O Superior Tribunal de Justiça negou autorização a um empresário de São Paulo para utilizar gravações de conversas telefônicas de sua mulher como prova de infidelidade conjugal. As fitas foram juntadas à ação de separação litigiosa iniciada em 1992. A decisão da Quarta Turma do STJ confirma o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, segundo o qual, “o direito à intimidade e à vida privada têm natureza de direito de personalidade, com precedência sobre o direito à honra conjugal”.
Casado desde 1959 com C.A, o empresário H.A. ajuizou ação para não pagar pensão alimentícia e para a mulher deixar de usar o sobrenome dele. O empresário alega que ele mesmo, e não terceiros, gravou a conversa de C.A. com amigas e a utilização das fitas não constitui abuso porque não houve divulgação e o processo tramita em segredo de justiça. H.A. se ampara no artigo 383 do Código de Processo Civil: “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa”.
Para os advogados de C.A., entretanto, qualquer um que intercepte a comunicação de uma pessoa feita para outra, ou seja, qualquer um que não participe do diálogo, é considerado terceiro. Segundo eles, a estratégia do empresário é estender o processo de separação tanto que ele confessou ter doado parte do patrimônio comum do casal aos três filhos sem o consentimento da esposa, se recusou a pagar pensão alimentícia e conseguiu, por diversas vezes, adiar as audiências de julgamento.
O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou ilegal a utilização das fitas como prova, fundamentado nos princípios constitucionais de inviolabilidade da vida privada e da intimidade das pessoas e nas normas de inviolabilidade estabelecidas no Código Brasileiro de Telecomunicações. O TJ entendeu que o casamento não dá direito a nenhum dos cônjuges de interferir na liberdade do outro, seja de escolher seu próprio círculo de amizades ou de preservação do sigilo de correspondência.
“O ser humano é pessoa antes de ser cônjuge”, afirmou o desembargador José Osório, relator do processo no TJ. Segundo ele, é inconcebível qualquer menção ao crime de adultério “em abordagens sérias de temas de Direito de Família”. “O cônjuge que se pensa traído precisa enfrentar seu grave problema de maneira a não atropelar direitos personalíssimos, constitucionalmente amparados”, disse.
A Quarta Turma do STJ não conheceu do recurso especial do empresário por ser inadmissível a utilização de tal instrumento jurídico para contestar decisão de segunda instância fundamentada na Constituição e em lei federal, quando a parte vencida, no caso o empresário, não leva a questão para ser examinada também pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 126 do STJ).