“O Direito é sempre visto como algo rígido, mas o que temos aqui é um texto evolutivo, que se transforma”, afirmou o professor da Eric De Mari, da Universidade de Montpellier, na França, em conferência sobre a “História do Código Civil Francês”, proferida no seminário sobre o Bicentenário do Código Civil Francês, que acontece no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Isto aqui é um Código Civil”, disse ele, levantando uma edição fac-símile do Código Civil francês original. “E isto também”, continuou, desta vez erguendo uma edição atual do Código. “Há uma diferença entre eles: este foi feito em 1804 e tem cerca de 420 páginas e este outro tem cerca de 2.000 páginas. Entre estes dois volumes existe a história”, afirmou.
De Mari fez uma análise da evolução do Código Civil francês durante os séculos XIX e XX. O século XIX, segundo ele, foi um período de desenvolvimento econômico e poucas guerras, durante o qual ocorreram diversos movimentos de codificação pelo mundo. O Código Civil francês, ele observa, surgiu em um contexto de ordem autoritária na França, quando o poder estava nas mãos de Napoleão, “um déspota esclarecido, é verdade, mas não um democrata”, destacou. “Este código é filho de um casal bastante bizarro: Napoleão e a Revolução”, comentou De Mari. A importância do Código nesse período, segundo ele, foi a de ter rompido com os laços do feudalismo e de ter inovado ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei, garantindo “a unidade e a identidade do país”.
O professor avalia o Código francês desse período como “injusto” e “nacionalista”. Seu texto, na opinião dele, favorece as figuras do pai, do patrão, do proprietário e do marido. Grande parte de seus artigos, salienta, são voltados para a defesa da propriedade. “Além disso, está marcado em seu texto que ele é o Código Civil dos franceses, como se fosse um código universal, um modelo para o mundo inteiro”, critica De Mari. “A sociedade burguesa da época gostava disso”, justifica.
Já no século XX, a humanidade passou por um “período abominável”, na avaliação do professor, tendo sofrido duas grandes guerras mundiais, que “marcaram profundamente o Direito”. O Direito Civil, nesse contexto, tentou socializar as pessoas em meio a essas dificuldades, daí a razão pela qual o Código Civil sofreu diversas modificações nesse período, tendo sido alterados cerca de 1.200 artigos de seu texto. A Corte de Cassação da França, segundo ele, passa a exercer um papel cada vez mais importante na fixação de determinados institutos do Direito Civil. “O mais bonito hoje é que todo francês pode ir à Corte de Cassação pedir uma explicação sobre o Código Civil”, ressalta De Mari.
Ao final da palestra, o ministro Ari Pargendler, diretor do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, que está promovendo o evento, elogiou a exposição do professor. “Sabíamos da sua competência, mas não tínhamos noção do grande conferencista que o senhor é”, afirmou o ministro, referindo-se ao professor Eric De Mari. O ministro observou, ainda, que o Código Civil, apesar de ter nascido para proteger os direitos da propriedade, hoje, com as mudanças que sofreu, “está apto a enfrentar os desafios da globalização”. “Graças ao gênio francês, o Código Civil se atualizou”, enfatizou o diretor do CEJ/CJF.