Aspectos intrínsecos do direito
Quando se estuda o direito, dividindo-o em compartimentos estanques, acarreta-se, irretoquivelmente. Perda de significado a relevante objeto cultural. Não é baldado lembrar da definição de objeto cultural, consoante a teoria dos objetos, à qual nos ensina que um objeto cultural sempre será dotado de suporte e significado, sendo este nada mais que a projeção do espírito humano, o qual enche de vida e promana seu poder criador, fazendo defluir da matéria bruta ou dos signos lingüísticos realizações culturais de inefável importância. O direito, indubitavelmente, é uma dessas realizações culturais, entretanto, não obstante a caracterização ontológica do direito, é mister uma observação ontognoseológica deste ente, pois somente por este prisma é possível uma configuração satisfatória desse fenômeno cultural, de tão grande importância para a humanidade. Um erro gravíssimo de muitos jusfilósofos é o de ignorarem o caráter prospectivo do direito, atribuindo-lhe quando não uma forma estática, uma marca de previsibilidade infalível, incompatível com a experiência humana, sempre criadora e surpreendente. Não suprimo do direito sua função previsiva, porem, não concordo com uma perspectiva logicista exacerbada, que vê no direito apenas seus aspectos formais, tornando despicienda sua irrefragável feição social. Não devemos portanto ao analisarmos o direito, desprezar qualquer de seus aspectos, pois incorreríamos dessarte, em uma observação vazia e ineficaz. O vulgo ao se defrontar com uma verdade científica, procura logo desfazer-se de outra, enquanto o cientista deve trabalhar sempre dentro de um processo de integração, partindo desse pressuposto desenvolverei minha tese acerca do direito. Vivemos em uma sociedade regida por leis, mas de onde procedem estes entes lógicos-formais- hipotéticos que determinam ou tentam determinar a vida em sociedade. Primeiramente, devemos considerar que o homem vive influenciado por valores, sejam eles dimanados dele mesmo ou pelos outros que com ele formam o âmbito da sua sociedade. A influência dos valores, por conseguinte, faz com que o homem tente organizar todas as coisas que estão em sua volta, visando a concreção desses valores, é aqui que nasce o direito, cuja função principal é a de tornar concreta essas aspirações valorativas, que nada mais são do que influências que podem se distinguir em muitas formas, segundo a racionalidade ou a emoção de cada indivíduo. O que eu quero destacar é a tridimensionalidade do valor, o qual é formado da união da razão com a emoção, ou seja, assim com a água apesar de formada de oxigênio e hidrogênio tem características inconfundíveis com a de seus elementos constitutivos, o valor da mesma forma é dotado de suas peculiaridades. O grande jusfilósofo, brasileiro, Miguel Reale foi muito feliz ao distinguir os valores dos objetos ideais, entretanto, não percebeu que o valor nada mais é do que a junção entre um objeto psíquico e um objeto ideal, ou por outras palavras entre a emoção e a razão. Um exemplo prático, para facilitar o entendimento, é a simples compreensão do que ocorre com uma pessoa ao contemplar uma obra de arte. Em um primeiro momento ocorre uma associação entre a figura vislumbrada, a qual pode ser uma escultura, um quadro, etc., e entre os conceitos racionais inseridos no próprio indivíduo, daí a explicação de que o que é belo para um; pode ser feio para outro, pois o conceito de beleza vem de acordo com a racionalidade subjetiva. Ninguém discute, outrossim, que ao contemplar uma obra de arte o indivíduo sente-se emocionado, alguns chegando ao ponto de chorar ao ouvir uma peça de Bach, enquanto outros, com senso racional diverso, parecem não entender a causa de tamanha emoção, portanto toda referência a valores implica considerar o fator racional e emocional, os quais se apresentam como fatores que se consubstanciam em qualquer apreciação valorativa. Todas essas considerações, feitas por mim, acerca dos valores, encasulando-os como a consubstanciação de um objeto ideal com um psíquico, é tão somente por eu considerar os valores como a fonte da qual promana toda compreensão do que é verdadeiramente o direito.
Toda a sociedade reflete o que ditam seus valores morais, e o direito é derivado da moral, não da moral individual, mas da moral que exerce força para obrigar a coletividade. Um exemplo que reforça tal afirmação é o absurdo que seria a proposição de uma lei em um país muçulmano a favor do casamento entre homossexuais, ou uma lei que proibisse o carnaval no Rio de Janeiro, sendo assim só nos resta afirmar que os valores morais são o fulcro da experiência jurídica. Partindo desse pressuposto, entendo os modelos dogmáticos como uma tentativa de racionalização valorativa com intuito pragmático, visto que os modelos doutrinários teleologicamente têm como escopo fornecer, para as fontes de direito, as estruturas possíveis dos modelos prescritivos, a fim de que esses induzam a concreção dos valores dominantes, os quais se impõem perante a sociedade. Outra função dos modelos dogmáticos é a de evitar que as fontes do direito elaborem leis contrárias aos valores dominantes, pois por serem incompatíveis com a experiência jurídica societária, tais leis nascem com um mau irremediável, o qual é o causador da ineficácia e até mesmo da inconstitucionalidade dessas leis.
Quando uma norma vige, gera-se ao redor dela um campo de normas derivadas, sendo imprescindível para a fonte de direito uma análise doutrinária que leve em conta não somente a norma em si, mas também as normas derivadas, as quais têm a mesma força de obrigar que a norma matriz. Imagine a norma matriz como o núcleo positivo de um átomo e as normas derivadas como os elétrons, toda vez que uma nova norma matriz é criada, podem se estabelecer três situações:
– A nova norma matriz é repelida por ser incompatível e de graduação menor (não recepção);
– A nova norma matriz incorpora-se à norma matriz existente aumentando-a;
– A nova norma matriz repele a existente por ser incompatível, mas de graduação maior.Diante dessa sintética análise de minha teoria,percebemos que os fatores racionais, valorativos, criativos e espirituais são apenas partes deste todo magnífico que é o direito, concebido por mim como a arte de fazer justiça.