A CPMF possuía uma função pré-fiscalizatória, pois a Receita Federal cruzava as informações dos pagamentos da CPMF, efetuados por bancos, com os valores declarados por empresas e indivíduos, aumentando, assim, seu poder de fiscalização e dificultando a sonegação fiscal.
Com o objetivo de substituir essa função, a Receita Federal publicou no Diário Oficial da União, de 28.12.2007, a Instrução Normativa 802, que regulamenta o Decreto nº. 4.489/02. Este decreto trata da prestação de informações por parte das instituições financeiras relativas às operações efetuadas por seus clientes.
Por essa instrução normativa, as instituições financeiras devem prestar informações semestrais à Receita Federal sobre de seus clientes que tiverem movimentado acima de R$5 mil, em caso de pessoas físicas, e R$ 10 mil, em caso de pessoas jurídicas, em uma das modalidades especificadas no Decreto 4.489/02.
Entretanto, essa norma é claramente abusiva, ilegal e inconstitucional.
A princípio deve-se lembrar que a Constituição Federal dispõe sobre a inviolabilidade da intimidade e a vida privada do indivíduo, proibindo, em regra, a violação de dados, inclusive os dados bancários, “salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII, da Constituição Federal. Grifamos)”.
Pois bem, o cabeçalho do ato normativo em questão traz que ele “dispõe sobre a prestação de informações de que trata o art. 5º da Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001”, in verbis:
Art. 5º. O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
Entretanto, a mesma Lei Complementar, limita a utilização dos documentos de instituições financeiras por agentes fiscais tributários dos entes federativos, engajando-se no quaro constitucional, nos termos do art. 6º:
Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. (Grifamos).
Note-se, portanto, que o ato normativo da Receita Federal não está de acordo com os padrões da Lei que dispõe, tendo em vista que generaliza a pré-fiscalização, estendendo-a a todos os clientes das instituições financeiras. Sendo assim, é claro dizer que o ato normativo também não se encontra nos padrões da Constituição Federal, que veda a violação dos dados bancários, salvo para fins de investigação criminal ou instrução processual penal e, ainda assim, quando não há mais nenhum meio de supri-la.
Com o pretexto de evitar a sonegação fiscal, a Receita objetiva ter acesso a esses dados, utilizando-os para servir de indícios, assim como conseguia com a CPMF. Essa pré-fiscalização genética viola o texto da Lei Complementar e a própria Constituição Federal, agindo de forma abusiva com o objetivo de aumentar a arrecadação, reduzindo as perdas com o fim da CPMF, desestabelecendo a supremacia das normas jurídicas superiores e, consequentemente, o Estado Democrático de Direito.