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Em busca do novo paradigma para o direito brasileiro: o direito alternativo

O seguinte trabalho tem como objetivo compreender uma retrospectiva histórica no que diz respeito à formação do bacharel em Direito no Brasil, salientando o contexto histórico durante o Império e a República, e, para concluir, a apresentação de um novo paradigma para o direito.

O artigo está fundamentado nos trabalhos e pesquisas realizados por Abreu (1988), de onde retirei idéias sobre o significado do liberalismo singular brasileiro e dos problemas enfrentados pelas Academias de Direito; seguido por Rodrigues (1991), marcado pelas críticas ao direito liberal-conservador e as soluções dadas para essas questões; depois aparece Lopes (2000), que evidencia as transformações ocorridas na cultura político-jurídica ao longo do Império e da República; e, por último, utilizei dos argumentos de Wolkmer (2000), que apontam as influências do liberalismo no Brasil, que, junto com as práticas do patrimonialismo, proporcionaram o desenvolvimento de um novo ideal de ensino jurídico.

O texto está organizado em duas partes: a primeira faz uma retomada histórica sobre a cultura jurídica brasileira, enquanto que a segunda trata da busca de um novo paradigma para o direito brasileiro: o Direito Alternativo. O artigo baseia-se nos assuntos estudados e debatidos durante as aulas da disciplina de História do Direito.

Uma retomada histórica da cultura jurídica.

O século XIX foi, para o Brasil, um século de profundas transformações orientadas por um conjunto mais ou menos bem-definido de idéias: patrimonialismo, liberalismo e democracia.

Para Wolkmer (2000), as diretrizes do liberalismo tiveram base em aspectos de ordem ético-filosófica (liberdade pessoal e individualismo), de cunho econômico (propriedade privada, economia de mercado, minimização do controle estatal, livre empresa e iniciativa privada) e, também, em princípios político-jurídicos (consentimento individual, representação política, divisão dos poderes, descentralização administrativa, soberania popular, direitos e garantias individuais, supremacia constitucional e Estado de Direito).

É através dessa linha de raciocínio que entendemos a implantação e adaptação do liberalismo no Brasil, cuja forma de atuação foi canalizada para suportar os interesses oligárquicos, numa estrutura político-administrativa liberal, patrimonialista e conservadora, comandada economicamente por uma elite agrária. Esse liberalismo, observado por Wolkmer (2000) e Lopes (2000), tratou-se de uma ambigüidade resultante de um plano liberal-conservador.

Os mesmo autores afirmam que, motivadas pela luta contra o sistema colonial, os monopólios e a antiga administração portuguesa, as fórmulas liberais acabaram atendendo às reivindicações das camadas da sociedade brasileira, pois parecia conferir-lhes os fundamentos éticos e políticos para a reformulação da legitimidade do poder, influenciando, assim, os movimentos de independência. Mas para se alcançar a liberdade, foi necessário reconhecer – e mascarar ao mesmo tempo – a desigualdade. Logo, os princípios liberais prevaleceram sobre os pressupostos democráticos.

Durante o colonialismo, a Europa foi o celeiro de formação da primeira geração dos bacharéis brasileiros, tendo a Universidade de Coimbra como destaque de tradição e erudição. Essa entidade foi responsável por implantar uma cultura alienígena, que transformou os bacharéis – já pautados na superioridade e na prepotência magistral – em elite privilegiada e afastada da população. Wolkmer (2000) discorre dessa questão dizendo o seguinte:

“…, eram preparados e treinados para servir aos interesses da administração colonial. A arrogância profissional, o isolamento elitista e a própria acumulação do trabalho desses magistrados (…) motivaram as forças liberais para desencadear a luta por reformas institucionais, sobretudo, para alguns, no âmbito do sistema de justiça”. (op.cit: 91).

Com a Independência proclamada, era fundamental conciliar a natureza patrimonial do Estado brasileiro, sob o regime monárquico, com o modelo jurídico liberal de exercício de poder. A conciliação resultou numa estratégia liberal-conservadora que permitiu, de um lado, o clientelismo e a cooptação e, de outro, a introdução de uma cultura jurídica formalista, retórica e ornamental.

