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A sociedade de risco e a oposição ao garantismo e à Constituição Federal

Os números da criminalidade no Brasil aumentam de forma preocupante a cada dia. Os condicionadores desse problema são muito conhecidos, desemprego, educação inócua, saúde péssima, políticas sociais incompletas, formação ética ignóbil em alguns casos, contudo, o que se observa é uma saraivada de projetos de lei que intentam mudar o Direito Penal, criar um conglomerado de novas leis e diminuir a maioridade penal.

Não é discutível vivemos sob a égide da Sociedade de Risco e não se discute que ocorrem crimes de monta extremamente cruel, principalmente, nos últimos dias. Contudo, as soluções apresentadas não são as mais sábias, na verdade, são tolas, além de outra mostragem de oportunismo, como já foi visto em 1990.

O advento da Lei 8.072/90, a Lei dos Crimes Hediondos, foi forjada num dos mais gravosos momentos da sociedade, a morte de uma pessoa famosa e a subseqüente pressão dos familiares, amigos, mídia, agregada à necessidade de mudança. Porém, passados tantos anos, o grande diferencial dessa Lei começou a ruir – com a decisão do STF no sentido de permitir a progressão de regime – e a criminalidade não diminuiu. Os crimes aumentaram em todos os sentidos, mesmo os crimes de caráter hediondo.

Outro dado que teve acréscimo depois dessa lei foi o do aumento da população carcerária – segundo pesquisa do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, ILANUD – causando aumento de diversas pontos negativos dentro dos muros prisionais: aumento do tráfico de drogas, aumento da violência, diminuição da qualidade de vida dos internos e impossibilidade de socialização, cerceando a ressocialização.

A criminologia teve diversos momentos de reflexão com o passar do tempo, o Direito Penal e o Processo Penal evoluíram, consagraram o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Humanidade e teve contribuições importantes, como o Garantismo de Luigi Ferrajoli, o qual pregava que não pode haver crime senão com lei anterior que o defina.Todavia, a diminuição da maioridade penal trará retrocessos e será uma afronta a diversas esferas.

“Assédio sexual cometido por uma criança de menos de 10 anos”, esse acontecimento levou um garoto nos EUA à responder um processo criminal. Independente do desfecho, há comprometimento psicológico e social, pois uma criança, obviamente sem o desenvolvimento mental completo e com capacidade assaz limitada de representação, age de forma inocente, podendo ser facilmente induzida. Entretanto, no Brasil, com a situação do desemprego e da educação e de seus desdobramentos, um adolescente que tenha uma detenção celular no currículo terá o futuro comprometido e o Estado estará criando um marginal futuro, alimentando seu ódio e sua falta de possibilidade de seguir por caminhos diferentes.

Caso seja esta a intenção do Direito Penal e do Estado, o clamor social está correto, caso não, deve-se começar a agir efetivamente na esfera da prevenção do crime e da socialização.

Consoante à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, em 2003 a participação de menores em crimes dolosos foi de 0,97% do total, já em latrocínios 2,6% e em roubos 1,5%. Isso demonstra a ínfima contribuição estatística que há, por isso, mesmo reconhecendo o sofrimento das vítimas e de seu núcleo de relacionamentos, não podemos cercear a possibilidade de mudanças de seres humanos que ainda podem contribuir com a sociedade de alguma forma.

O Direito Penal do Inimigo é teoria dotada de especificidade com relação ao criminoso, mas soa a uma busca atual de difundir o conceito de “inimigo” a todos os que não agem, sempre, em conformidade com a norma, mesmo quando comete o delito formal menos gravoso.

Deve-se perceber que mortes como a do brasileiro Jean Charles ocorreu pelo medo, pela situação emergencial que um “inimigo” que não era inimigo, era cidadão, assim como os judeus, combatidos pelo regime nazista, assim como vários cidadãos de bem que serão atingidos pelos efeitos do Regime do Medo e pela impossibilidade de mudança.

Salientar, com isso, um fato é importante, o Direito Penal do Inimigo – constituído pelas obras de Jakobs – tratavam de um não-humano, um criminoso patológico, o qual é exceção em uma situação de normalidade, mesmo criminal. Jakobs observava o inimigo de um ponto de vista parecido com o de Hobbes, como alguém que contraria a ordem social e que causa a situação belicosa sempre. Isso, contudo, não é consubstanciado na realidade em que vivemos.

Paradigmas distintos vigoram entre Brasil e EUA e Inglaterra e a aproximação dos mesmos para a tentativa de fundamentar medidas combativas – como a Tolerância Zero e o Supermax – são descabidas, pela questão cultural e histórica dos países em questão, ainda mais atualmente com os acontecimentos do 11 de Setembro e a suposto “Guerra contra o Terror”, tão criticada por muitos mas que parece ser o confete preferido ao tentar promover conseqüências de mesma monta para o Direito Penal pátrio.

À luz da Constituição Federal há a necessidade de garantir diversos princípios e o desenvolvimento social, com efeito, a diminuição da maioridade penal fere a constituição, já tão desrespeitada pela classe político-administrativa, percebe-se que contrariar a Constituição é, sem dúvida, contrariar as possibilidades de socialização e de readequação de alguns jovens, poucos como mostram os números, brasileiros, com efeito, a sociedade de risco condiciona a burla de alguns Princípios e finalidades.