A leitura singela do “caput” do artigo 37 da Constituição Federal vigente nos remete ao estudo ora em apreço, exigindo, de início, sua reprodução “in verbis”:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao seguinte: …”.
Ora, é comezinho que as modernas técnicas de administração e gestão deixaram sua marca indelével no mundo dos negócios, imprimindo um novo e característico ritmo aos sistemas de produção em massa e administração de sistemas produtivos seja em cadeia local, transnacional e multinacional. Esse ritmo mostrou-se ao mundo a partir de técnicas de gestão que priorizavam a plena capacidade de emprego e renda dirigidos a um sistema auto-sustentável, cuja capacidade de retro alimentação demonstrou que seu potencial era, efetivamente, muito maior do que realmente parecia ser aos olhos iniciantes e aprendizes dos novos administradores que nasciam para aquele mundo repleto de inovações, surpresas e resultados inesperados.
Todavia, o maior e mais inesperado desafio ainda estava por vir: como produzir, divulgar, distribuir e fornecer com eficiência? Como fazer que os produtos produzidos por uma determinada empresa tivessem um plus que seus concorrentes não tinham e não poderiam obter através dos meios competitivos disponíveis, sendo certo que este incremento seria o verdadeiro diferencial que separaria o joio do trigo? O que desejava, de fato, o consumidor moderno? E mais, o que ele esperava de seus fornecedores e distribuidores quando procurasse um bem, produto ou serviço o qual necessitasse de forma mais imediata possível?
Sabe-se que eficiência refere-se aos meios destinados à obtenção de um resultado, enquanto eficácia encontra-se associada ao fim perseguido. Ora, desta forma fica claro mesmo ao leitor de primeira viagem que as empresas não tinham outra opção senão optar pela eficiência, já que em termos de eficácia todas estariam desfrutando do mesmo objetivo, quando se observa do ponto de vista de produtos iguais fabricados por concorrentes com a mesma capacidade tecnológica.
Assim, possuindo as mesmas condições e oportunidades – em especial no que diz respeito à obtenção de novas tecnologias e informações – os concorrentes optaram por produzir com a maior eficiência possível por duas razões básicas: otimizar os meios de produção a ele disponíveis e, como conseqüência, fornecer produtos cada vez mais atualizados e dotados de valor agregado superior não apenas ao anteriormente por ele produzido, mas também (e principalmente), mais capacitado a atender às necessidades e expectativas do consumidor do que os demais oferecidos pela concorrência.
Bom exemplo deste processo de enriquecimento do processo produtivo pode ser facilmente percebido no segmento automobilístico, em especial no que diz respeito às montadoras japonesas (e, veja-se, não apenas elas), onde métodos de qualidade como o Kaisen e os “Cinco S” auferiram resultados notáveis no processo produtivo, mais detidamente no que diz respeito ao envolvimento do pessoal do chamado “chão de fábrica”, que a partir daí nunca mais deixou de ser efetivamente envolvido nas decisões gerenciais chamadas de táticas e operacionais, bem como, inclusive naquelas que orbitam na esfera estratégica.
Ou seja, encontrara-se um fator determinante na obtenção de processos produtivos mais eficientes: o indivíduo, o ser produtivo que concomitantemente sabe ser criativo, inovador, crítico e observador de novas oportunidades. A partir de então, a eficiência veio para ficar no sistema empresarial, imprimindo uma nova égide que além de deixar sua marca indelével, envolveu um novo elemento diferenciador que, por si próprio foi capaz de mudar a face do mundo.
A eficiência, de per si, imputou ao meio produtivo uma maior exigência e seletividade por parte dos consumidores, que, por sua vez, bombardeados por informação de massa e sistemas de crítica retro alimentados, tornou-se consciente da imperiosidade de exigir produtos, bens e serviços mais e mais adequados ao seu nível em constante evolução.
Assim, novamente os administradores empresariais foram colocados à prova: a eficiência fez nascer como seu rebento mais importante e significativo a busca incessante por qualidade. Qualidade esta representada não apenas por insumos tecnológicos e visuais mais ousados, mas principalmente por um arcabouço de serviços auxiliares que fossem capazes de proporcionar ao consumidor uma sensação de bem-estar mais adequada ao seu padrão de exigência.
