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Políticas Neoliberais e Flexibilização do Direito do Trabalho

Inicialmente, cumpre-se salientar que flexibilização e desregulamentação são termos com significações inteiramente distintas.

Para o ilustre advogado e professor José Alberto Couto Maciel, a desregulamentação “admite a redução dos direitos trabalhistas visando a preservar a saúde das empresas e a implementar novas tecnologias, baixando o custo de produção. Afasta-se o Estado da relação de emprego e, em conseqüência, há uma autonomia das empresas para discutir direitos com sindicatos enfraquecidos, retomando-se a uma fase histórica de péssimas condições de trabalho, da qual se originou toda uma legislação protetora do trabalhador”(ln Revista L Tr,61-04/469).

Já flexibilização no magistério de Amaldo Süssekind, “corresponde a uma fenda no princípio da inderrogabilidade das normas de ordem pública e no da inalterabilidade in pejus das condições contratuais ajustadas em favor do trabalhador, visando a facilitar a implementação de nova tecnologia ou preservar a saúde da empresa e a manutenção de empregos (In Revista L Tr.61-01 /42).

Regulação privada x Regulação social

A divisão em dois blocos, vigente durante mais de 70 anos, acabou com a queda do “socialismo real” (1989-1991). A nova situação fortaleceu em nível mundial a corrente neoliberal que afirma a primazia absoluta do mercado e propõe a redução do Estado ao mínimo. Para seus defensores, todas as atividades econômicas devem deixar de ser reguladas pelo Estado; todas as empresas estatais devem ser privatizadas; para reduzir o déficit público, o Estado deve restringir o investimento em políticas sociais (saúde, educação, moradia, transporte, emprego) e a própria área social se deve parcialmente privatizar. É preciso diminuir as regras que controlam os investimentos de capital (desregulamentação), reduzir as barreiras comerciais entre os países (abertura dos mercados), de modo que o capital e os produtos possam circular livremente.

Esta desregulamentação consiste na regulação privada do Direito do Trabalho em detrimento da regulação social. O Direito do Trabalho está passando atualmente por um profundo processo de desregulamentação. Tal fenômeno, sentido intensamente no ordenamento jurídico trabalhista, tem suas raízes fora dele, ou seja, na alteração do modo de acumulação de capital e, por conseguinte, na do modo de produção. As revoluções operadas na Administração e na Economia são determinantes para a desregulamentação da legislação trabalhista, de forma que é preciso entendê-Ias e contextualizá-Ias para que se possa entender aquele fenômeno.

As medidas visando a desregulamentação vêm sendo adotadas por países economicamente desenvolvidos desde o início dos anos 70. A colocação em prática das políticas neoliberais se intensificou a partir do governo de Margareth Thatcher, na Inglaterra (1979) e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos (1980). Instituições financeiras internacionais – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD) – levam à frente tais propostas

Naqueles países que embarcaram na rota neoliberal, a quebra de inúmeras barreiras e a desregulamentação em curso reduziram o poder dos Estados nacionais de controlar os fluxos de capital que entram e saem de seus países. É uma situação que vem sendo buscada ativamente pelas grandes empresas multinacionais, pelas empresas financeiras e pelos países mais ricos. A “globalização” do capital é o contrário do que o seu nome diz: o comércio mundial está se restringindo cada vez mais a três regiões integradas pelos países que detêm a produção industrial mais desenvolvida e a tecnologia mais avançada: América do Norte, Europa Ocidental e Japão. Um segundo grupo de países só participa de forma subordinada. E, finalmente, há um terceiro grupo: países que não têm lugar nesta economia “globalizada” – é o caso de boa parte dos países africanos e da América Latina. A “globalização” do capital tem provocado a exclusão de inteiras regiões, de países e, dentro destes, de amplos contingentes populacionais.

Neste cenário, a competitividade das empresas é a condição número um da sobrevivência. Só permanecem as empresas capazes de enfrentar a concorrência das demais, inclusive das empresas internacionais com tecnologia de ponta. Para se tomarem competitivas, as empresas “enxugam” seus quadros: reduzem o número de seus operários, substituem os trabalhadores por robôs e automatizam sua produção. Com isso, reduzem seus custos com salários. O resultado é um forte aumento do desemprego, senti9° em todos os países que têm seguido tais políticas. A entrada de multinacionais experimentadas nos países menos desenvolvidos tem provocado falência de inúmeras empresas mais frágeis, com menos recursos ou menos capacitadas. Resultado: mais desemprego.

