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Nilson Naves condena a chamada “legislação do pânico” para combater a violência

“O crime precisa ser punido, sim, porém a chamada legislação do pânico, incentivadora da crueza das penas, não constitui instrumento eficaz nessa luta”. Com esse alerta o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves participou da abertura do XIII Congresso Mundial de Criminologia, que acontece até o dia 15 no Rio de Janeiro. Acrescentando que “andam apregoando o ressurgimento do terror penal, todavia é bom que se ponderem seus efeitos. Sem dúvida, numa sociedade igualitária, livre e fraterna, não se pode querer combater a violência do crime com a violência da lei”,

Nilson Naves disse que é uma questão de lucidez e bom senso que prevaleça a visão que mais vale o Direito Penal preventivo que o Direito Penal repressivo. “Se fosse o contrário, a pena de morte e, quem sabe, a prisão perpétua extinguiriam o crime de uma vez por todas, o que jamais aconteceu em lugar nenhum do universo”, atesta.

Para Nilson Naves o melhor caminho para o combate a violência nas cidades é aperfeiçoar e profissionalizar quem cuida da segurança pública, da vigilância, da prevenção, e da manutenção da ordem, que é um dever o Estado, direito e responsabilidade de todos.

O ministro ressaltou a importância da realização de evento de tal magnitude pela primeira vez no Brasil e, portanto na América Latina. Considerado um dos eventos mais importantes sobre o tema o Congresso Mundial de Criminologia tem a missão de promover o intercâmbio de idéias referentes à prevenção da criminalidade e à melhoria dos procedimentos já adotados pelas nações.

Nilson Naves considerou oportuna a escolha do Brasil para sediar o evento tendo em vista que a violência é tema diário na vida do cidadão brasileiro. “Há muito não se registravam dias tão violentos quanto os atuais”, declara. O ministro alerta que a sociedade tem sido vítima de um processo no qual o crime organizou-se, e em mutação constante, maquiou suas atividades, causando lesões ao Estado, e conseguiu infiltrar-se arregimentando agentes estatais.

O presidente do STJ criticou o que classificou de “apressada mania e malconceito de se querer a tudo solucionar, em qualquer , em qualquer circunstância, por meio da constitucionalização de normas”. O ministro disse que as normas ordinárias são desconsideradas como se nada resolvessem e, por meio da criminalização, aí incluídos o endurecimento das penas e o agravamento desmedido de seu cumprimento. Para o ministro esses são dois fenômenos que se não resolvem os problemas, contribuem para agravá-los, o principal deles está no fortalecimento da violência ao legitimar a violência institucionalizada.

STJ no combate à violência

Nilson Naves destacou a atuação do Superior Tribunal que junto com o Conselho da Justiça Federal, os Tribunais Regionais Federais e seções judiciárias ao celebrarem acordo técnico-institucional com o Ministério da Justiça, por intermédio da Polícia Federal, que possibilitou a criação de instrumentos mais eficazes para a prevenção e repressão da criminalidade. O acordo permitiu que os magistrados federais e ministros do STJ contarão com um moderno sistema de informação on-line sobre os crimes praticados no Brasil e no exterior.

Outra iniciativa do STJ foi a apresentação da proposta de projeto de reforma do Judiciário criando os juízes de instrução que seriam competentes para julgar os crimes cometidos com alto grau de sofisticação – os de lavagem de dinheiro e aqueles contra a ordem tributária e contra o sistema financeiro nacional.

Nilson Naves lembra que a gravidade do panorama brasileiro acabou motivando o CJF a criação de uma comissão composta de representantes dos Poderes Judiciário e Executivo e da sociedade civil, destinada a analisar problemas relativos à lavagem de dinheiro e a apresentar sugestões para combatê-la. E os resultados já podem ser observados após oito meses com a instalação de varas especializadas no combate ao crime de lavagem de dinheiro em alguns estados brasileiros. Paralelamente, o Executivo também lançou um pacote de medidas para combater o crime de lavagem de dinheiro.