De acordo com Lopes (2000), a emergência do Estado Nacional (logo após a independência), fruto da insistência da questão da liberdade e repudio do radicalismo em função das modernas posturas conservadoras, exigiu a suscitação do controle do aparelho estatal. Devido à necessidade de rompimento com o vínculo das universidades européias, a Assembléia Nacional Constituinte (1823) cogitou a criação das universidades de Direito no Brasil. Após discussão, optou-se por uma em São Paulo e outra em Olinda. É durante a formação desse Estado Nacional que o bacharel se converte em político profissional, procurando chegar ao poder através do partido, lutando por causas e transformando a política em atividade ética.

Porém, a profissionalização não favoreceu a democratização da sociedade, mas resultou na formação de uma elite jurídica própria e na edificação da cultura jurídica nacional. De acordo com Wolkmer (2000), o significado progressista e moderno do liberalismo brasileiro ficou quase restrito a essa categoria intelectual de homens: do bacharel. De acordo com Abreu (1988), a Academia de São Paulo configurou-se como pólo difusor de mudanças. O ambiente marcado pela mescla disciplinar foi fundamental para o bacharel paulista, que influenciado pelo jornalismo, literatura e militância política, acabou por adquirir um caráter político.

O referido autor continua a discorrer sobre o assunto, salientando que a criação de tal instituto solidificou o governo constitucional, que objetivava a criação de uma elite político-intelectual dirigente e de um obstáculo natural de acesso comum de todas as classes à universidade, produzindo, então, um intelectual politicamente disciplinado conforme os moldes ideológicos do Estado, pronto para controlar o aparato administrativo, e convencido da legalidade da forma de governo instaurada. Isso favoreceu a homogeneização da elite política brasileira, fazendo com que os bacharéis ocupassem cargos judiciários e legislativos, facilitando a mediação entre interesse público e privado.

O ensino jurídico no Império é marcado, na visão de Wolkmer (2000), por uma cultura desinteressada, dispersa, com visão lógica e harmônica do Direito, dotada de uma concepção de mundo falsa, ingênua e voltada para a preservação das estruturas de poder. A profissionalização foi propiciada fora das relações didáticas entre corpo docente e discente, marcada por encontros, discussões e pesquisas extracurriculares. As dificuldades da vida acadêmica persistiram ao longo desse período, recaindo sobre a estrutura didática e administrativa do curso do Direito.

A Imprensa foi importante no processo de formação dos bacharéis em Direito, sendo encarregada por debates sobre questões nacionais, cultivando o intelectualismo do profissional de Direito. Paralelamente, o publicismo político (aliado à literatura) e o jornalismo tornaram-se instrumentos eficazes de educação político-sentimental do acadêmico, configurando-se num complexo de prática jurídico-políticas que prestavam a alterar a fisionomia do Estado, adquirindo uma personalidade tutelar e policialesca, servindo de mecanismo de qualificação do chefe político moderno.

Com o passar dos anos, aconteceram fatores que propiciaram a queda da monarquia no Brasil. Dentre eles, destacam-se dois que derivaram da inabilidade do próprio imperador: a questão religiosa e a questão militar. O conflito com o Exército teve um efeito grave, pois o aproximou dos republicanos e desta aliança resultou a proclamação da República em 1889. Vale salientar que a criação de um Estado laico e a ascensão do federalismo fomentaram ainda mais a tensão existente.

A República alterou algumas instituições nos âmbitos societários. Em primeiro lugar, a tradição das unidades de fontes legislativas foi rompida com a federalização, introduzindo a legitimação de uma política estadual por parte da Constituição. Os republicanos haviam sido socializados nas Faculdades de Direito, adquirindo uma nova mentalidade. O Estado foi separado da Igreja, resultando num regime político laico. A Constituição fez silêncio sobre direitos sociais. Enfim, o sucesso do liberalismo na República repercutiu dentro da cultura jurídica.

