As normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor têm aplicação às relações contratuais bancárias, inclusive o dispositivo da legislação (CDC – Art. 6º, VIII) que permite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, ou seja, a transferência para o réu da obrigação de demonstrar os fatos alegados pelo autor. Este entendimento foi reafirmado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça durante exame de um recurso especial ajuizado pelo Banco do Brasil contra decisão tomada pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul. O relator da matéria foi o ministro Ruy Rosado de Aguiar.
A controvérsia jurídica teve origem em uma ação revisional de contratos de abertura de crédito, com pedido de liminar, proposta na primeira instância gaúcha pelos agricultores Ledevir Bristot, Levino Bristot e esposa contra a instituição financeira. De imediato (liminar), os autores pediram a proibição do Banco do Brasil de incluir seus nomes nos órgãos de cadastro de inadimplentes e de levar a protesto quaisquer títulos originados da conta corrente em questão. No mérito, foi pedida a anulação das cláusulas contratuais sob o argumento de onerosidade dos encargos, juros abusivos, correção inadequada, anatocismo (capitalização dos juros) e incidência de comissão de permanência.
A análise inicial da causa, feita pela primeira instância estadual, levou à extinção do processo sem o exame das alegações formuladas pelos agricultores. O juiz da comarca de Veranópolis (RS) acatou argumento levantado pelo Banco do Brasil de falta de clareza do texto da ação, redigida com argumentos genéricos e sem a identificação dos contratos de abertura de crédito ou quaisquer documentos que provassem o caráter abusivo da transação.
Os agricultores ingressaram com apelação na segunda instância estadual, onde a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada deu provimento ao recurso e, assim, cassou a sentença (primeira instância). A decisão determinou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso entendendo que “em se tratando de relação de consumo, aplicável é o CDC nos contratos bancários”. Este posicionamento, que garantiu a inversão do ônus da prova foi questionado pela instituição financeira por meio de embargos declaratórios. Eles foram rejeitados e considerados protelatórios (com o objetivo de retardar a solução final da causa), o que resultou em multa de 1% sobre o valor da causa ao Banco do Brasil.
Diante desse posicionamento, a instituição de crédito ingressou com recurso especial no STJ sob o argumento de nulidade da decisão estadual, uma vez que o Tribunal de Alçada teria se omitido no exame das questões formuladas pelo Banco do Brasil. Também foi questionada a aplicação da multa e a inversão do ônus da prova sob a sustentação de que “operação de crédito não representa relação de consumo” e que a legislação processual possui procedimento específico a fim de garantir a exibição de documentos (art. 844, CPC).
Com exceção da multa, cuja aplicação foi afastada, a Quarta Turma do STJ decidiu manter os efeitos jurídicos da decisão do Tribunal gaúcho. Segundo o relator do recurso especial, “o CDC se aplica nas relações contratuais bancárias e tem inteira incidência ao caso”.
O ministro Ruy Rosado de Aguiar também afirmou que “não há razão para anular o processo por falta de prévio procedimento de exibição de documento, sabendo-se que disso não decorre qualquer prejuízo à instrução do feito ou à defesa da contraparte”, acrescentando ainda que “o CPC prevê procedimento cautelar para a exibição de documento, mas nem por amor ao rigorismo formal pode-se esquecer que o mesmo CPC autoriza o juiz a ordenar, no curso do processo, a exibição de documentos quando e como a lei determinar (art. 381, III).