Deuza Lopes(61) 319-6531

A seguir a íntegra do discurso proferido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves, na abertura do XIII Congresso Mundial de Criminologia.

COMBATE AO CRIME – DEVER DO ESTADO, RESPONSABILIDADE DE TODOS

Com fecunda expectativa, entendo ser este um bom momento para o Brasil. Pela primeira vez, um país latino-americano tem a honra de sediar o Congresso Mundial de Criminologia, considerado um dos mais importantes do planeta acerca do tema – uma importância creditada à missão de promover o intercâmbio de idéias relativas à prevenção da criminalidade e à melhoria dos procedimentos já adotados pelas nações; creditada, também, à pertinência dos temas e à plêiade de conferencistas que o têm consolidado no correr das doze edições anteriores.

Oportuna, a meu ver, a eleição do Brasil para hospedar evento de tamanho porte, uma vez que, na agenda nacional, a violência por todos vivenciada – agravada pelo crime organizado – é tema diário a reclamar medidas urgentes e efetivas. Há muito não se registravam dias tão violentos quanto os atuais. Onde estaria a gênese desse capítulo? É de hoje? Não, não é de hoje; as causas são de ontem, de anteontem, de muito tempo. Verdadeiramente, a sociedade tem sido vítima de um processo no qual o crime organizou-se e, em mutação constante, maquiou suas atividades, causando lesões ao Estado; e o pior: em desarmoniosa simbiose, procurou infiltrar-se aqui, ali e acolá, arregimentando agentes estatais.

Nessa conjuntura, assoma a necessidade de um engajamento coletivo para o combate a tão grande mal, que tem atentado contra a vida das pessoas e, conseqüentemente, desestabilizado a paz social. É dever ético desbaratar o crime grande, ou o grande crime, que se aparelhou mais que o Estado, que deu quatro passos enquanto este talvez tenha dado apenas um.

Em face do quadro, a sociedade clama por providências, urgentes e efetivas, repito, e essas motivações pragmáticas cruzam-se, há décadas, com argumentos éticos. De fato, existe apressada mania e malconceito de se querer a tudo solucionar, em qualquer circunstância, por meio da constitucionalização de normas, como se normas ordinárias nada resolvessem, e por meio da criminalização, aí incluídos o endurecimento das penas e o agravamento desmedido de seu cumprimento. São dois fenômenos que, se não resolvem os problemas, contribuem para agravá-los por inúmeras razões, de todos conhecidas. Uma delas é a de que, paradoxalmente, concorrem para o fortalecimento da violência ao legitimar a violência institucionalizada.

Eis um aspecto grave do problema: o crime precisa ser punido, sim, porém a chamada legislação do “pânico”, incentivadora da crueza das penas, não constitui instrumento eficaz nessa luta. A propósito, andam por aí apregoando o ressurgimento do terror penal – no entender de alguns, verdadeiro atalho para os erros do passado -, todavia é bom que se ponderem seus efeitos. Sem dúvida, numa sociedade igualitária, livre e fraterna, não se pode querer combater a violência do crime com a violência da lei.

Não seria uma questão de lucidez, bom senso e visão crítica entender, por exemplo, que mais vale o Penal preventivo que o Penal repressivo? Se fosse o contrário, a pena de morte e, quem sabe, a prisão perpétua extinguiriam o crime de uma vez por todas, o que jamais aconteceu em lugar nenhum do universo. Basta rever a história dos povos e avaliar a eficácia, ou melhor, a ineficácia da intensificação das penas: a criminalidade continuou sempre impávida e crescente.

O que se impõe, então? Antes de mais nada e com grande premência, aperfeiçoar e profissionalizar quem cuida da segurança pública – da vigilância, da prevenção e da manutenção da ordem -, “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.

