Com freqüência, deparamo-nos com placas de Estacionamento regulamentado, por meio das quais o órgão de trânsito estabelece vagas privativas de estacionamento nas vias públicas, ora para conciliar a distribuição do espaço público com as necessidades específicas da coletividade, como os locais destinados a viaturas, ao estacionamento de clientes de farmácias, taxistas, áreas de carga e descarga ou estacionamento rotativo pago (zona azul), ora para criar certas benesses, obviamente questionáveis, a determinadas autoridades, como vagas destinadas a vereadores, na frente da Câmara Municipal; ao prefeito, defronte a sede do Poder Executivo local ou a juízes e promotores, nas imediações dos Fóruns.
Diante disso, é de se analisar a legalidade desse procedimento, pois se todos somos iguais perante a lei (artigo 5º da Constituição Federal), por que outros não possuem a mesma regalia? Ou seja, por que não existem locais regulamentados para o estacionamento de clientes da padaria, do açougue ou da loja de roupas (e não apenas das farmácias), ou, ainda, por que não destinar vagas para os médicos, na frente dos Hospitais, ou para os dentistas, nas imediações de seus consultórios?
Certamente, tal prática, se aumentada e indiscriminada, acarretaria enormes prejuízos à regulamentação de trânsito, pois a “privatização” da via pública, em vez de garantir o direito de todos, privilegiaria alguns poucos, evidenciando a postura histórica de “favorecimento aos amigos do rei”, o que nos obriga a análise da questão principal aqui levantada: Como determinar os casos de regulamentação de Estacionamento na via pública?Nas vias urbanas, destaca-se que o artigo 24, II, do Código de Trânsito Brasileiro, estabelece que “Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas”, sendo necessário verificar o conceito de regulamentação da via, trazido pelo Anexo I do Código, como sendo “implantação de sinalização de regulamentação pelo órgão ou entidade competente com circunscrição sobre a via, definindo, entre outros, sentido de direção, tipo de estacionamento, horários e dias”.
A sinalização de trânsito está determinada pelo Anexo II do CTB, recentemente alterado pela Resolução do CONTRAN nº 160/04, sendo que as regras para a instalação e interpretação das placas de regulamentação encontram-se previstas na Resolução do CONTRAN nº 180/05. Na análise de tais normas, verificamos que, na implantação da placa R-6b (Estacionamento regulamentado), pode a autoridade de trânsito incluir complementos que evidenciem a regulamentação do estacionamento em cada local, não havendo, entretanto, previsão taxativa de quais são as regulamentações possíveis.
Quanto tratamos das necessidades sociais, como o direito à saúde, ao transporte, à segurança ou à utilização dos espaços de estacionamento de forma igualitária, torna-se fácil conceber e aceitar a regulamentação de Estacionamento para farmácias, táxis, viaturas policiais ou áreas de “zona azul”. Porém, qual é o critério (e a correspondente justificativa) para destinar vagas de estacionamento para determinadas pessoas, ainda que detentoras de cargos públicos, como prefeitos, vereadores, juízes ou promotores? Onde se baseia o direito daquelas pessoas de possuírem vagas especiais de estacionamento no espaço que deveria ser público?
Analisando-se historicamente, é de se notar resquícios das sociedades pré-modernas, em que não se fazia distinção entre Direito e Política e o conjunto de comunicações da sociedade estava ligado a critérios diferentes dos atuais, seja a divisão natural, geográfica ou ligada às camadas sócio-econômicas. Em outras palavras, quando privilegiamos pessoas, deixamos de garantir direitos para toda a sociedade (característica exclusiva da Democracia moderna) valorizando-se o poder político como critério para a criação de direitos.
O assunto comporta, naturalmente, uma análise mais acurada, mas o que se pretende é abrir espaço para discussão do tema. Portanto, longe da intenção de atacar esta ou aquela regulamentação de estacionamento, mas à vista dos exemplos citados, penso que deve a autoridade de trânsito utilizar como parâmetro primordial para a criação de vagas privativas de estacionamento o INTERESSE PÚBLICO a ser preservado em cada caso, deixando-se de lado os anseios e necessidades particulares; aliás, outra não é a FINALIDADE de toda a Administração (o interesse público) e este, sem dúvida, constitui princípio insculpido no artigo 37 da nossa Constituição Federal.