O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves, disse há instantes, que irá convidar para uma reunião os presidentes dos tribunais de justiça e supremas cortes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai para juntos buscarem soluções para o combate ao crime organizado que se beneficiam da extensa fronteira. Naves disse que embora os governos ainda não tenham conseguido a integração econômica, o Judiciário não vai ficar parado e buscará saídas para combater o crime organizado. “Para que juntos procuremos soluções que evitem a transformação de nossas fronteiras em instrumentos de proteção de delinqüentes”, disse.
A afirmação de Nilson Naves foi feita durante a inauguração da segunda vara especializada no combate ao crime de lavagem de dinheiro do País, na cidade de Curitiba (PR). Segundo Nilson Naves o Judiciário unido não dará trégua aos criminosos, pois não existirão brechas que levem à impunidade.
Nilson Naves ressaltou que “a lavagem de dinheiro, que agora estamos combatendo com mais veemência, é o braço financeiro do tráfico de entorpecentes, do seqüestro, do terrorismo, e porque não dizer, da insegurança que atinge não só a sociedade brasileira, mas também todas as nações das Américas e dos demais continentes”.
Segundo Nilson Naves o crime de lavagem de dinheiro, por ser sofisticado, só pode ser combatido se todas as autoridades estiverem imbuídas do mesmo espírito. Destacando a importância na interação do trabalho a ser desenvolvido pelos juízes em conjunto com o Banco Central. “É preciso evitar que certas ações habituais no sistema financeiro beneficiem aqueles que visam dar aparência de legalidade a ganhos oriundos de atividades escusas”.
Para o presidente do STJ somente o fim da impunidade impedirá os chamados “paraísos fiscais” de se transformarem em “paraísos para os marginais” que roubas as nações. O ministro citou e lamentou a denúncia sobre o caso Banestado, em fase de investigação, que tornou possível a remessa de trinta bilhões para o exterior, e isso somente no período de 1996 a 1999. Dinheiro que equivale ao empréstimo que o Fundo Monetário fez ao Brasil e que terá de ser pago com o suor da população.
O ministro alertou que os estados não podem ignorar os fortes indícios de que os criminosos estão conseguindo deixar o produto de seus delitos a salvo de seu alcance, pois estão travestidos de licitude. Nilson Naves disse que o Judiciário não está parado e a prova disso foi a resolução baixada pelo Conselho da Justiça Federal determinando a instalação de varas especializadas no combate ao crime de lavagem de dinheiro. Naves ressaltou que agora o Judiciário está esperando a mesma agilidade do Legislativo para aprovar o projeto que cria as 183 varas federais, imprescindíveis à especialização e à interiorização da Justiça.
Nilson Naves lembrou que essa semana o Executivo lançou um conjunto de medidas que representam louvável iniciativa para concretizar as recomendações saídas da Comissão instituída no âmbito do Conselho da Justiça Federal presidida pelo ministro do STJ, Gilson Dipp. Nilson Naves disse que fará das palavras do ministro Dipp o lema de combate aos criminosos: vamos descapitalizar o crime organizado e, com isso, extirpar o tumor social que se instalou em nosso país e em países vizinhos, devolvendo a nossos povos a segurança e a crença na Justiça.
Deuza Lopes/Marcelo Cordeiro(61) 319-6531
A seguir a íntegra do discurso proferido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Nilson Naves:
INSTALAÇÃO DA SEGUNDA VARA FEDERAL ESPECIALIZADA EM CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO*
Na área jurídica, o sul tem sido fonte de inspiração por sua capacidade de ser pioneiro nas mudanças que estão ajudando o Judiciário a se tornar mais acessível e célere. Foi aqui que os juizados especiais surgiram, na época, chamados juizados de pequenas causas. Agora, estamos lançando as primeiras varas federais especializadas em lavagem de dinheiro. E, como inspiração é o que não falta no sul, peço licença aos presentes, em especial a do autor da frase, para fazer minhas as palavras oportunas do ministro Gilson Dipp em recente entrevista: “é preciso descapitalizar o crime organizado”.
O senhor está certo, ministro Dipp, a lavagem de dinheiro, que agora estamos combatendo com mais veemência, é o braço financeiro do tráfico de entorpecentes, do seqüestro, do terrorismo e, por que não dizer, da insegurança que atinge não só a sociedade brasileira, mas também todas as nações das Américas e dos demais continentes. Estamos diante de um problema mundial que, com a estabilização econômica obtida a partir de 1995, vem, cada vez mais, fazendo-se presente no Brasil.
Crime dos mais sofisticados, a lavagem de dinheiro só pode ser combatida se todas as autoridades estiverem imbuídas do mesmo espírito. Se ao juiz é difícil identificar atos ilícitos em complexas operações financeiras, essa tarefa se tornará fácil à medida que técnicos do Banco Central estiverem auxiliando os magistrados. Temos que nos municiar de todo o conhecimento possível, pois não estamos lidando com criminosos comuns.
