Presa desde novembro do ano passado por furtar um pote de manteiga de R$ 3,20, a doméstica Angélica Aparecida de Souza Teodoro tem pedido de habeas-corpus apresentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse já é o segundo pedido em defesa da doméstica desempregada. O primeiro foi apresentado dia 17 e ambos foram distribuídos ao ministro Paulo Gallotti, da Sexta Turma.
Segundo o defensor que assinou o pedido, Angélica tem 18 anos, está desempregada, tem um filho de dois anos, mora com a mãe doente e, desde novembro, está recolhida ao “cadeião de Pinheiros”, em São Paulo (SP). Afirma o defensor que ela, ao ver o filho chorando de fome, ao ir ao supermercado a convite de uma amiga, escondeu o pote de manteiga no boné.
Não houve ameaça de morte contra o dono do estabelecimento, apenas a intenção de resolver o problema da fome que havia em sua casa, afirma, contando que, na verdade, ela teria sido agredida pelo proprietário do supermercado.
A defesa da acusada afirma que ela não possui antecedentes criminais e está sendo mantida em local ocupado por presas condenadas por crimes hediondos. Segundo entende, apesar de a conduta de Angélica se enquadrar no tipo penal descrito no artigo 157 do Código Penal (roubo – subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência), uma questão descaracterizaria a tipicidade do ato: o princípio da lesividade. A conduta dela se deu em razão do estado de miséria pela qual passa juntamente com sua família; assim, é de se reconhecer e de se justificar a atitude desesperada dela, entende.
Pedido de habeas-corpus semelhante foi denegado pelo Tribunal de Justiça paulista, que concluiu não haver elementos para detectar prontamente a ilegalidade da prisão. Daí o pedido ao STJ, no qual se pede sejam observados dois aspectos: o excesso de prazo para a formação da culpa e o princípio da isonomia; pois, “em um país onde políticos acusados de burlar os princípios reitores da administração pública e até mesmo da atividade estatal conseguem por inúmeros recursos procrastinar o julgamento e a conseqüente execução de suas condenações, o estado-juiz mantém presa uma mulher que rouba o equivalente a R$ 3,20 para matar a fome de seus entes”.
A defesa entende que a acusação de roubo é equivocada, deveria estar sendo acusada por furto (artigo 155 do Código Penal). “O ‘furto/roubo famélico' se amolda quando o ‘é praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome, pela inadiável necessidade de se alimentar’”, explica. Assim, observando-se essas peculiaridades, a seu ver, seria injusto o apenamento de uma pessoa mesmo que haja previsão legal. “Para esta conclusão nos baseamos em uma concepção humanitária”, diz.
Apresentando ainda outros argumentos, o defensor pede a concessão de liminar para que a acusada seja colocada imediatamente em liberdade, com a devida confirmação quando da análise do mérito do habeas-corpus, quando, então, pretende o trancamento da Ação Penal, ou, na impossibilidade, que ela seja posta em liberdade para responder à ação em liberdade.