Imposição de multa de trânsito só é permitida após notificação e direito de defesa ao infrator. A questão foi debatida e julgada pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) durante o julgamento do recurso interposto pela União Federal contra o administrador João Carlos Schultz Gomes.
No dia 02 de janeiro de 2000, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de João Carlos esgotou o prazo de validade. Dirigindo-se ao Detran, no mesmo mês, para providenciar o pagamento das taxas e marcar os exames médicos obrigatórios, o administrador viu-se constrangido quando o funcionário que o atendeu lhe informou que não estava autorizado para adquirir a nova CNH por constar em sua ficha o registro de várias multas de trânsito.
João Carlos procurou informar-se junto ao “Tudo Fácil”, através do extrato da placa do seu veículo e constatou que devia mais de R$ 2.000,00 em multas, para todos os órgãos do Rio Grande do Sul, e que devido a pontuação, deveria ficar mais de dois anos sem dirigir.
Indignado, o administrador entrou em juízo com um mandado de segurança no juiz Federal da 2ª Vara Federal da Comarca de Porto Alegre (RS) contra o superintendente da 9ª Superintendência da Polícia Rodoviária Federal, afirmando que nunca foi notificado das multas, que existem irregularidades nas autuações, por faltar a tipificação, o local da infração, a data e as qualificações do infrator e do veículo, e que os pardais não são fiscalizados pelo Inmetro.
O juiz de primeira instância negou a liminar. “Pelo que se vê do certificado de registro e licenciamento do veículo, o documento se encontra em nome do impetrante (João Carlos), mas o endereço é o que o impetrante diz ser do anterior proprietário. Portanto, este é o endereço oficial na repartição de trânsito, e para lá foram enviadas as notificações de autuações. Se o impetrante não recebeu as notificações, foi por sua própria culpa”.
Ambas as partes apelaram para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. João Carlos argumentou que deveria ter sido encaminhada ao condutor não abordado uma via do auto de infração, para que ficasse ciente do ocorrido. Em contrapartida, a União alegou que a motivação da imposição das multas pode ser simples, já que as penalidades são tarifadas, e que João Carlos jamais afirmou não ter cometido as infrações.
O TRF negou a apelação de João Carlos e concedeu parcialmente o recurso da União dando autorização para a cobrança de uma das multas. “A infração foi registrada em 03/10/99, enquanto a notificação para pagamento foi feita em 23/11/99, podendo-se presumir que o impetrante foi notificado da autuação e deixou de apresentar defesa prévia no prazo legal, com o que o impetrado estava autorizado a lançar a multa. A notificação para pagamento da multa não pode ser expedida na mesma data da autuação, já que a autoridade que flagrou a infração não é a mesma que a homologa e aplica a multa”, afirmou o TRF.
No STJ, a União interpôs um recurso afirmando que o Acórdão do TRF violou o Código de Trânsito Brasileiro e que João Carlos foi devidamente notificado da infração no momento em que a cometeu. O ministro Luiz Fux, relator do processo, negou o recurso. No entendimento do relator, “se o Código concede o direito de defesa naquelas situações em que o procedimento não tem por objeto impor multa, não transpõe os lindes da razoabilidade entender que a garantia de defesa não se aplique aos demais casos”.