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Polícia Federal aponta indícios da prática de crimes pelo governador do Espírito Santo

As diligências determinadas pelo ministro Barros Monteiro, do Superior Tribunal de Justiça, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), sobre as acusações de eventuais irregularidades praticadas pelo alto escalão do governo do Espírito Santo, indicam a possível prática de crimes contra a administração pública e outros delitos. A informação consta do relatório elaborado pela Superintendência Regional da Polícia Federal (ES) e encaminhado ao STJ juntamente com os dez volumes principais e 107 apensos que compõem o Inquérito penal envolvendo, entre outros, o governador do Estado, José Ignácio Ferreira. Toda esta documentação e os procedimentos investigatórios instaurados pelo STJ em relação ao chefe do Executivo capixaba, sob a relatoria do ministro Barros Monteiro, já tiveram sua remessa ao MPF determinada pelo mesmo ministro.

Segundo o relatório da Polícia Federal, há indícios da prática de corrupção passiva (solicitar ou receber para outrem vantagem indevida), condescendência criminosa (deixar de responsabilizar funcionário que cometeu infração), advocacia administrativa (patrocinar interesse privado perante a administração pública), peculato (apropriar-se ou desviar bem público) e excesso de exação (exigir tributo indevido). Além desses delitos contra a administração pública, também é feita menção aos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica, uso de documento falso e gestão temerária (previsto na legislação que pune os chamados crimes do colarinho branco).

A partir de agora, os dados produzidos e recolhidos a partir das afirmações formuladas pelo prefeito de Cachoeiro do Itapemirim (ES), Theodorico de Assis Ferraço, contra os administradores estaduais será objeto da análise do MPF. Caberá ao próprio órgão se manifestar sobre os resultados obtidos pelas diligências policiais que requereu junto ao STJ. De acordo com o relatório da Polícia Federal, os principais fatos que revelam os indícios de prática de delitos são:

Fábrica de Sopas – A primeira-dama do Estado e então secretária da Ação Social, Maria Helena Ferreira, teria idealizado uma Fábrica de Sopas, iniciativa vinculada ao Programa de Alimentação Popular (PAP). A Fábrica receberia recursos da Fundação de Integração Social (FIS), instituição criada por empresários capixabas dos setores de importação e exportação. O mentor da FIS teria sido o ex-ministro do Planejamento Aníbal Teixeira alvo de uma CPI no Congresso Nacional em meados de 90. O repasse dos recursos seria feito pela Associação Capixaba de Desenvolvimento Social (Acads).

Segundo as apurações da PF, os recursos repassados não foram usados na fábrica, mas depositados em uma conta do presidente da ACADS, Raimundo Benedito de Sousa Filho, na Cooperativa de Economia dos Funcionários da Escola Técnica Federal – Coopetefes. Outro ponto destacado foi o de que o repasse dos recursos para a fábrica provinha de parte do ICMS recolhido nas operações de importação e que haviam retornado aos empresários na forma de financiamento do Banco de Desenvolvimento do ES (BANDES) para a aplicação em obras de melhoria da atividade portuária. Assim, as empresas teriam sido pressionadas para doar parte dos financiamentos obtidos sob o risco de não receber o próprio financiamento. Dentre elas, estava a T.A. OIL, cujos proprietários teriam sido duramente interpelados pelo governador José Ignácio devido a uma liminar que garantia à empresa privilégios tributários. A empresa também teria sido alvo de exigências para o pagamento de propinas – R$ 150 mil – em troca de sua inclusão num regime especial de tributação. Maria Helena Ferreira teria solicitado mais R$ 50 mil para o pagamento de débitos da campanha eleitoral do governador e, posteriormente, Aníbal Teixeira e Wilson Vilhagra (então funcionário de confiança da primeira-dama) teriam dito ao presidente da T.A. Oil que o regime tributário especial custaria R$ 200 mil mensais à empresa.