O pensamento de Lopes (2000) nos conduz a constatar que, a partir da República, as instituições políticas brasileiras passaram a ser inspiradas em modelos norte-americanos e argentinos, definindo novas instituições e cultura, acreditando que tais diretrizes seriam capazes de promoverem as transformações necessárias. O positivismo francês e o evolucionismo acabaram se unindo, e o liberalismo aderiu-se definitivamente ao discurso dos bacharéis.

O mesmo autor ainda afirma que o liberalismo jurídico e econômico conviveu o tempo todo com as revoluções, tendo que enfrentar uma sociedade dividida e antidemocrática. Isso resultou em efeitos inversos aos preconizados nos discursos. A República tentava buscar a modernização tentando romper com tradições, mas a sociedade não aceitava tal procedimento. A solução seria, então, criar uma reforma do sistema de direito público, que acabaria por gerar um Estado regulador.

Em paralelo, aconteciam debates sobre a reforma do ensino jurídico. A reverência ao direito alemão era intensa, mas isso não impedia a crítica. A adição de matérias como História do Direito, Filosofia do Direito e Introdução ao Estudo do Direito foram estabelecidas. Outra reforma que também acontecia era a do setor administrativo, que fez com que o Estado passasse a realizar concursos públicos que substituíram as nomeações, permitindo que a burocracia fosse profissionalizada.

No Brasil, a introdução de um pensamento social nestes termos fez-se debaixo de um período autoritário e assim nossa tradição jurídica encontrou-se perplexa. As intervenções do Estado, embora se reconheça às vezes que são necessárias para garantir uma ordem social, são associadas no imaginário jurídico com o autoritarismo puro e simples. A República tinha o dever de ser calma em termos políticos, pois seria melhor conservar tudo como estava. Ajustaria-se apenas o que estivesse em desconformidade. Almeida Jr, citado por Lopes (2000), dizia que a estrutura do Brasil República deveria se auto-conservar, apenas aperfeiçoando o que não se aplicava adequadamente.

Certamente, esses operadores do Direito tiveram uma função específica e expressiva no processo de ideologização do saber hegemônico instituído. De acordo com Wolkmer (2000), durante o Império e a primeira República, o bacharel em Direito sempre gravitou em um discurso repleto de aspirações liberais desvinculadas de práticas democráticas e solidárias, buscando manter e defender uma legalidade desagregada da sociedade.

Revirando o Direito em busca de um novo paradigma.

É na década de 1980 que encontramos, no Brasil, a estruturação de um novo movimento crítico: o Direito Alternativo. Segundo Rodrigues (1991), com a crise do paradigma do liberalismo-conservador, do capitalismo e com o aparecimento da ditadura militar surgiu uma linha de pensamento inovadora invocada pelo trabalho desenvolvido por Roberto Lyra Filho, representado pela NAIR.

Tal movimento crítico do Direito existente, que já havia atingido a Europa, teve suas particularidades no Brasil. Era um movimento definido pela luta de classes por seus direitos e assistência legal, na busca incessante da educação da comunidade em geral (através da promoção da justiça), e não, apenas, com a dos bacharéis. Essa linha de pensamento acreditava que se a sociedade fosse completamente educada, as soluções para os problemas sairiam do próprio povo. Além do mais, os novos bacharéis iriam ser provenientes dessa sociedade educada, ou seja, já iriam entrar em ação preparados intelectualmente para aplicar o novo direito.

Quando falamos em Direito Alternativo, estamos a abordar um processo que busca eliminar as lacunas e equívocos do sistema jurídico. O movimento faz uma opção para os mais pobres, deslocando sua proposta do acadêmico para a rua (Direito achado na rua) e dando ao Direito a função de instrumento de luta. Segundo Rodrigues (1991), temos a proposta de construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Para o mesmo autor, o “Direito Alternativo” da América Latina passa “do monopólio do juiz ou do jurista para o domínio do conhecimento e da prática popular” (op.cit:49). O Direito Alternativo é a melhor possibilidade de um sistema jurídico, pois é um ato de construção e desenvolvimento de valores sociais já existentes no ordenamento. Isso faz com que sempre se busque a justiça social, provocando uma efetividade do Direito.

