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Denúncia espontânea: um “direito proibido” ao contribuinte brasileiro

O instituto da denúncia espontânea, previsto no artigo 138 do Código Tributário Nacional, “constitui-se em instrumento de exclusão da responsabilidade em função do cometimento de alguma espécie de ilícito tributário administrativo, inserido no campo do direito tributário penal (não-pagamento, emissão irregular de notas fiscais, etc.)1”. Ainda que o dispositivo legal seja auto-aplicável, sem depender de previsão em legislação ordinária, o instituto acaba por revelar-se ineficaz nas situações concretas, quando o contribuinte, apesar de amparado por lei, vê-se tolhido de exercer a denúncia espontânea por falta de procedimentos administrativos e, pior, por decisões jurisprudenciais que acabam por mutilar o instituto.

As condições para o exercício da denúncia espontânea são extraídas exclusivamente do Código Tributário Nacional:

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Da leitura do excerto supra, depreende-se que o limite temporal para o contribuinte denunciar espontaneamente sua infração tributária é o momento anterior a qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionada com a infração. Isso decorre do adjetivo “espontânea”, já que a espontaneidade deixa de existir se houver exigência de recolhimento tributário pelo ente tributante.

Requisito de admissibilidade da denúncia espontânea é o recolhimento do tributo. Na dicção do artigo 138 do CTN, o recolhimento deverá ocorrer “se for o caso”. No magistério de Luciano AMARO, “a expressão se for o caso´ explica-se em face de que algumas infrações, por implicarem desrespeito a obrigações acessórias, não acarretam, diretamente, nenhuma falta de pagamento de tributo, embora sejam também puníveis, porque a responsabilidade não pressupõe, necessariamente, dano (art. 136)” 2.

Outra interpretação possível é a apresentada por Ives Gandra da Silva MARTINS: “A expressão se for o caso´, incluída pelo legislador no texto do projeto, evidentemente tem que ser interpretada dentro do contexto do princípio da legalidade, que norteia não apenas o direito tributário, mas todo o ordenamento jurídico nacional, ou seja, de que a denúncia espontânea somente terá de ser acompanhada do pagamento de tributos e juros de mora, se a lei expressamente assim o determinar”3 .

Questão que muito fomentou a discussão doutrinária é a aplicação da denúncia espontânea e a exclusão da multa, para o pagamento parcelado do tributo. O Superior Tribunal de Justiça entendia que a denúncia espontânea era compatível com o pagamento parcelado4, tendo posteriormente negado-a sob o fundamento de que a confissão de dívida acompanhada de pedido de parcelamento não configura a denúncia espontânea, sendo por conseqüência cabível a incidência de multa sobre o montante parcelado. A discussão sobre um e outro entendimento perdeu escopo com a inclusão do artigo 115-A no CTN pela Lei Complementar no 104/2001, pelo qual a multa somente poderá ser excluída se lei ordinária dispuser contrariamente5.

O Superior Tribunal de Justiça tem também afastado a denúncia espontânea dos tributos lançados por homologação, pois o benefício só se caracterizaria quando o contribuinte leva ao conhecimento do fisco a existência de fato gerador que ocorreu, porém sem terem sido apurados os seus elementos quantitativos por qualquer tipo de lançamento6. Considerando que a maioria dos tributos brasileiros são lançados por homologação, esse entendimento restringe sobremaneira o exercício da denúncia espontânea. Não se olvide contudo, que a denúncia espontânea é prevista em legislação específica de tributos lançados por homologação, a exemplo do artigo 39 da Lei no 11.580/1996, que dispõe sobre o ICMS do Paraná.

Estando, portanto, estabelecido o restrito campo passível do exercício da denúncia espontânea, resta verificar a concretização do exercício ao direito da denúncia espontânea. Não estabelece a lei nenhuma formalidade, ou seja, a denúncia espontânea não está atrelada à observância de ato solene ou modus faciendi específico. Diante disso, alguns doutrinadores sugerem a conduta que deve tomar o contribuinte para denunciar espontaneamente. Aconselha Felipe Luiz Machado BARROS:

… deverá o autodenunciante prestar atenção para a legislação federal ou estadual que estipular alguma regra de competência do órgão administrativo para conhecer da petição, ou que preveja, apenas para exemplificar, uma norma qualquer de recolhimento da dívida por meio de guias especiais7.

Essa hipótese fica a depender de ato normativo que regule a denúncia espontânea, o que é contrário ao objetivo e à natureza do instituto. O Código Tributário Municipal de Curitiba (Lei Complementar no 40/2001), por exemplo, ainda que não estabeleça competência e guias específicas, permite que o contribuinte proceda à denúncia e posteriormente efetue o recolhimento, o que certamente viabiliza a denúncia espontânea8, mas essa postura não é regra em todos os entes tributantes do país.

Alexandre Macedo TAVARES, em obra específica sobre o assunto, sugere:

“… procede concluir: a ausência de formalidade não significa que a autodenúncia não precise ser apresentada (= declarada, comunicada, efetuada) à autoridade administrativa, ao revés, é exatamente esse fato, exempli gratia, que viabiliza sua concretização mediante simples correspondência ou petição dirigida à autoridade fazendária competente, contendo a identificação do autodenunciante e a discriminação da natureza da infração cometida; tudo devidamente acompanhado “se for o caso”, do comprovante do pagamento do tributo devido e dos juros de mora9.

Em que pese o respeitável trabalho acima citado, a sugestão, na prática, revela-se infrutífera, pois o sistema bancário brasileiro não admite o recolhimento do tributo em atraso sem o pagamento da multa. Dessa forma, é impossível apresentar a petição acompanhada do comprovante do pagamento sem a incidência da multa. Por outro lado, a petição desacompanhada do comprovante de pagamento descaracteriza a denúncia espontânea.

Diante dessa situação, a melhor alternativa seria pagar o tributo com a multa e na seqüência requerer a repetição de indébito. O Tribunal Regional da 4a Região albergava essa possibilidade por considerar que o pagamento do tributo em atraso antes de procedimento administrativo de fiscalização configura a denúncia espontânea10. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que simples recolhimento de tributo em atraso é distinto de denúncia espontânea , de modo que a repetição de indébito do valor da multa é rechaçada.

Pelo breve estudo aqui apresentado, conclui-se que salvo raras exceções, o instituto da denúncia espontânea acaba sendo ineficaz, um “direito proibido” ao contribuinte brasileiro.