.

Na sentença, o juiz determinou ainda que fossem elaborados relatórios técnicos trimestrais, assinados por psicólogo e assistente social da Febem, para avaliar aspectos como agressividade e readaptação. Dos relatórios, deveria necessariamente constar o diagnóstico psicossocial do jovem, bem como plano detalhado do trabalho a ser feito ao longo da execução da medida. Com base nos relatórios, seria possível ao juiz avaliar a conveniência da manutenção da internação ou determinar progressão do cumprimento da medida sócio-educativa. Segundo a defesa de F.M.M., após a avaliação inicial, teria havido demora injustificada na elaboração e entrega do segundo relatório, provocando constrangimento ilegal ao menor e caracterizando a extinção da punibilidade do ato infracional cometido pela prescrição da avaliação determinada na sentença.

Ao negar o RHC, o ministro relator Gilson Dipp afirmou que as medidas sócio-educativas previstas no ECA (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade e internacão em estabelecimento educacional) não são equiparadas às penas pois foram adotadas como retribuição ao cometimento de atos infracionais e não de crimes. “A aplicação, ao Estatuto da Criança e do Adolescente das normas que dizem respeito ao instituto da prescrição, esbarra, de imediato, nas definições acima relacionadas que, longe de constituírem meras diferenças de nomenclatura são, antes de tudo, de natureza filosoficamente diversa”, ressaltou.

Segundo Dipp, apesar de medida sócio-educativa e pena possuírem caráter punitivo e reeducativo, a intensidade destes elementos varia quando aplicada aos dois institutos: enquanto a pena possui uma carga punitiva maior, a intenção de reeducação é o que distingue a medida sócio-educativa aplicada aos menores infratores. Por esse motivo, segundo o ministro, o pressuposto da prescrição é a pena. “É de acordo com ela, especificamente em relação aos seus limites mínimo e máximo, que se regula o prazo prescricional”, explicou.

“Sempre que vem à baila a discussão do cabimento da prescrição às normas do ECA, tal como definida pelo Código Penal, aqueles que entendem pela sua aplicação argumentam que a medida sócio-educativa tem inegável caráter repressivo, pelo que, em última análise seria equivalente è pena” afirmou. Mas para o ministro Gilson Dipp, a adoção desta linha de pensamento significa negar todo o espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem por objetivo evitar a estigmatização do menor infrator, tratando-o de forma diferenciada. “O escopo do estatuto da Criança e do Adolescente é a reeducação do menor, com fins de promover a sua reintegração na sociedade, e não a sua punição pela prática de ato infracional. Negar isso é recusar a existência ao próprio Estatuto e aos esforços empreendidos no sentido de fazer com que o mesmo seja eficazmente aplicado”, finalizou Gilson Dipp. Sua posição foi acompanhada pelos demais membros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.