Aplicando o Código de Defesa do Consumidor, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de três votos a dois, definiu que a relação de consumo criada entre o judoca e a academia que ele freqüenta implica o dever de receber indenização quando ocorrer acidente que resultar em grave dano à saúde do atleta causado por negligência ou culpa de algum professor. Com base em voto de desempate do ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Presidente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça garantiu hoje ao angolano Rui Nuno Nunes Fernandes, ex-modelo profissional e ex-atleta, residente no Rio de Janeiro, o direito a ser indenizado pela Associação Atlética Banco do Brasil – AABB do Rio, por haver ficado tetraplégico em virtude de acidente sofrido durante um treinamento de judô.
Segundo o processo, por volta das 20 horas, no dia 17 de agosto de 1994, na AABB do Leblon, Nuno Fernandes, então com 22 anos, estava treinando com um colega num tatame em que mais quatro duplas de judocas treinavam também. Durante o treino, ao esquivar-se de um golpe tentado pelo seu colega, Nuno caiu de costas no tatame, no mesmo instante em que o professor Jomar Machado Gomes Carneiro recebeu um golpe do aluno com quem treinava, vindo a cair em cima de Nuno, o que causou traumatismo raquemedular cervical, com fratura da 5ª e da 6ª vértebra cervical, tendo ficado tetraplégico e respirando com a ajuda de aparelhos, quadro que permanece até hoje.
A Justiça do Rio de Janeiro negou a indenização pedida por Nuno Fernandes, por entender que o ocorrido não passou de um lamentável acidente, uma fatalidade, o chamado caso fortuito, que não pode gerar direito a indenização, tendo em vista a sua evidente imprevisibilidade. A AABB-Rio argumentou, inclusive, que o professor Jomar ministra aulas desde 1982, sendo mestre de várias equipes premiadas de judô. Para a AABB, não houve, em momento nenhum, a criação ou exposição do rapaz a qualquer risco acima da expectativa normal inerente à atividade por ele desenvolvida no clube, sendo, dessa forma, descabido o pedido de indenização com base em um acidente lamentável, que poderia ter ocorrido com qualquer um.
No entanto, ao examinar o recurso de Nuno Fernandes, embora o relator, ministro Castro Filho, acompanhado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, mantivesse a decisão da Justiça carioca, afastando qualquer culpa ou obrigação de indenizar da AABB, a Terceira Turma definiu que efetivamente houve culpa do professor no sentido de que era seu dever zelar pela segurança de todos os atletas e orientá-los em seu treinamento. Para o STJ, ao participar da luta, o professor tornou possível a ocorrência da fatalidade, tanto mais comprovável quando, poucos meses depois da tragédia com Nuno, foi contratado um professor auxiliar para ajudar o professor Jomar nessa tarefa.
Assim, pelos votos dos ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi, o STJ acolheu o pedido do ex-atleta para condenar a AABB ao pagamento de R$100 mil a título de danos morais e, como danos materiais, um salário mínimo mensal, a contar da data do acidente e enquanto o judoca viver, verbas essas que devem ser acrescidas de juros de mora desde fevereiro de 1995, data da citação da AABB.
Além disso, Nuno terá direito ao reembolso de tudo o que já gastou com médicos e exames, bem como ao pagamento de todas as despesas relativas ao acompanhamento médico, fisioterápico e psicológico, além de R$15 mil destinados à aquisição de cadeira de rodas, cadeira higiênica e cama especial hospitalar, e ao pagamento de enfermagem permanente dia e noite, indispensável no seu caso. Todos esses valores devem ser atualizados de acordo com os preços do mercado, e os honorários de advogado serão de 10% sobre a importância integral da condenação, acrescida do valor das pensões vencidas e dos reembolsos relativos às despesas já efetuadas e 1 ano de pensões vincendas.