No momento, o Judiciário é também conclamado a cumprir sua missão essencial de proteção total às pessoas e à sociedade, assegurando àquelas os bens da vida e afastando desta os males. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho da Justiça Federal, os Tribunais Regionais Federais e respectivas Seções Judiciárias celebraram acordo técnico-institucional com o Ministério da Justiça, por intermédio do Departamento de Polícia Federal, que criou instrumentos mais eficazes para a prevenção e repressão da criminalidade em nosso país. Os magistrados federais e os ministros do Superior Tribunal de Justiça contarão com um moderno sistema de informação on-line sobre os crimes praticados no Brasil e no exterior. Isso agilizará, por um lado, o acesso dos magistrados às informações policiais dos suspeitos e, por outro, o acesso da Polícia Federal aos processos judiciais.

Com a mesma visão, o Superior Tribunal apresentou proposta ao projeto de reforma do Poder Judiciário mediante a qual sugere acrescentar-se ao art. 98 da Constituição parágrafo criando os juízos de instrução. Sob sua competência ficariam os crimes cometidos com alto grau de sofisticação – os de lavagem de dinheiro e aqueles contra a ordem tributária e contra o sistema financeiro nacional, entre outros. Caso acolhida a proposição, tais juízos, estou certo, hão de imprimir maior celeridade à prestação jurisdicional, pois evitarão a duplicidade de formação da prova, que desserve a economia processual e enfraquece a ação repressiva. Em conseqüência, trarão mais um lampejo de esperança à sociedade. Não poderia ser outro o posicionamento do Superior Tribunal – garantia que é do Estado democrático de direito –, por isso mesmo já reconhecido como Corte de vanguarda e Tribunal da cidadania.

A gravidade do panorama brasileiro acabou motivando, ademais, no âmbito daquele Conselho, a criação de uma comissão composta de representantes dos Poderes Judiciário e Executivo e da sociedade civil organizada, destinada a analisar problemas relativos à lavagem de dinheiro e a apresentar sugestões para combater esse grande mal. Não é demais ressaltar que apenas oito meses mediaram a criação da comissão e a aplicação dos resultados. Agilidade é essencial, porque ágeis são os criminosos.

Em decorrência desse trabalho, os Tribunais Regionais Federais da 4ª e da 5ª Região instalaram, recentemente, quatro varas especializadas em crimes de lavagem de dinheiro – mais um emblema de que o Poder Judiciário, como poder de Estado, está disposto a demonstrar que só a certeza da punição tem eficácia no combate ao crime. Concomitantemente, no âmbito do Poder Executivo, ocorreu o lançamento de um conjunto de medidas que representaram louvável iniciativa a concretizar as recomendações daquela comissão.

Como se vê, o Poder Judiciário está agindo na busca de soluções para os principais reclamos da sociedade. No entanto vive-se, no Brasil, um momento de escolha: a sociedade, pressionada pelo viés da tensão entre o discurso penal e o criminológico, está dividida. O que fazer, então, sem que o Estado deixe de exercer a sua obrigação de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio?

Senhores, essa e outras tantas perguntas permanecem sem pronta e acabada resposta. Precisamos, pois, por meio de bons estudos e profunda meditação, encontrar caminhos para minimizar a chaga da criminalidade – caminhos que não podem ficar restritos a cada país, porquanto há delitos que transpõem os limites territoriais. A lavagem de dinheiro, por exemplo, é um crime sofisticado, cometido em cenário internacional. Por isso a abertura do Congresso Mundial de Criminologia é momento oportuno para, mais uma vez, conclamar os países a fim de que, juntos, procuremos formas de impedir que nossas fronteiras se transformem em instrumentos de proteção a delinqüentes; a fim de que busquemos, também, formas de compatibilizar nossas legislações e, assim, impedir a impunidade desses criminosos. O mundo tem pressa. Não agüenta mais a insegurança. Já não há mais tempo para idéias mirabolantes e inexeqüíveis. As soluções se fazem urgentes. A hora é de trabalho. Muito trabalho. Vamos a ele: Poderes, sociedade, organizações de todos os povos.

ministro Nilson Navespresidente do Superior Tribunal de Justiça