Para reduzir seus custos, as empresas abrem filiais em países onde a mão-de-obra é mais barata e reduzem o número de unidades em seus países de origem. Os governos alinhados com esta corrente neoliberal procuram mudar a legislação trabalhista para diminuir as exigências relativas à contratação e à demissão dos trabalhadores, com o objetivo de diminuir os custos das empresas, colocando em evidencia o sistema da regulação privada. Isto força para baixo os salários dos trabalhadores nestes países, fazendo com que os salários-modelo sejam os mais baixos e não os mais dignos. Os contratos de trabalho são modificados para atender às necessidades das empresas: o trabalho em tempo integral (40 horas semanais, por exemplo) deixa de ser a regra, aparecendo em cena o trabalho em tempo parcial (com salário também parcial) o trabalho temporário (alguns meses por ano – com salário também temporário) e até o trabalho a domicílio (prestadores de serviço para as empresas, que fazem o trabalho em casa). A isso se chama “flexibilização” dos contratos de trabalho. Os desempregados buscam alternativas de sobrevivência e é isto que explica o forte crescimento do trabalho no setor informal da economia (sem as garantias e proteções legais): ambulantes, camelôs, vendedores de todos os tipos.

Políticas Neoliberais e Flexibilização

É a segunda causa que está determinando profundamente transformações nas relações de trabalho. Trata-se da visão modernizada do liberalismo econômico do séc. XVIII. Os juslaboralistas nos ensinam que as raízes do Direito do Trabalho estão fincadas na Revolução Industrial, com o aparecimento da máquina a vapor. Tal fato acarretou o excesso de mão-de-obra, com o seu conseqüente barateamento. Esse quadro propiciou o surgimento das mais diversas formas de exploração da classe trabalhadora, a qual era submetida a condições desumanas de labor, com jornadas exaustivas, das quais ninguém era poupado, nem mesmo as mulheres e crianças.

Todavia, a introdução da máquina no processo produtivo não foi pacífica. Os trabalhadores, oprimidos pela ameaça de desemprego em massa, promoveram atos de resistência que variavam desde petições dirigidas aos Prefeitos até a efetiva destruição dos equipamentos.

Nesse cenário que imperava o total liberalismo, era comum o obreiro sujeitar-se à condições de trabalho por demais aviltantes, como forma de assegurar a manutenção do emprego e, de resto, o sustento de sua família. Desse modo, a liberdade tão almejada pelo trabalhador voltou-se contra ele próprio, impondo-se a interferência do Estado para propiciar um maior equilíbrio entre as partes.

Daí surgiram as primeiras intervenções estatais, no campo legislativo, com o aparecimento de normas reguladoras dos limites das jornadas de trabalho (regulação privada), proteção do trabalho da mulher e do menor, dentre outras. No Brasil, essa febre legislativa culminou com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em 1943, diploma este que, além de compilar diversas leis trabalhistas esparsas já existentes, disciplinou inúmeros outras matérias até então carentes de regulamentação, de interesse da classe trabalhadora.

A CLT, marcada pelo caráter protecionista do trabalhador, ainda é o principal instrumento de regulação das relações laborais em nosso país. Todavia, algumas metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho fizeram com que o legislador repensasse diversos dispositivos nela insertos, com vistas a adequá-Ios às novas condições que o mercado está a impor.

Nas décadas de 80 e 90, o mundo vem experimentando profundas alterações nas relações trabalhistas, a desproletarização do trabalho industrial fabril, com a diminuição da classe operária industrial tradicional e a subproletarização intensificada, evidenciada com a expansão do trabalho parcial, temporário, precário, sub-contratado e terceirizado.

Essas transformações geraram um quadro de desemprego estrutural, com a redução do pessoal fabril, industrial, em decorrência do quadro recessivo ou mesma da robótica ou microeletrônica. De outro lado, deu-se um crescimento explosivo do setor de serviços.

Ao lado da mudança do perfil da classe trabalhadora, verifica-se uma tendência de diminuição das taxas de sindicalização, especialmente na década de 1980. Essa queda é resultante natural do processo de terceirização e fragmentação que assola a classe trabalhadora, resultando, daí, o enfraquecimento do movimento sindical e, de resto, da própria classe obreira.

Para completar o quadro de mudanças acima relatado, é importante verificar que as políticas neoliberais postas em prática no Brasil e, de resto, em todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, centra-se na flexibilização das relações de trabalho.

A flexibilização leva em conta a idéia de abrandamento do rigor das normas trabalhistas, objetivando adequá-Ias às novas condições do mercado, tendo em vista fatores de ordem tecnológica, afastando cada vez mais a regulação social do trabalho.

Na concepção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a flexibilização, é “a capacidade dos indivíduos, na vida econômica, e, em particular no mercado de trabalho, de renunciar seus hábitos e de se adaptar a novas circunstâncias. Esta faculdade de adaptação depende, de um lado, das aptidões pessoais e, de outro, do clima existente.

Quanto à forma de prestar o trabalho, a flexibilização pode ser observada no abandono da clássica divisão entre trabalho subordinado e autônomo, para a adoção de novas formas de trabalho como o tele-trabalho, o trabalho a domicí1io e outras formas similares, propiciadas pelo avanço da informática, modalidades estas mais freqüentes entre trabalhadores detentores de maior grau de qualificação profissional, nos quais a subordinação jurídica rarefaz-se, volatiza-se.

