O Diretor Espanhol, Alejandro Amenabar habilmente dirigiu o filme “Mar Adentro”, que relata a estória verídica de Ramón Sampedro, um espanhol que ficou tetraplégico devido a um acidente de mergulho. Sampedro martirizado pelos 29 anos de quase impossibilidade locomotiva resolveu por questões de foro íntimo recorrer aos tribunais sob o escopo de “morrer dignamente”.
Eis um caso verídico e famigerado de solicitação da eutanásia, infelizmente indeferido pela justiça Espanhola. O fato adquiriu publicidade sobretudo pela notável carta endereçada pelo tetraplégico aos juízes espanhóis. Da “Carta de Sampedro”, datada de 13 de novembro de 1996, desdobra-se a idéia de que “viver é um direito e não uma obrigação”. Mais tarde, tal construção tornou-se bandeira dos defensores da legalização da eutanásia.
A grande problemática da eutanásia recai sobre os aspectos morais do ato. Entretanto, juristas e doutrinadores, sobretudo Dr. Miguel Reale, relativiza a moral, colocando-a a mercê da constante transformação do proceder humano e dos valores sociais. Lembramos que o Direito Positivo funciona sob a égide de um sistema triplo e rotativo, formado pelas esferas do fato, dos valores e dar normas. Sucintamente, a nomogênese se dá pelo embate entre as questões axiológicas e o proceder humano. Em outras palavras, uma norma jurídica regula um fato inadequado para que este fique em harmonia com os valores sociais vigentes num dado momento.
A grande questão em voga é a transformação do juízo de valor externado pela sociedade frente à eutanásia, o que coloca em xeque a validade moral da proibição do ato. Antigamente a legalidade era impensada devido ao adjetivo “pecaminosa” que a Igreja instalava na prática. Todavia, o Instituto Data Folha publicou no dia 18/04/2005 uma pesquisa realizada em São Paulo acerca do assunto. Os dados revelam que 53% dos entrevistado são contra a eutanásia. A pesquisa traz um detalhe interessante, na medida em que se aumenta o grau de renda e instrução dos entrevistados a porcentagem desfavorável diminui, chegando a 50% no universo dotado de curso superior. Destarte, a população brasileira vem laicizando suas opiniões, tornando-se gradativamente mais racional e ponderada. Logo, a tendência óbvia é a legalização da “abreviação da vida como forma de preservar a dignidade humana”, tanto é que o Conselho Federal de Medicina autorizou em novembro de 2006 a prática da ortotanásia – uma variante da eutanásia que se distingue pelo fato desta induzir a morte e aquela apenas permitir um eminente falecimento do indivíduo.
O vigente Código Penal reza em seu artigo 121, parágrafo 3º que “Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena – Reclusão de 03 a seis anos. Exclusão de ilicitude.”
Hão os legisladores pátrios de inclinarem-se ao bom senso e revogar tal dispositivo a despeito das convicções pessoais e complicações passionais do ato.
A história grega conta que em Atenas o Senado era legitimado para decidir sobre a eliminação dos incuráveis, dando-lhes o conjum maculatum – bebida venenosa – em cerimônias especiais. Na Índia, antigamente, os incuráveis eram jogados no Rio Ganges, depois de lhes vedar a boca e as narinas com a “lama sagrada”. Na Idade Média, oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia, que lhes servia para evitar o martírio e a desonra. Como se observa, a eutanásia é uma prática antiga que só veio a ser condenada com o fortalecimento do judaísmo e cristianismo, cuja base ideológica recai sobre o valor absoluto da vida. Muito embora, a concepção de “vida” ultrapasse o mecânico funcionamento do organismo, os doutrinados conservadores continuam a conceituá-la como a simples prerrogativa dos ser de respirar ou sentir bater o coração, como se viver fosse uma obrigação e não um direito inerente ao ser humano de gozar de saúde psíquica, dignidade moral e física e outorgado pelo Criador.
Países como a Holanda, Uruguai e Espanha possuem legitimação para a Eutanásia, ressalvadas algumas exigências técnico-medicinais estipuladas nas respectivas leis. No Brasil, encontra-se em trâmite no Congresso Nacional o projeto de lei 125/96, elaborado em 1995 pelo senador Gilvan Borges (PMDB/AP), que estabelece a possibilidade da abreviação da vida de pessoas com sofrimento físico ou psíquico. A autorização para o procedimento seria dada pó uma junta médica composta por cinco membros, sendo dois especialistas na moléstia do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à justiça tal autorização.