Qualidade é um conceito extremamente difícil e complexo de ser conceituado e explorado na exata medida que este pressupõe um conjunto de impressões de ordem material (circunstancial) e de sua própria essência (substancial), que transcendem ao produto final, atingindo o consumidor em suas várias esferas de cognição (psicológica, sociológica e sinestésica), e propiciando que, plenamente satisfeito, o consumidor ofereça – como moeda de retribuição – um certo grau de fidelidade e de confiança na marca produtora.
Desta forma, temos que qualidade relaciona-se diretamente com satisfação e motivação; ou seja, à medida que o consumidor encontre-se satisfeito plenamente com o bem, produto ou serviço adquirido estará motivado a perseguir aquele produto como uma referência para o seu bem-estar e de seus próximos. Não nos esqueçamos aqui da regra de ouro do Marketing empresarial que determina que um consumidor satisfeito atraí três possíveis consumidores; ao passo que um consumidor insatisfeito elimina seis possíveis novos consumidores.
Resumidamente, qualidade em administração empresarial significa conquistar o consumidor potencial através de sua motivação e, oferecendo-lhe produtos cada vez mais atualizados e dotados de atributos únicos em sua categoria, para, como via de conseqüência, obter a satisfação deste consumidor e ampliando seu mercado competitivo, tanto a nível local, transnacional ou multinacional.
EFICIÊNCIA E O SERVIÇO PÚBLICO
Retomando o tema original deste trabalho, o texto constitucional reformado por emenda, literalmente, arremessou o serviço público neste redemoinho inovador da administração moderna, posto que o princípio da eficiência veio à tona como elemento representativo da qualidade; o consumidor de serviços públicos é o mesmo que consome produtos de elevada tecnologia produzidos por diversas empresas pelo mundo e não pode mais ser submetido a procedimentos e processos obsoletos, desatualizados e destituídos do mínimo conforto que lhe pode ser oferecido como conseqüência natural da contraprestação devida pelo Estado.
Observando-se com uma passada de olhos o que tem sido feito neste sentido pela Administração Pública no sentido de perseguir incansavelmente este objetivo de eficiência, percebe-se desde logo que os meios utilizados tem sido os mais ingênuos, primários e eivados de temores e incertezas, esquecendo-se, constantemente, de qual é o verdadeiro foco de seus esforços: o cidadão consumidor de serviços públicos e não o seu próprio umbigo celestial.
Logo de início, esqueceu-se que qualidade é algo que nasce na base do sistema e não vem imposta de cima para baixo a partir de decreto, portaria ou provimento. Deixa de levar em consideração que cada integrante de seus quadros é um elemento fundamental para obtenção de qualidade, seja através de idéias inovadoras, considerações críticas construtivas e ações voltadas para a busca incessante de um resultado que possa ser efetivamente sentido e mesmo apreciado por todos. Esquece-se a Administração Pública que os meios justificam os fins e não o contrário, sendo certo que cada integrante de seus quadros (clientes internos e externos) são os únicos capazes de efetivamente perceber se um procedimento novo ou um recurso inovador pode ser – por si só ou agregado com outros – capazes de levar ao consumidor uma sensação de resultado positivo alcançado em toda a sua plenitude.
Relatórios, dados estatísticos, informações gerenciais são apenas e tão somente recursos disponíveis para aferir o ponto onde se está, bem como mostrar o destino que se deseja alcançar, mas nunca, jamais, poderão ser eles os únicos elementos capazes e suficientes de orientar um processo de obtenção de qualidade, até mesmo porque, a qualidade é algo que deve ser sentido não apenas por quem dela usufrui, mas também por aquele que está envolvido em sua obtenção.
Este quadro nos revela de imediato que processos de qualidade devem ser trazidos à base produtiva (servidores e demais envolvidos), para que esta a partir de sua observação dos meios disponíveis e de interação com os seus consumidores extraia considerações substanciais relevantes capazes de demonstrar de forma inequívoca que o caminho eleito para obtenção de qualidade é aquele mais adequado aos fins da administração pública: o bem comum e a satisfação do interesse público.
