Pela morte da filha, casal terá de ser ressarcido em R$ 130 mil por pediatra e hospital de Porto Alegre. A decisão, unânime, é da 5ª Câmara Cível do TJRS e concedeu o dano moral ao considerar negligente o atendimento prestado à menina, vítima das conseqüências de uma apendicite aguda que não foi diagnosticada.
O entendimento reverteu sentença anterior, dividindo a indenização dessa forma: ao médico cumprindo o pagamento de R$ 30 mil e ao Hospital São Lucas da PUCRS (HSL) os restantes R$ 100 mil.
Cronologia
De acordo com o relato fornecido pelo relator do apelo, Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, a menina fora levada ao Hospital São Lucas no dia 12/1/98, onde fizera exames preliminares com a orientação de voltar no dia seguinte. Em 13, a criança apresentava sintomas como vômitos, diarréia intensa, dores abdominais e, conforme a análise do sangue colhido, 17 mil leucócitos – indicativo de grave processo inflamatório. Contudo, 24 horas depois, o pediatra responsável (réu) concedeu alta à paciente.
Diante do agravamento do quadro geral da menina (choque séptico), no dia 15, seus pais a conduziram ao Hospital de Pronto Socorro. Lá, os clínicos realizaram cirurgia chamada laparotomia (incisão na altura do abdômen) e constataram a perfuração do apêndice. Sem resultar em sucesso os esforços da equipe médica, a menina falecera por parada cardiorespiratória.
Defesa
O médico-réu sustentou sua isenção de responsabilidade no falecimento, em vista de que o quadro da paciente era “atípico” para apendicite, argumento corroborado por outros especialistas que observaram a menina durante sua estada no HSL. Acrescentou a constatação da melhora da paciente no dia 14, e com expressas recomendações aos familiares de que lhe procurassem em caso de regressão, concedeu a alta.
Decisão
Tratando de buscar subsídios à análise da matéria, o Desembargador Sudbrack consultou laudos médicos, páginas eletrônicas relativas ao tema e jurisprudência. Colheu a certeza da dificuldade de diagnosticar a apendicite, que pode ter sintomas confundidos com pelo menos meia-dúzia de outras patologias. A conclusão do magistrado serviu pra lhe dar a medida da responsabilidade do pediatra.
Discorreu: “A menina, apresentando quadro atípico para apendicite somado à diarréia, recebeu diagnóstico equivocado, gastroenterocolite, e, com base nesse diagnóstico, foi tratada e medicada”. Com os sintomas enfraquecidos pela ação dos remédios, criou-se a falsa impressão da melhora da paciente e o ambiente necessário para a concessão da alta, decorrência de “negligência e imperícia dos réus, sem definição do quadro e sem a realização de novos exames investigativos”.
O julgador citou o desconforto relatado pela mãe da criança, acomodada em instalações precárias durante o pernoite no hospital, fato admitido pelo próprio réu em depoimento. Mau atendimento, observou, que se estendeu ao corpo médico da instituição ao definir em relatório como “histriônica” a reação da menina que, a certa altura da noite do dia 13, gritava e tentava arrancar os cabelos em reação à intensa dor-de-cabeça.
“Como se vê, o plantonista classificou as queixas da menina como farsas. Tal atendimento só poderia ter causado revolta e indignação na pequena paciente e nos seus pais. Contudo, jamais essa situação poderia levar à alta da menina, naquelas condições”, argumentou o magistrado.
Fez referência ao Código de Defesa do Consumidor para justificar a co-responsabilização do HSL, em última análise, um fornecedor de serviços. “O dano moral está evidenciado, tanto pelo tratamento recebido na emergência do hospital réu, em que os autores assistiram ao sofrimento da filha, impotentes, com pela desorientação em que se viram depois da alta, quando a filha progressivamente piorava, com pelo trágico desfecho”, finalizou.
A sessão de julgamento, em 5/4, teve participação dos Desembargadores Leo Lima e Ana Maria Nedel Scalzilli.