Então o direito alternativo buscava a aplicação do direito simbólico (direito instituído, mas não aplicado), passando a ser visto, agora, como um instrumento de luta, que privilegiava um método de compreensão do fenômeno jurídico e suas conseqüências políticas, econômicas e sociais.

Pela mesma linha de raciocínio, o referido autor ainda define a divisão do movimento em duas frentes: uma na luta dentro da legalidade (o Uso Alternativo do Direito e o Positivismo de Combate) que buscava dar eficácia concreta dos direitos individuais e sociais, acabando com a vagueza e ambigüidade das normas e privilegiando as classes menos favorecidas; e, a outra frente, que aceitava o pluralismo jurídico e o Jusnaturalismo de Caminhada, defendendo a aplicação, sem restrições, dos direitos básicos.

Porém, o processo ditatorial em vigor no Brasil, apontado por Lopes (2000), não facilitou a implantação de ideais de lutas por um Direito de acordo com as necessidades de uma camada sempre reprimida, que queria fazer do Direito um método de modificação social, libertando e ensinando ao homem o processo de resistência.

Nessa época foram discutidas, de acordo com Rodrigues (1991), a metodologia que deveria ser adotada nos ensinos jurídicos. Aparece então, nesse contexto, a figura de Warat, responsável pelo desenvolvimento de um trabalho crítico no Brasil voltado para a questão do ensino. Mas o Direito discutido, de acordo com Pontes de Miranda (citado pelo autor) não era o positivo, pois se o direito fosse aplicado somente em conformidade à letra lei, ele perderia sua função social.

A crítica realizada por esse movimento não era atrelada às feitas anteriormente, pois as novas, além de criticarem o Direito tradicional, buscavam atuar na tentativa de promover justiça para a sociedade. O Direito Alternativo busca resgatar a possibilidade de transformação jurídica que, através da libertação, tenham no trabalho de conscientização e reivindicação campos de luta necessários para alcançar as metas almejadas, acabando com o Direito sonegado. Porém, isso não deve ser restrito aos bacharéis, é direito de toda sociedade.

Conclusão

Como podemos perceber, ao longo do artigo, o corporativismo do Estado sempre tentou dar fundamento ao controle da sociedade através de “democracias” burguesas, sempre preocupadas com o princípio da liberdade superando o da igualdade. Isso resultou na criação de um arcabouço jurídico que assola nossa realidade, remetendo-nos a questionamentos sobre que tipo de prática jurídica aplicar.

Além do mais, o bacharelismo atual assemelha-se, e muito, com o do retrospecto histórico, pois ambos tem no Direito um campo de manifestação e atuação de uma elite sempre preocupada em satisfazer seus interesses, mas para que isso ocorra, é relevantea supressão das necessidades das camadas menos favorecidas. Isso acaba por ampliar, ainda mais, a distância entre justiça e realidade, e desta com o Direito, resultando na criação de um arcabouço repleto de desigualdades. A aplicação do Direito é realizada de forma errônea, afastada do contexto social, pois está sempre atrelada ao conteúdo literal da lei e em favorecimento das classes dominantes.

Vale salientar que cada época histórica foi fundamental para a construção do nosso Direito atual, tendo na figura dos bacharéis e das codificações, as proles de influência e de comando do Brasil. É devido a tal situação que a configuração do papel do operador do Direito nos remete a uma idéia de vitória, de alcance de um status privilegiado, aumentando, assim, a procura pelos cursos de Direito em todo o país. E isso é um problema, pois a saturação do mercado de trabalho é inevitável, levando-nos a pensar se esses profissionais estão realmente capacitados para atuar em uma área tão importante para a sociedade.

Por fim vale salientar que o papel do jurista está sempre atrelado às questões sociais como desigualdade, corrupção e preconceitos, fazendo uma pseudo-imagem desse profissional. É preciso que se destruam os dogmas que sujam a imagem do jurista, mas essa função não cabe apenas ao operador do Direito, mas, sim, a toda sociedade.