Ainda nesta esteira, devemos evidenciar que medidas destinadas à obtenção de qualidade não podem nunca serem desvinculadas de um resultado que seja por todos conhecido; ou seja, deve-se declarar de forma clara e cristalina qual o objetivo que o processo de qualidade pretende atingir e como seus integrantes podem colaborar para que este se concretize com a maior rapidez possível. Objetivos claros, concisos e bem definidos são um elemento primordial para que a base – principal responsável pela implantação e gerenciamento do processo de qualidade – possa observar auditar, e colher informações e dados relevantes que, após a devida tabulação serão capazes de demonstrar se a via eleita para obtenção da qualidade foi, de fato, a mais adequada e a mais dotada de atributos que possibilitem sua concretização.
Todavia, e mais uma vez, o sistema público olvidou-se de tomar o trem da evolução científica ao extinguir seus setores de desenvolvimento de recursos humanos, prevalecendo a importância caolha dos chamados Departamentos de Pessoal, que nada mais são que estruturas administrativas preocupadas com itens específicos de acompanhamento da vida funcional do servidor, dados numéricos e estatísticos relativos à vida do servidor, e apenas isso. O conceito de recurso humano como recurso estratégico fundamental para o desenvolvimento empresarial ainda não foi devidamente compreendido e absorvido pelo serviço público, visto que poucos são os administradores públicos envolvidos com tal preocupação.
Exemplo crasso e recente é a denominada “reforma do judiciário”, cuja preocupação já teve seu início marcado pelo ledo engano de que apenas e tão somente mudanças sistêmicas, pontuais e focadas em processos e procedimentos são capazes de realizar uma profunda modificação estrutural no sistema administrativo do judiciário nacional. Seus mentores em nada contribuíram para a elevação do status do servidor público à categoria de agente de mudança capaz de influenciar de forma mais eficiente a adequação de meios para determinados fins.
Aliás, a outra face do serviço público, a face da modernidade de seus quadros também foi posta de lado pelos administradores, que se esquecem que, a crise do emprego surgida durante os anos noventa teve como efeito decorrente uma maior acorrida de indivíduos mais qualificados e mais adaptados ao meio produtivo em busca de oportunidades junto ao serviço público, dando início ao surgimento de uma nova geração de servidores e funcionários muito mais preocupados em mostrar suas capacidades do que simplesmente guindar à um emprego público com estabilidade e salário certo no final do mês. Exemplo disso está na renovação dos quadros da Polícia Federal, IBAMA, Ministério Público e Tesouro Nacional. Trata-se de um encontro do útil ao agradável, propiciando um resultado cuja eficiência fala por si mesma.
UMA VISÃO CRÍTICA E REFLEXIVA.
O descortina mento que se contempla à nossa frente é o caótico quadro da absoluta ausência de pessoal qualificado para desenvolver recursos humanos no serviço público, seja na esfera federal, seja em qualquer outra esfera, até mesmo porque, no mais das vezes, o indivíduo referido – o servidor público – é literalmente lançado dentro da atividade, sem qualquer preparo, sem qualquer senso (ou melhor, bom senso) de observar suas habilidades, suas qualidades e seus graus de envolvimento com o trabalho, evento esse decorrência pura e simples da forma de ingresso que se dá ao concorrente que deve prestar provas e apresentar os títulos exigidos, e, em sendo aprovado, iniciar seu expediente, apresentando-se para o desconhecido e para dele extrair o seu avança pessoal.
O que se ignora de forma clara e concisa é que todo o indivíduo – eu disse todo – precisa de uma planificação pessoal de auto desenvolvimento profissional, que caminha lado a lado com o seu desenvolvimento pessoal. Frise-se que, na verdade, estas duas faces, muitas vezes, caminham tão juntas que acabam por se confundir, na exata medida em que um indivíduo precisa de desenvolvimento profissional (carreira) para se auto afirmar não apenas para si mesmo, mas também e principalmente para a sociedade na qual encontra-se inserido.
Desenvolvimento pressupõe envolvimento de pessoas com um objetivo comum, o qual conspiram entre si para seu atingimento; querem, de fato, chegar ao objetivo comum, aquele que será capaz de dar-lhes significância não apenas para si mesmos, mas para todo o conjunto social. Este é sem qualquer sombra de dúvida o ideal percebido por diversas empresas no mundo que compreenderam a importância de ter seus colaboradores (sejam internos ou externos) como verdadeiros parceiros não só para a sobrevivência, mas para o crescimento.
