“Não sou coadjuvante do entendimento de ser aceitável esse tipo de equívoco tão comumente cometido pela administração pública de uma forma geral. É como se o cidadão, sabe Deus, em nome do quê, estivesse compelido a suportar as conseqüências da má organização, abuso e falta de eficiência daqueles que devem, com toda boa vontade, solicitude e cortesia atender ao público”. A consideração foi feita pela ministro José Delgado, ao dar provimento a recurso do advogado Tristão Pedro Comaru, do Rio Grande do Sul, que deverá ser indenizado por danos morais pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem – Daer, por causa de multa de trânsito cobrada indevidamente.
Em 1998, foi lavrado contra o advogado um auto de infração de trânsito pelo Daer. Ele se defendeu, mas os argumentos foram desconsiderados, tendo-lhe sido aplicada penalidade. Posteriormente, apresentou recurso administrativo, que foi deferido em 19 de fevereiro de 1999, permitindo-lhe regularizar a situação do veículo e obter o licenciamento.
Dois anos depois, em abril de 2001, no entanto, o advogado recebeu em sua residência a informação de que o recurso administrativo interposto junto ao Jari havia sido indeferido. Buscou, então, esclarecimento no Daer, mas não obteve êxito. Foi, então, obrigado a depositar o valor a título de penalidade pecuniária para poder licenciar novamente o veículo. Evidenciado o erro nos registros do Daer, entrou na Justiça contra a autarquia, com ação por repetição de indébito, pedindo indenização por danos morais e materiais.
Em primeira instância, a ação foi julgada procedente, tendo o Daer sido condenado a devolver o valor da multa corrigido e mais cinco vezes esse valor a título de indenização por danos morais. Na apelação interposta para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, a autarquia alegou que não era devida a indenização, pois não fora comprovado o dano moral. Ao julgar, o TJRS concordou, afastando a condenação por falta de provas. Negou, em conseqüência, provimento ao recurso do autor para aumentar a indenização.
Em recurso especial para o STJ, o advogado argumentou não ser necessária a comprovação de dano moral, bastando que ficasse caracterizado o ato ilícito da administração ao cobrar aquilo que já havia sido pago, condicionando o licenciamento do automóvel ao pagamento da multa.
Ao votar, o ministro José Delgado, relator do processo no STJ, concordou. “Como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material”, explicou. “Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado; decorre da gravidade do ato ilícito em si, sendo desnecessária a sua efetiva demonstração”, acrescentou, ao dar provimento ao recurso para aumentar a indenização a ser paga em dez vezes o valor da multa.
O relator afirmou, ainda, que deve ser banida da cultura nacional a idéia de que ser mal atendido faz parte dos aborrecimentos triviais do cidadão comum. “Principalmente quando tal comportamento provém das entidades administrativas”, concluiu o ministro José Delgado.