Transferência de créditos do ICMS – Segundo o relatório da PF, as dificuldades em compensar os créditos de ICMS das empresas exportadoras pelo endividamento dos Estados os transformou em moedas podres. Apesar deste quadro, ao autorizar grandes transferências desses créditos, o governo capixaba teria atraído lobistas e provocado uma indústria da propina. Dentre os resultados dos processos de autorização para transferência de créditos é citado o que resultou na aquisição, por R$ 5 milhões, pela Espírito Santo Centrais Elétricas S/A (Escelsa), de uma nota fiscal de R$ 6,3 milhões (deságio). O montante foi depositado numa conta da Fundação Augusto Ruschi na Coopetefes e teria sido utilizado para financiar a campanha de vereadores e prefeitos ligados ao governador José Ignácio, na eleição de 2000. Outras autorizações para transferência de créditos não teriam passado pelo crivo da Procuradoria Geral do Estado, tendo sido liberadas pessoalmente pelo governador.

Cooperativas de crédito – O pagamento das despesas pessoais do governador e da primeira-dama era feito por Raimundo Benedito de Sousa Filho, chamado de Bené. Segundo a PF, ele também emitia cheques de conta mantida na Coopetefes para quitar dívidas da campanha eleitoral. Para pagar as despesas é afirmado que Benedito contraía empréstimos junto à mesma Cooperativa. Quando a Coopetefes ficou sem liquidez, os empréstimos teriam sido contratados junto à Cooperativa dos Funcionários das Telecomunicações – Creditel. O fato de inexistir garantias e dos empréstimos não terem sido quitados teria causado a liquidação das duas instituições pelo Banco Central.

Empréstimos no Banestes – De acordo com o relatório da PF, a conta de campanha do então candidato José Ignácio, no Banco do Estado do ES (Banestes) registrou débito superior a R$ 3,75 milhões. Para fins de prestação de contas à Justiça Eleitoral, o governador teria aberto outra conta no Banestes, onde teriam sido debitados R$ 2,6 milhões. Para que este valor entrasse na conta de campanha como doação, o governador e seu cunhado Gentil Ruy teriam enviado o montante para uma agência do Banestes em São Paulo numa ordem de pagamento em favor de Osmair Bernardino que, com procuração das empresas HMG Engenharia Ltda, Construtora CEC Ltda e Target, teria doado a quantia para a campanha. Os proprietários de duas dessas empresas disseram desconhecer a operação e que o dinheiro não ingressou nas contas das empresas. Disseram ainda que fizeram doações parceladas ao PSDB e não ao candidato. O fato indicaria um eventual uso do Banestes para pagar débitos de campanha. Posteriormente, o saldo negativo da segunda conta teria sido quitado por meio de empréstimos que teriam sido oferecidos pelo Banestes ao HMG e CEC.

Empréstimo do Banco Santos Neves – Uma das doações ao candidato José Ignácio, no valor de R$ 800 mil, teria sido feita por Edgard Euzébio dos Anjos. Cerca de um mês depois, o valor foi devolvido por falta de lastro do doador. Para efetivar a devolução, o candidato teria contraído um empréstimo pessoal no Banco Santos Neves, totalizando cerca de R$ 805 mil. Posteriormente, o empréstimo foi liquidado com um cheque da Creditel. Segundo o relatório policial, o governador teria dito à Receita Federal que o empréstimo foi quitado com doações de campanha, mas depois afirmou que o pagamento foi efetuado com uma doação de R$ 835 mil feita por João Batista Prucoli. Por sua vez, Prucoli teria dito à Receita que emprestou a quantia ao governador, mas à Polícia Federal afirmou ter feito uma doação. Teria afirmado, ainda, que repassou os recursos em dólar, mas disse também que entregou a quantia em reais (espécie) ao advogado Itamar Moreira. A PF sustenta que o dinheiro foi entregue em 03/12/98 e o empréstimo no Banco Santos Neves ter sido quitado em 30/11/98.