Especialistas comparam o desenvolvimento profissional como o crescimento de uma planta que não ocorre de per si, mas sim através da conjuração de diversos elementos que, trabalhando de forma conjunta e coordenada atingem o objetivo final almejado: crescimento, desenvolvimento e reprodução.
Assim também ocorre com os processos voltados para a qualidade total: exigem coordenação, conspiração e conjuração de objetivos que são tomados por todos como se seus fossem e, a partir deles constroem uma estrutura que irá proporcionar não apenas aos seus membros, mas sim à toda comunidade um aperfeiçoamento em direção ao bem comum.
Mesmo o lucro, o maior objetivo do sistema capitalista, tem sofrido em tempos recentes retaliação oriunda das atividades empresariais voltadas para o terceiro setor: a preocupação de empresas e empresários com o mundo que os cerca, as pessoas desafortunadas que não tiveram as mesmas oportunidades ou, que, mesmo as tendo não souberam delas se aproveitar. Sinais disso são vistos por todo o tecido social, e a qualidade dos bens, produtos e serviços oferecidos hoje pelas empresas, proporcionando maiores margens de ganho, acabam por destinar parte desta renda para envolvimento social, inclusive com a preocupação com o desenvolvimento profissional das pessoas e seus descendentes, assumindo como máxima aquele dito que alega que “não basta dar o peixe, é preciso ensinar a pescar”, e ensinar a pescar não é apenas e tão somente preocupar-se com alfabetização funcional, mas fornecer às pessoas elementos suficientes para que estas sejam capazes de desenvolver senso crítico, juízos de valor e sentimentos globais sobre o mundo que os cerca e no qual encontram-se imersos.
Por tudo isso e muito mais, é chegada a hora do serviço público compreender a importância de imprimir aos seus acanhados projetos de qualidade mais que apenas dados estatísticos e relações numéricas complexas e de pouca ou quase nenhuma importância. Precisa-se de fato valorizar seus recursos humanos, desenvolver suas habilidades, mesmo que se suponha que estas não existam, pois o que se tem é a maravilhosa capacidade criativa e desenvolvedora do ser humano, capaz de vencer barreiras, seja em terra, seja no espaço, seja no fundo dos oceanos.
Resta apenas não nos esquecermos da origem do presente trabalho: o texto constitucional em seu artigo 37 onde percebe-se nitidamente que a palavra eficiência não foi ali aposta apenas e tão somente com uma mera finalidade semântica ou gramatical; seu cerne encerra uma determinação do legislador em imprimir ao longo de toda a estrutura do serviço público um enorme, constante, vigilante e diligente preocupação em oferecer bens, produtos e serviços públicos com a mesma qualidade que hoje se tem no empreendimento privado, vislumbrando mais que um resultado mensurável, uma sensação de bem-estar e realização pessoal.
Veja-se bem que tudo que foi aqui exposto é para nós um credo a ser seguido, uma oração de fé e de coragem que deve ser tomada por todos como uma missão que se quer desesperadamente e obstinadamente ver-se cumprida em todas as suas etapas, até mesmo porque sua conclusão deve ser o resultado de nossa fé, de nossa crença no indivíduo e no seu imenso potencial.
CONCLUSÃO.
Esmiuçar capacidades que até mesmo o indivíduo desconhece expô-las não apenas para ele próprio, mas também para todos que o cercam deve ser a premissa do serviço público para este novo milênio que ora se nos apresenta, deixando as relativizações de lado e esquecendo-se definitivamente de elementos tomados de forma absoluta, posto que nossa medida é o homem, o indivíduo, aquele que desde tempos imemoriais foi capaz de sobreviver e de buscar o crescimento individual e global. É chegada a hora de pensar globalmente e agir localmente, de tal forma que cada ação reflita um resultado que possa ser sentido em qualquer canto do mundo; trata-se da maximização do chamado efeito borboleta tomado em sua forma mais perfeitamente adequada ao mundo em que vivemos.
“O homem que quiser inovar para o bem, inexoravelmente, passará por cinco estágios: indiferença, ridicularização, ofensa, repressão e, finalmente, respeito”. GANDHI.