O sistema nacional de saúde brasileiro é composto pela rede pública e privada. Na rede pública, que é disciplinada pela Lei nº 8.080 de 1990, encontra-se uma prestação direta e universal, bem como, uma prestação indireta, esta realizada por instituições particulares que, ao se credenciarem, passam a prestar um atendimento médico como longa manus do poder público, ou seja, tais instituições representam a saúde pública complementar.
Por sua vez, a rede privada, que tem como ente regulador a Agência Nacional de Saúde Suplementar e a normatização pela Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9656 de 1998), representa a saúde privada suplementar que proporciona, ao indivíduo que possui renda para contratar tais serviços, uma rede opcional e diferenciada de atendimento.
A saúde privada suplementar é um setor de características privadas e é regida por uma relação jurídica contratual, sendo que, tal relação não possui caráter universal, ou seja, não é para todos e sim para aqueles que pagarem pela obtenção dos respectivos serviços.
Apesar de a saúde privada suplementar ser um setor regido pelo direito privado e depender da formação de relação jurídica contratual, não escapa do monitoramento do Poder Público. Justifica-se, pois, a saúde goza de status de Direito Fundamental e Social, como dispõe a Constituição Federal em seus artigos 6º e 196º, respectivamente. Porém, importante salientar que não pode ser imputado à saúde privada suplementar um dever constitucional que pertence ao Poder Público, assim, a prestação compulsória pertence somente a este.
A lei de planos de saúde, em seu artigo 14, dispõe sobre a garantia de acesso aos atendimentos para aqueles que possuem condições de arcar com o custo financeiro. Proporcionando igualdade para a obtenção de tais serviços.
Os planos de saúde dispõem de várias opções para o acesso, como os módulos familiares, nos quais são beneficiados os entes de uma determinada família. Porém, a Lei de Planos de Saúde não define o conceito de entidade familiar. Tal conceito é disposto na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional civil.
Assim, em uma simples definição, tem-se que a entidade familiar é constituída pela união entre um homem e uma mulher, como também, à sociedade formada por qualquer dos pais e seus dependentes.
Existem possibilidades de inclusão obrigatória nos planos de saúde, tanto do cônjuge como do companheiro da união estável, pois estes são tutelados pelo ordenamento jurídico como entidades familiares. Porém, para os companheiros da união homoafetiva, que não são reconhecidos pelo direito pátrio, não há possibilidade, o que torna a questão bem controversa.
Por esta obscuridade legislativa diante de uma realidade social, observa-se a evolução jurídica neste aspecto, pois, a jurisprudência já se manifesta com decisões inovadoras.
Percebe-se tal evolução no conceito de entidade familiar, ou seja, a visão ou a interpretação passa a ser social e não simplesmente biológica. A união entre duas pessoas, que possuem o intuito de formar uma família, deixa de ter o conceito restrito na procriação e passa a ter a finalidade de auxílio, sobrevivência recíproca e, logicamente, a valorização do sentimento de amor e respeito que a união pode e deve representar.
A união homoafetiva representa uma mudança de comportamento social e contemporâneo. Trata-se de um fato social que gera efeitos sócio-econômicos. Assim, por conseqüência, passam a existir os efeitos jurídicos.
Por mais que seja uma relação não tutelada pelo ordenamento jurídico é uma situação de fato que necessita de respostas, tanto da sociedade como do Poder Estatal. Esta necessidade surge, justamente, pelos efeitos que qualquer relação pode gerar em uma sociedade. Assim, não há possibilidade de ser ignorada tal situação e, ainda, deixá-la no terreno da marginalidade, como ocorreu, por um bom tempo, com a situação da união estável.
Certamente, a experiência vivida com a união estável pode estar auxiliando no reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. Existem barreiras por questões políticas, culturais e religiosas, porém, independente destes paradigmas, deve-se lembrar que a finalidade maior da norma jurídica é a busca pelo justo não se limitando, apenas no lícito, principalmente, quando ocorre uma lacuna na lei.
No momento, alega-se que, um plano de saúde não aceita a inclusão obrigatória de um companheiro de uma união homoafetiva por não haver amparo legal.
Diante de tal realidade, cabe aos operadores de direito e a sociedade a promoção de debates sobre o tema, para a efetivação da devida tutela jurídica. O que deve ocorrer é a valorização do ser humano, independente de raça, credo e opção sexual, apenas o respeito como cidadão.
Há de se observar as vitórias já alcançadas pelos movimentos gays, pois, alguns planos de saúde já incluem companheiros de uniões homoafetivas.
Ressaltam-se, também, as decisões judiciais que defendem a assistência à saúde como direito constitucional, bem como, os princípios da igualdade e o respeito às diferenças, assim, ocorrem os deferimentos para as inclusões do companheiro homoafetivo.
Recentemente, a Justiça Federal concedeu liminar em ação civil pública proposta pelo MPF (Ministério Público Federal) e determinou a inclusão definitiva de companheiros homossexuais como dependentes do titular em um plano de saúde.
Por sua vez, a Agência Nacional de Saúde já informou que está tomando providências para regulamentar a inclusão de companheiros do mesmo sexo como dependentes em planos de saúde.
A Procuradoria-Geral da República, também entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental junto ao Supremo Tribunal Federal, transformada em ação direta de inconstitucionalidade, para que seja reconhecida nacionalmente a união entre pessoas do mesmo sexo.
Devem ser respeitados os valores do texto constitucional que representam o Estado Democrático de Direito, os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Salienta-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dos quais o Brasil é signatário e foram incorporados no ordenamento jurídico brasileiro, vedam a discriminação sexual.
O que deve ser aplaudido é a evolução jurídica. Como também, as manifestações de juízes, desembargadores que decidem, corajosamente, de maneira inovadora. Devem ser aplaudidos os promotores que se manifestam e, principalmente, a sociedade que não se cala diante do que é injusto. Assim, se faz o verdadeiro Direito que acompanha a evolução da sociedade a qual se destina.
Por fim, uma nova entidade familiar está prestes a ser reconhecida em nosso rico ordenamento jurídico, a União Homoafetiva.
Salutar o destaque das palavras de Carlos Maximiliano em Hermenêutica e Aplicação do Direito (Rio de Janeiro. Forense. 16ª Ed., 1997, p. 157-159):
“(…) não pode o direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica. (…) As mudanças econômicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda evolução jurídica; e o direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda evolução social. (…)”