No que tange ao tempo da prestação de serviço, a flexibilização traduz-se na celebração mais freqüente de contratos por prazo determinado e de trabalho temporário, trabalho em dias alternados, part-time e com horários flexíveis.

-No âmbito da legislação trabalhista pátria, a flexibilização encontra suas primeiras manifestações na Lei n° 4923165, a qual permitia a redução de jornada e de salários, nos casos nela previstos. Outro exemplo típico de flexibilização, vislumbramos na recente Lei n° 9:601, de 21.01.98, através da qual se instituiu o contrato de trabalho por prazo determinado, por meio de convenções e acordos coletivos, independentemente das condições previstas no § 20 do art. 443, da CLT, bem como se criou o chamado banco de horas extras, alterando-se o tradicional sistema de compensação semanal ora vigente.

Na esfera da jurisprudência, sinais evidentes da flexibilização podem ser notados da leitura dos Enunciados n° s. 342 (permite a efetivação de outros descontos no salário do empregado, além das hipóteses previstas no art. 4S2 da CLT) e 331 (o -qual ampliou as hipóteses de prestação de serviços por terceiros), ambos do Calendo TST.

A dinâmica do Direito trabalhista do Brasil manifesta-se através de sentenças normativas da justiça do trabalho, que foram incorporadas ao texto da Lei Maior. Essa interatividade da jurisprudência é oriunda das ações coletivas, pois grande parte dessas normas reflete apenas o que autonomamente e em ocasião diversa, empregados e empregadores ajustam através de convenções acordos coletivos de trabalho.

Por fim, no plano constitucional, a flexibilização já se faz presente, consoante se observa do art. 7°, incisos VI, XIII, XIV e XXVI, condicionada à prévia anuência das entidades sindicais.

Função Social do Direito do Trabalho

Sabe-se que a função social do direito do trabalho consiste em estabelecer um equilíbrio entre os sujeitos da relação jurídica laboral: empregador e empregado. Este último embora em maior número é o que mais sofre nesta relação. Por isso este ramo do direito tem como vetor principal a proteção ao hipossuficiente econômico, pondo este objetivo em prática ao editar suas normas com base no princípio da proteção. Todo este processo, que foi abordado nos tópicos anteriores, consistente na reforma do Direito do Trabalho que surge pelo propósito de correção social, está atingindo “de forma maléfica a função social do direito do trabalho, ao deixar as relações empregatícias a cargo dos contratos particulares seguindo as regras do direito civil (regulação privada).

Neste sentido, impera a autonomia da vontade em detrimento do princípio em que se baseia a formação das normas do direito trabalhista, retomando, de forma mais atenuada, idéia do Estado liberal puro, cuja meta é permitir que a liberdade de cada um possa expressar-se com base nas relações contratuais.

Assim, a verdadeira finalidade do Estado deve ser apenas dar aos cidadãos liberdade suficiente que Ihes permita alcançar seus objetivos, diminuindo progressivamente a intervenção do mesmo nas relações empregatícias, sob a máscara de promover uma maior demanda de emprego através, por exemplo, dos contratos em tempo parcial. Isto é constatado mediante o fato de que as regras do direito do trabalho somente se aplicam a um reduzidíssimo número de trabalhadores, diante da crise do desemprego onde muitas pessoas deixam de ingressar neste sistema jurídico trabalhista e, conseqüentemente há um largo crescimento do trabalho informal.

Diante desta análise, é interessante observar que, uma vez que sua função do direito do trabalho é proteger o lado mais fraco desta relação jurídica, não se pode deixar simplesmente a cargo das partes a formação desta relação citada e correr o risco de retomarmos ao estado liberal verificado na época da primeira Revolução Industrial. No entanto, para o Direito do Trabalho sobreviver como meio regularizador das relações laborais deverá beneficiar-se, cada vez mais, do protagonismo dos grupos organizados e que buscam consensos trilaterais (Estado, organizações de empregadores e organizações de trabalhadores), que se exprimem em convenções ou pactos sociais.

Conclusão

Diante da produção deste trabalho, sentimos bastante dificuldade para desmembrarmos o assunto, já que este está totalmente vinculado em sua essência. Mas passado o nosso estado de inquietação, concluímos que as novas vertentes impostas ao Direito do Trabalho Uá que não acompanharam a evolução social brasileira), serão inevitavelmente aceitas pelo nosso ordenamento jurídico. Mas, deverá o legislador antecipar-se ao perceber que os princípios desse ramo deverão ser preservados e mantidos, atenuando o poder do favorecido, sem privilegiar o desvalido, ou seja, harmonizar os interesses contrários, objetivando a justiça.