Na verdade, é preciso evitar que certas ações habituais no sistema financeiro beneficiem aqueles que visam dar aparência de legalidade a ganhos oriundos de atividades escusas. Importa puni-los rigorosa e rapidamente; do contrário, corremos o risco de incentivar não um Estado paralelo – para fazer uso de conceito em voga –, mas uma zona de intersecção entre o Estado de direito e as organizações com fins criminosos, na qual o lucro ilícito consegue circular com desenvoltura. Somente o fim da impunidade impedirá os chamados “paraísos fiscais” de se transformarem em “paraísos para os marginais” que roubam as nações. Lamentável exemplo de tal desregramento vem da denúncia, em fase de investigação, é claro, de que o Banestado tornou possível a remessa de trinta bilhões de dólares para o exterior, e isso somente no período de 1996 a 1999. No dizer de Antônio Ermírio de Moraes, “é um montante colossal, equivalente ao empréstimo que o Fundo Monetário Internacional fez ao Brasil e que terá de ser pago com o suor do povo” (Folha de S. Paulo de 8.6.2003, p. A 2).
Os Estados não podem ignorar os fortes indícios de que os criminosos estão conseguindo deixar o produto de seus delitos a salvo de seu alcance, porque travestido de licitude. Entre nós, o Judiciário está dando provas de que não pretende ficar no campo do discurso. A Resolução n° 314 do Conselho da Justiça Federal, assinada por mim, que instituiu as varas especializadas, é prova inconteste dessa nossa disposição.
Não é demais ressaltar que apenas oito meses medeiam a aplicação dos resultados e a criação da comissão – iniciativa do Conselho da Justiça Federal – destinada a tratar de questões referentes ao crime de lavagem de dinheiro. Seus frutos já apontam. Agilidade é essencial, porque ágeis são os criminosos.Estamos aguardando que o Poder Legislativo, impulsionado pelo exemplo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, seja igualmente célere na aprovação do projeto que cria 183 novas varas federais, pois, não posso deixar de insistir, são imprescindíveis à especialização e à interiorização da Justiça.
Nesta semana, no âmbito do Poder Executivo, ocorreu o lançamento de um conjunto de medidas que representam louvável iniciativa a concretizar as recomendações saídas do seio daquela comissão. Assim, ora se põem em prática a criação de um cadastro geral de correntistas, o que deve facilitar o acesso de investigadores e julgadores a dados bancários que possam apontar a existência de crimes contra o sistema financeiro de modo geral; a identificação dos saques e depósitos de valores expressivos quando feitos em dinheiro (o Banco Central definiu em cem mil reais o valor mínimo), pois, segundo verificou a comissão, “atualmente inexiste padronização de procedimentos por parte da rede bancária”, dificultando ao Judiciário o conhecimento de dados relevantes. Ainda resultante do trabalho da mencionada comissão, presidida pelo Ministro Dipp, será implementada a proposta de especialização dos órgãos investigativos – no momento, o Executivo fará a reestruturação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Ao me referir às ações restritas às diferentes esferas de Poder, vejo-me compelido a repudiar, uma vez mais, a malfadada idéia de controle externo do Judiciário. Em primeiro lugar, porque, se outros argumentos não houvera, e os há, o controle fere de morte o princípio fundamental expresso na Constituição de que deve haver harmonia e, o que é o argumento central, independência entre os Poderes da República. Querer subordinar o Judiciário a representantes estranhos a ele seria criar um quarto poder, ou seja, uma aberração em face da Constituição.
É imperioso repetir: quem é contra o controle externo é o próprio texto constitucional. Confira-se, a propósito, seu artigo 2º, que estabelece a divisão das funções do Estado. Reflexo do sistema de freios e contrapesos, essa repartição de funções traz ínsitos princípios segundo os quais um Poder controla o outro sem sobrepujar a ele.Com certeza, mais importante para a promoção do bem-estar social é cada um, dentro de suas competências, atuar com firmeza, pois ainda há muito por fazer. Dentro dos limites nacionais vêem-se os esforços nas diversas esferas de poder, mas isso é apenas o começo: não nos esqueçamos de que a lei que pune crimes financeiros é bastante recente. Entre as diferentes nações, também precisa surgir a certeza de que, se não houver cooperação ou se ela tardar, estar-se-á alimentando o monstro da impunidade, que só aproveita ao bandido.
Por isso, aqui no Paraná, próximo à chamada tríplice fronteira, é hora de darmos o primeiro passo rumo à integração do Mercosul também na área jurídica. Convoco os meus colegas presidentes dos Tribunais Superiores de Justiça da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai para que, juntos, procuremos soluções que evitem a transformação de nossas fronteiras em instrumentos de proteção de delinqüentes.
Juntos, não daremos tréguas aos criminosos. Unidos, mostraremos que aqui, no cone sul da América, na existirão brechas que levem à impunidade. Não haverá para onde fugir. Estejam onde estiverem, os infratores sentirão a presença do Estado e a mão firme da lei. Faremos de sua frase, ministro Dipp, o nosso lema: vamos descapitalizar o crime organizado e, com isso, extirpar o tumor social que se instalou em nosso país e em países vizinhos, devolvendo a nossos povos a segurança e a crença na Justiça.